Por: Renato Drummond Tapioca Neto
Dos anos 1880 até 1914, é possível dizer que quase toda a região da África Ocidental já se encontrava colonizada, com exceção apenas da Libéria. Para os africanos, esse fenômeno representou a perda de sua soberania, de sua independência e da posse de suas terras. Tal processo, por sua vez, pode-se dividir em duas fases: a primeira, que vai de 1880 até o início do século XX; e a segunda, que é interrompida apenas pela eclosão da Primeira Guerra Mundial, em 1914. Dada à natureza das atividades dos europeus durante essas duas etapas, alguns africanos organizaram forte resistência, que por vezes terminava em conflito armado. Nesse contexto, surge a figura de uma rainha-mãe da nação Ashanti, que liderou seu povo na guerra conhecida pelo “Trono de Ouro”. Mulher forte e destemida, Yaa Asantewaa, também chamada de Nana, defendeu a integridade de sua terra e cultura e acabou se tornando um exemplo de liderança feminina africana, comprovando assim que as mulheres tiveram um papel decisivo na luta contra o imperialismo. Assim como Yaa Asantewaa, muitas tomaram parte na cruzada pela autonomia do continente e, em alguns casos, atuaram inclusive como diplomatas.
Localizada na atual região de Gana, a nação Ashanti podia ser considerada uma dessas sociedades em que homens e mulheres tinham um papel mais igualitário. Até o século XX, sua estrutura política era definida pela chamada ocupação dos bancos, equivalente ashanti aos tronos reais europeus. Dentro dessa cultura, existia o chamado “Trono de Ouro” (Asikadwa), considerado seu objeto mais sagrado. De acordo com a crença, por volta do século XVI, o objeto fora enviado pelo céu por uma nuvem de poeira branca até Osei Tutu, primeiro rei de Ashanti (Asantehene). Desde então, considerava-se que ele era capaz de guardar as almas de todos os povos nativos, vivos ou falecidos. Para os Ashanti, a segurança do Trono de Ouro garantia a unidade do reino. Por outro lado, haviam também os tamboretes mais convencionais (sese dwa), que eram ocupados por chefes ou governantes distritais. Em alguns casos, mães e soberanas, cujo poder e influência estavam ligadas aos do rei, também podiam ter assento nesses bancos, uma vez que elas ajudavam a elaborar políticas públicas e podiam atuar na qualidade de regentes. Foi esse o caso da rainha-mãe Yaa Nana Asantewaa, que no final do século XIX desafiou o assédio britânico ao trono de Ashanti.
Desde antes do século XIX que a relação entre os britânicos e os habitantes da África Ocidental era conflituosa. Em 1831, para evitar maior derramamento de sangue provocado pelas disputas territoriais, os ingleses concordaram em assinar o de Tratado Maclean, que dava maior autonomia aos estados do sul anteriormente controlados pelos Ashanti. Essa política, por sua vez, mudaria radicalmente o cenário da região da Costa do Ouro. Não obstante, o acordo exigia que o rei, ou Asantehene, renunciasse a todas as homenagens prestadas pelos antigos estados vassalos de Dinkira, Assin e outros. Com o passar dos anos, o controle britânico na região foi aumentando cada vez mais:
Ao contrário dos franceses, cuja ocupação da África Ocidental, entre 1880 e 1900, foi resultado principalmente da força, os britânicos não hesitaram em recorrer igualmente à negociação pacífica, concluindo tratados de proteção com os Estados africanos, por exemplo, no norte de Serra Leoa e da Costa do Ouro (atual Gana), bem como em diversos pontos do país ioruba. Em outras áreas, como no país Ashanti, no território dos ijebu na Iorubalândia, no delta do Níger e, particularmente, no norte da Nigéria, empregaram sobretudo a força (SILVÉRIO, 2013, p. 335).
Em 1843, os britânicos assumiram o controle de algumas das principais fortalezas do território, logo após a eclosão de alguns desentendimentos na costa entre os comerciantes ashanti e os fanti. Tal atitude foi considerada um insulto para o rei Asantehene Kwaku Gua I, que viu na ação dos britânicos algo sem precedentes. É nesse cenário que surge a figura imponente da rainha-mãe Yaa Nana Asantewaa.
Nascida na década de 1840 como membro da realeza Asona, do clã Besease (centro de Gana), Yaa Nana Asantewaa pertencia à linhagem de bancos de Edweso. Seus pais eram pertencentes à aldeia de Ampabame em Kumasi (uma casa ancestral do povo Ashanti). Quando criança, ao lado de seu irmão Kwasi Afrane, Nana era considerada uma menina com muitas habilidades e que tinha especial interesse pela agricultura e pela administração local. Quando Kwasi Afrane subiu a trono como rei de Edweso, sua irmã foi dada em casamento a Owusu Kwabena, sétimo neto do rei Osei Yaw Akoto, que governara Ashanti de 1824 a 1834. Anos mais tarde, Yaa Asantewaa seria nomeada rainha-mãe de Ejisu por seu próprio irmão, o Edwesohene (rei de Edweso) Kwasi Afrane. Naquela época, a confederação de Ashanti ainda estava lutando para garantir sua unidade territorial, enquanto os britânicos exploravam o local e expandiam sua autoridade pelo interior da costa. Com o tempo, as rivalidades entre o colonizador e os povos nativos começaram a se acentuar.
Em 1863, por exemplo, um grupo de guerreiros ashanti invadiu e destruiu cerca de uma dúzia de vilas costeiras, buscando restabelecer sua antiga autoridade no sul. Dez anos depois, os nativos enfrentaram uma resistência feroz por parte dos britânicos. Esses conflitos resultaram na assinatura do Tratado de Fomena, em 1874. De acordo com Valter Roberto Silvério:
Em nenhuma outra parte da África Ocidental houve tão longa tradição de luta entre os africanos e os europeus como entre os ashanti e os britânicos na Costa do Ouro. Os conflitos surgiram por volta de 1760 e culminaram com o choque militar de 1824. Dois anos mais tarde os ingleses foram à desforra na batalha de Dodowa. Mas entre 1869 e 1872 os ashanti lançaram um ataque triplo que redundou na ocupação de praticamente todos os Estados costeiros e meridionais da Costa do Ouro. Para rechaçar os ashanti, o governo britânico lançou por sua vez uma das campanhas mais bem organizadas da época. A derrota dos ashanti pelos britânicos ocorreu em 1874 (2013, p. 355).
Em 1894, o novo rei Asantehene, Kwaku Dua III, também conhecido como Agyeman Prempeh I, enviou uma carta para a embaixada de Londres, solicitando um encontro com a rainha Vitória, “de soberano para soberana”, cujo objetivo era negociar os termos do Tratado de Fomena. Apesar dos muitos esforços do governador Sir William Brandfrod Griffith para atrasar a comitiva de Agyeman Prempeh I, eles chegaram em Liverpool no mês de maio. Os mais radicais entre o Parlamento ficaram furiosos com o que eles consideraram ser uma audácia por parte do Asantehene e então imaginaram novas formas de subjuga-lo.

Distritos da região de Ashanti.
Em 1896, Agyeman Prempeh I se recusou a pagar pelos custos de sua viagem até a Inglaterra, o que foi tido pelos políticos como um insulto à rainha Vitória. Imediatamente, todos os seus parentes, incluindo sua mãe (Asantehemaa ou rainha-mãe), seu pai (Apebiakyerehene) e seu irmão (Adumhene) foram encarcerados, juntamente com alguns chefes Offinsu, Ejisu (Kofi Tene). De fato, o que houve foi uma varredura quase completa da liderança Ashanti que se encontrava na Inglaterra. Quando tais notícias chegaram à Costa do Ouro, Yaa Asantewaa assumiu as rédeas do governo como regente de Ejisu Juaben. Em março de 1900, o governador britânico Sir Frederick Hodgson apresentou uma série de exigências ofensivas e ameaças à família real, que permanecia confinada na ilha de Seychelles, no Oceano Índico. A rainha regente estava presente numa reunião para a leitura atenta dos termos de rendição proposto por Hodgson, quando o governador exigiu que o Trono Dourado de Ashanti fosse entregue à rainha Vitória. O argumento era de que, após a capitulação de Agyeman Prempeh I, a soberana inglesa passava a ser a soberana legítima daquela nação.
Mesmo enojados com o desrespeito daqueles termos, alguns chefes foram forçados que concordar com eles, devido às grandes perdas que haviam sofrido nas mãos do império britânico. Yaa Asantewaa, porém, era de opinião diferente. Numa reunião secreta com os líderes, ela respondeu com firmeza que:
Agora vi que alguns de vocês temem seguir em frente para lutar por nosso rei. Se fossem os bravos dias de Osei Tutu, Okomfo Anokye e Opoku Ware I, chefes não se sentariam para ver o rei ser levado sem disparar um tiro. Nenhum homem branco poderia ter ousado falar com o chefe de Ashanti da maneira que o governador falou com os chefes esta manhã. É verdade que a bravura de Ashanti não existe mais? Eu não posso acreditar nisso. Não pode ser! Devo dizer o seguinte: se vocês, os homens de Ashanti, não avançarem, então iremos. Convocarei minhas colegas. Nós lutaremos contra os homens brancos. Lutaremos até que a última de nós caia no campo de batalha. (apud ANOBA).
Sentindo-se desafiados por aquelas palavras, os chefes se mobilizaram para proteger o Trono de Ouro e sequestrar as forças britânicas no forte até que seus chefes fossem postos em liberdade. Quando os soldados hausa, que aviam sido enviados pelo governador para dissuadir os Ashanti de qualquer tentativa de motim, não retornaram, isso foi visto como uma declaração aberta de guerra. Durante a resistência, Yaa Asantewaa reuniu um comando de mais de 5.000 soldados (alguns dizem 20.000) e então sitiou o Forte Kumasi. O episódio mais brutal do conflito anglo-ashanti ficou conhecido como Guerra do Tamborete ou Trono de Ouro, que se arrastaria por meses. Liderados por Yaa Asantewaa, os ashanti travaram uma luta injusta contra as armas de fogo dos imperialistas, que os impediu de marchar além do Forte Kumasi.

O Trono de Ouro de Ashanti.
Sitiados, morrendo de fome e de doenças, o governador Hodgson ofereceu às tropas da rainha Asantewaa uma rendição. Eles concordaram com o cessar fogo, caso fossem libertos. Em contrapartida, Agyeman Prempeh I teria que ser libertado e seus direitos devidamente restituídos. Alguns salvo-condutos foram prometidos, menos a soltura do rei ou de qualquer diminuição da influência britânica no comércio da região. A rainha Asantewaa não concordou com esse termos e preferiu manter o cerco ao forte até que as tropas de Hodgson capitulassem. O governador, muito astuto, conseguiu escapar e enviar uma mensagem à Grã-Bretanha, dando conta de sua situação inglesa na região. Em menos de 20 dias, 1.400 soldados armados chegaram de Londres e muitos combatentes ashanti, incluindo a própria Yaa Asantewaa, foram capturados. Ela e seus compatriotas foram exilados para a ilha de Seychelles, onde já estavam o rei e sua família. Estima-se que 2.000 combatentes de ashanti e 1.007 britânicos foram mortos naqueles conflitos. Mesmo assim, as tropas imperialistas não conseguiam colocar as mãos no Trono Dourado, considerado o objetivo principal da guerra. Este, por sua vez, só foi encontrado em 1920, perdido na floresta, enquanto um grupo de carpinteiros trabalhavam numa construção.
Quanto à rainha Yaa Nana Asantewaa, ela morreu tranquilamente enquanto dormia, em sua cela na prisão de Seychelles, no ano de 1921. Três anos depois, Agyeman Prempeh I foi libertado e retornou a Kumasi. Em 1928, ele iniciou esforços para a devolução dos restos mortais de todos os prisioneiros Ashanti que morreram em cativeiro, incluindo os da rainha Nana. Os restos mortais de Asantewaa só foram recebidos em 1930, sendo em seguida transportados para sua cidade natal, em Edweso, onde ela jaz até hoje. O heroísmo da rainha-mãe, por sua vez, acabou se tornando inspiração para muitos movimentos de lutas anti-imperialistas na segunda metade do século XX e os detalhes sociais de sua vida contribuíram para a organização de muitos movimentos feministas africanos, que viram em Nana um modelo político a ser seguido. São essas qualidades que fazem de Yaa Asantewaa uma das figuras centrais do matriarcado, do feminismo e da liberdade dos povos africanos.
Referências Bibliográficas:
Ashanti History. – Acesso em 04 de junho de 2020.
ANOBA, Ibrahim. African Heroes of Freedom: Queen Mother Yaa Asantewaa of Ejisu. – Acesso em 04 de junho de 2020.
SILVÉRIO, Valter Roberto (Org.). Historia geral da África: século XVI ao século XX. Brasília: UNESCO, 2013.
WADA, Pinado Abdu. Yaa Nana Asantewaa: a rainha guerreira da nação Ashanti do Gana. 2018. Acesso em 04 de junho de 2020.
Olá colega,
Gostei muito da sua peça. No entanto, queria esclarecer um detalhe quando disse que de 1880 a 1914 quase toda a África já estava colonizada. Isso, no entanto, não corresponde a verdade. Tudo porque a Etíopia foi, e é, o unico pais Africano que pode manter a sua soberania graças a batalha de Adwa, que ocorreu no dia 1-2 de Março de 1896, quando as forças militares da Etíopia liderado pela Rainha Taitu, a esposa do Emperador Menelik III, derrotaram as tropas invasoras da Italia. Portanto, Etíopia é o exemplo da resistência africana contra o colonialismo.
Obrigado
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