PARTE V – Em nome da igualdade, a guerra.
Por: Renato Drummond Tapioca Neto
Alguns anos antes de a miséria geral eclodir, Luís de XVI, ainda com poucos anos de reinado, havia nomeado para o cargo de controlador-geral das finanças, o fisiocrata Turgot, que possuía uma proposta de reforma bastante ousada para sanar os problemas da França: acabar com as corporações de ofício, que eram um obstáculo ao desenvolvimento da Indústria; livrar de empecilhos o comércio de cereais, com a abolição da corvéia (pela qual uma parcela da produção deveria ser entregue à coroa); e o mais importante, pagamento de impostos pela nobreza e o clero, até então isentos da cobrança. Este último criou um verdadeiro tumulto na aristocracia e imediatamente as medidas do fisiocrata foram rejeitadas, fazendo com que este se demitisse em 1776. Para substituí-lo, fora escolhido o banqueiro genebrino, Necker, que a priori tinha uma proposta mais moderada que a de Turgot. Porém, o novo ministro causou escândalo ao tornar público o cálculo do tesouro nacional: o estado possuía uma receita de 503 milhões de libras e as despesas orçavam cerca de 629 milhões, com uma margem de déficit anual de 126 milhões. Em 1783, ascendia ao cargo de controlador-geral, Calonne, cuja proposta de reforma era a mesma da de seus antecessores.

Maria Antonieta e seus filhos, por Mme. Vigée Le Brun
Em fins de 1780, a situação da França já não era mais favorável para o regime monárquico. As guerras contra a Inglaterra no processo de Independência das colônias norte-americanas (que findara em 1783 com a Grã-Bretanha assinando o tratado de Versalhes) haviam consumido muito do tesouro estatal e a recompensa pela vitória não suprira os recursos que foram gastos. Segundo o historiador Eric Hobsbawm:
Os problemas financeiros da monarquia agravaram o quadro. A estrutura fiscal e administrativa do reino era tremendamente obsoleta, e, como vimos, a tentativa de remediar a situação através das reformas de 1774-1776 fracassou, derrotada pela resistência dos interesses estabelecidos encabeçados pelos parlements. Então a França envolveu-se na guerra de independência americana. A vitória contra a Inglaterra foi obtida ao custo da bancarrota fatal, e a assim a Revolução Americana pôde proclamar-se a causa direta da Revolução Francesa (HOBSBAWM, 2013, p. 104).
Além disso, um inverno rigoroso abateu as plantações, impedindo a colheita e deixando a população sem sustento, pois apesar dos avanços maquinários, no país ainda vigorava o modo de produção feudal. Embalada pelos ideais iluministas, a classe burguesa, cultural e economicamente crescida, via na monarquia um empecilho ao desenvolvimento do capitalismo. A sociedade estava dividida de acordo com a seguinte configuração: Primeiro Estado, formado pelo clero; Segundo Estado, constituído pela nobreza; e Terceiro estado, composto por camponeses, burgueses e camadas populares da cidade, aproximadamente 25 milhões de pessoas.

Abertura dos Estados Gerais. Tela de Auguste Couder (1839).
Luís XVI, fundamentado na teoria do Direito Divino, pela qual o Rei era o representante de Deus na terra, acreditava não estar obrigado a prestar conta de seus atos. Já a Rainha, esta viu seu castelo de fantasia dissolver-se diante da catástrofe pela qual a nação passava. Os nobres também a culpavam pela raiva despertada contra sua classe privilegiada e por isso deixaram de mostrar simpatia para com ela e seus amigos. Para completar a infelicidade, o pequeno Luís José morrera com cerca de oito anos de idade, sendo sucedido por seu irmão, Luís Carlos, nascido em 1785 (Maria e Luís XVI tiveram ainda mais uma filha, Maria Sofia, que nasceu em 1786, mas falecera no ano seguinte). Uma peça chave no turbulento processo que levou à impopularidade de Maria Antonieta foi a falsa solicitação dela de um gigantesco colar de diamantes (o desenho do mesmo pode ser encontrado na Biblioteca Nacional de Paris), o que a fez ser apelidada de “Madame Déficit”.

A queda da Bastilha
Em 1789 a situação da economia francesa já fugia ao controle de Luís XVI, que resolveu não dar ouvido aos conselhos de seus ministros e convocou a assembléia dos Estados Gerais para tentar, com a opinião dos três estados, dar um rumo à política do país. Esse foi um dos maiores erros de seu governo, pois em vez de apoiar as reformas sugeridas pelo Rei, os não-nobres organizaram-se em prol do cumprimento de suas exigências. A mais popular dentre as inúmeras foi aquela, publicada em panfletos, que dizia: “O que é o terceiro estado? Tudo; Que foi ele até o presente na ordem política? Nada; Que solicita? Tornar-se alguma coisa”. O Rei concordou em dobrar o número membros do Terceiro Estado na assembléia, mas não aprovou o voto por cabeça, o que fez com que no dia 9 de julho a população criasse a Assembleia Nacional Constituinte. Ainda de acordo com Hobsbawm:
… O Terceiro Estado tinha lutado acirradamente, e com sucesso, para obter uma representação tão grande quanto a da nobreza e a do clero juntas, uma ambição moderada para um grupo que oficialmente representava 95% do povo. E agora lutava com igual determinação pelo direito de explorar sua maioria potencial de votos, transformando os Estados Gerais em uma assembleia de deputados que votariam individualmente, ao contrário do corpo feudal tradicional que deliberava e votava por “ordens” ou “estados”, uma situação em que a nobreza e o clero podiam sempre derrotar o Terceiro Estado. Foi aí que se deu a primeira vitória revolucionária… (HOBSBAWM, 2013, p. 107-108).
Cinco dias depois da criação da Assembleia Nacional, uma multidão furiosa, munida de paus e pedras, invadiu a fortaleza da Bastilha e destruiu o símbolo da autoridade do Rei. Era o início do que seria a maior de todas as revoluções da história. Era o fim do mundo de Maria Antonieta.
Referências Bibliográficas:
FRASER, Antonia. Maria Antonieta. Tradução de Maria Beatriz de Medina. 4ª edição. Rio de Janeiro: Record, 2009.
HOBSBAWM, Eric J. A era das revoluções, 1789-1848. Tradução de Maria Tereza Teixeira e Marcos Penchel. 32ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013.
LEVER, Evelyne. Maria Antonieta: a última rainha da França. Tradução de S. Duarte. 1ª edição. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004.
MELLO, Leonel Itaussu Almeida; COSTA, Luís César Amad. Revolução Francesa. In: História moderna e contemporânea. 5ª edição. São Paulo, 2001.