“Eu vivo apenas para amar você”: cartas rasuradas de Maria Antonieta ao conde Fersen são decifradas!

Por: Renato Drummond Tapioca Neto

“Eu vivo apenas para amar você”, escreveu o conde sueco Hans Axel de Fersen para Maria Antonieta, rainha da França, em 1791. Na ocasião, a família real se encontrava prisioneira no palácio das Tulheiras, em Paris. Sua correspondência com o conde, bem como com outros príncipes e aliados estrangeiros, era geralmente cifrada ou escrita em tinta invisível, para que o portador não tomasse conhecimento de seu conteúdo. Naqueles anos, Fersen era um dos principais agentes trabalhando em prol da causa contrarrevolucionária e, juntamente com a rainha, arquitetou um plano de fuga para ela, seu marido e filhos, que infelizmente não teve bom resultado. Contudo, até hoje persiste a dúvida se Antonieta e Fersen teriam mantido um caso amoroso ou não. Dada às circunstâncias e ao conteúdo das cartas trocadas entre os dois desde o ano de 1782, é possível que eles tenham desenvolvido um relacionamento que foi além do platonismo. A notícia chegou ao conhecimento de outras cortes na Europa e muitos acreditavam firmemente que o conde sueco era amante da rainha da França. A correspondência rasurada entre os dois que acaba de ser decifrada, porém, pode ajudar a lançar um pouco mais de luz nessa questão.

“Para o bem de nós três, tenha cuidado com o que escreve”, escreveu a rainha, preocupada com que descobrissem sobre o conteúdo de sua correspondência. Ela temia que seu marido tomasse conhecimento do conteúdo secreto das cartas, que tratavam acima de tudo sobre política e davam detalhes dos sentimentos que a rainha e Fersen nutriam um pelo outro. De acordo com Antonia Franser, “nada impediria Maria Antonieta de dormir tanto com Fersen quanto com o rei e de conceber um filho do amante em vez do marido. Mas é importante ressaltar que nessa época a aristocracia já conhecia o controle da natalidade havia uns cem anos”, algo que ajudava a abafar os casos extraconjugais em Versalhes (2009, p. 229). Na sua correspondência, a linguagem de Maria Antonieta era a do amor romântico, seguindo o estilo da escola literária alemã que então começava a nascer com Goethe. Termos como “meu amado”, “meu queridíssimo amor”, “vivo só por você”, ou “razão da minha existência”, podiam ser empregados pela soberana até mesmo nas suas cartas endereçadas a amigas, o que mais tarde serviu de argumento contra a sua orientação sexual. Por outro lado, a inglesa Elizabeth Foster escreveu no seu diário de 29 de junho de 1791 que Fersen fora “considerado amante e era com certeza amigo íntimo da rainha nos últimos oito anos” (apud FRASER, 2009, p. 231).

Com efeito, oito cartas de Fersen eram endereçadas a uma certa “Joséine” (o nome do meio de Maria Antonieta era Josefa) e no seu diário pessoal ele se recordava do dia 15 de julho de 1783, quando “fui à cada d’Ela pela primeira vez”. Mesmo após esse ano, a amizade entre a rainha e o conde floresceu. Em 1784, ele estava no Trianon para uma festa promovida pela rainha. Em algum momento durante a estadia do conde, Antonieta engravidou de novo. Há atualmente quem considere Luís Carlos como filho de Fersen e não de Luís XVI. Contudo, o fato é que o rei nunca questionou a paternidade da criança, o que denota que ele e a esposa ainda mantinham relações sexuais naquele período, conforme observou o abade de Véri. As más línguas da corte também diziam que as datas de concepções da rainha “combinavam bem demais com as visitas conjugais do rei”. Galanteador deveras experiente, Fersen devia conhecer bem demais o segredos para evitar a procriação. Não obstante, o conde agia como devotado conselheiro de Antonieta, algo que ficou evidente nos anos de cativeiro da família real no palácio das Tulheiras.

De sua parte, Fersen pagava tributo à “bondade, honestidade, franqueza e lealdade do rei” e Luís XVI tampouco fez qualquer tentativa de demove-lo da companhia da esposa, apesar do que diziam sobre os dois. Nas cartas da rainha que foram decifradas com o uso de raio-x,  é possível ler frases como “Não há felicidade para mim, o universo não é nada sem você” ou até “meu querido e terno amigo”, “você a quem eu amo e vou adorar toda a minha vida”, ou “eu vivo e existo apenas para amar você”. Conforme dito anteriormente, tais palavras devem ser lidas com cautela, uma vez que Maria Antonieta usava termos semelhantes na sua correspondência com a princesa de Lamballe, a quem ela se referia como “minha querida do coração”. Em vida, a soberana demonstrava ser uma mulher muito emotiva e não fazia cerimônia para esconder o carinho que nutria pelos amigos, o que foi visto com reprovação por parte da nobreza que vivia em Versalhes. Com Fersen, as atenções de Antonieta podiam ainda ser mais exageradas.

Contudo, se a rainha e seu favorito não mantiveram qualquer relação carnal antes de fevereiro de 1792, no dia 13 desse mês é quase certo que os dois tenham passado a noite juntos. O conde Fersen havia dado um jeito de entrar despercebido no palácio das Tulheiras e permaneceu a noite toda no quarto da rainha. “Resté lá” foi o que ele escreveu no seu diário daquele dia. Na opinião de Antonia Fraser:

O conde e Maria Antonieta conheciam-se há quase vinte anos e foram íntimos durante pelo menos doze deles; ambos aproximavam-se da meia idade pelos padrões da época; as Tulheiras, com a Guarda Nacional, cuja presença Fersen observou alarmado, não era o livre e fácil Petit Trianon. Se não tivessem feito amor antes, seria impossível que começassem agora. Já se argumentou aqui que a rainha e Fersen tiveram um caso que começara em 1783 e evoluiu para um relacionamento puramente romântico. Talvez, então, tenha havido um surto nostálgico nas Tulheiras – pode-se esperar que sim – ou talvez a expressão, desta vez, fosse apenas literal: “Fiquei lá” (2009, p. 401).

Em todo caso, o envolvimento entre os dois provocou muita indignação entre os revolucionários e agora os especialistas conseguiram decifrar outra parte de sua correspondência, rasurada em algumas passagens, usando o método do raio-X. Além das costumeiras frases de carinho, os especialistas identificaram o medo e a preocupação da rainha expressa em suas palavras. No final de uma carta datada de 12 de outubro de 1791, ela escreve “Adeus meu bom amigo, nunca vou parar de te adorar”. Trecho que foi posteriormente censurado pelos antigos proprietários da correspondência, no século XIX. Em 1877, na Suécia, um certo barão Rudolf Maurits von Klinckowström anunciou a publicação de um corpus documental até então não publicado sobre Maria Antonieta: cerca de sessenta cartas que ela e o seu tio-avô, o conde Axel de Fersen, trocaram entre junho de 1791 e agosto de 1792. As semelhanças entre a tinta usada pelo conde e a tinta da redação analisada pelos pesquisadores,por sua vez, sugere que Fersen também pode ter rasurado suas próprias cartas para a rainha. Das 15 missivas trocadas entre eles que se encontram com linhas borradas, apenas o conteúdo de 8 foi transcrito. Nas outras, a tinta usada para escrever e rasurar eram a mesma, impossibilitando assim a tarefa de revelar o conteúdo editado. Pelo menos até agora!

O projeto, financiado pelo Heritage Sciences Foundation e apoiado pelo National Archives, foi muito bem sucedido. Ao final de um trabalho meticuloso, usando métodos inovadores de imagem e equipamentos altamente sofisticados, esses pesquisadores não apenas conseguiram ler metade das cartas editadas da correspondência secreta entre Maria Antonieta e Axel de Fersen, como também descobriram o nome da misteriosa personagem, que ficava escondido sob desenhos de cachos, pernas e pontas. “Pela primeira vez, podemos ler as frases inequívocas de Fersen sobre seus sentimentos pela rainha, que antes eram cuidadosamente escondidos”, disse o Arquivo Nacional de Paris, que atualmente possui 25 das 29 cartas trocadas entre ambos. “Vivo e existo apenas para amar você”, escreveu o conde. “A principal conclusão do projeto REX é menos sobre revelações sensacionalistas acerca do relacionamento entre Maria Antonieta e Fersen, e mais sobre a expressão de sentimentos de esperança, preocupação, confiança e terror, em um contexto particular de separação e prisão forçadas”, disse o comunicado do Arquivo Nacional. O fascínio em torno da vida da rainha da França permanece intacto, mesmo 227 anos depois de sua morte. Para se ter uma ideia, no mês passado uma mala de viagem que pertenceu a esposa de Luís XVI foi vendida por cinco vezes mais além de seu valor estimado, num leilão organizado em Versalhes.

LEIA TAMBÉM: Correspondência amorosa entre Maria Antonieta e o conde Fersen é decifrada!

Referências Bibliográficas:

FRASER, Antonia. Maria Antonieta: biografia. Tradução de Maria Beatriz de Medina. 4ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2009.

WEBER, Caroline. Rainha da moda: como Maria Antonieta se vestiu para a Revolução. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008.

Sites:

HURRIYET DAILY NEWS – Acesso em 04 de junho de 2020.

KURIER – Acesso em 04 de junho de 2020.

LE MONDE – Acesso em 04 de junho de 2020.

SPUTINIK NEWS – Acesso em 04 de junho de 2020.

THE TIMES – Acesso em 04 de junho de 2020.

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