O Escândalo da Rainha: O Martírio de Maria Antonieta – Parte I

Por: Renato Drummond Tapioca Neto

INTRODUÇÃO

Qual o verdadeiro poder da propaganda? Como essa máquina de divulgação em massa pode levar alguém às graças do público e, em questão de minutos, fazer destruir tudo o que esse alguém levou uma vida inteira para construir? Essa prerrogativa se torna tão intensa no percurso da história que, ao longo dos séculos XX e XXI, vemos e vivemos o drama de milhares de celebridades sendo massacradas por algo que ajudaram a criar: o estrelato. Na interminável e desesperada busca pelo reconhecimento, alguns indivíduos são capazes de cometer até mesmo as piores atrocidades, ferindo aqueles que lhe apoiaram. No final tudo, talvez se perguntem: “no que eu estava pensando quando fiz aquilo?“. Sem dúvida esse questionamento deve ter sido feito várias e várias vezes por uma figura que, durante anos após sua morte, ainda sofre com um pré-julgamento leviano e traiçoeiro de sua imagem. Essa personagem é ninguém menos que Maria Antonieta, a última rainha da França, que, graças ao monstro publicitário do século XVIII, pagou com a sua própria vida por atos não cometidos por si.

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Possível retrato de Maria Antonieta aos 12 anos de idade, por Martin van Meytens.

De arquiduquesa da Áustria a delfina da França, de Rainha a musa de uma geração, Maria Antonieta experimentou das mais variadas facetas, criou um próprio estilo de vida e sem dúvida chocou os padrões de uma época supersticiosa, presa a velhos conceitos e dominada pelo maior de todos os estados burocráticos da era Moderna. Mas será que o comportamento e os amores deste gênio da autopromoção são tão estranhos ao homem atual? É claro que não. Todos nós temos um lado Maria Antonieta na vida e por mais que alguém tente escondê-lo, jamais deixará de desejá-lo. Se no século XVIII uma mulher desafiou os padrões de uma sociedade maculada e se impôs até o último segundo que lhe restara de vida, por que não nós, habitantes do século XXI, não seguimos o seu exemplo de mostrarmos ao mundo que podemos ir além do desejado?! Sendo assim, o seguinte artigo tem como função abordar a trajetória dessa majestosa persona, objetivando por em evidência o quanto é equivocada a história que inúmeros livros divulgam ao seu respeito e desse modo, fazer aflorar a consciência de que sempre estaremos sujeitos às vicitudes mundanas.

PARTE I – A NOIVA DE MOZART

A trajetória desse verdadeiro ícone do imaginário popular deu seus primeiros passos quando a Imperatriz Maria Teresa de Habsburgo, no dia dois de novembro de 1755, dera à luz sua décima primeira filha com Francisco Estevão de Lorena, respectivamente Rainha e Rei do Sacro Império Romano-Germânico e fundadores, graças ao contrato de matrimônio, da dinastia Habsburgo-Lorena. (localizado na Europa central, em seu ápice o Sacro Império englobava as atuais nações da Alemanha, Áustria, Suíça, Liechtenstein, Luxemburgo, República Tcheca, Eslovênia, Bélgica, Países Baixos, além de porções da Polônia, França e Itália). Entretanto, o casamento dos imperadores era dotado de tal peculiaridade que em muito contrastava com outros reinos europeus: quem realmente estava por trás das decisões de estado não era o Imperador Francisco, mas sim a Imperatriz Maria Teresa, também Rainha da Hungria e da Boêmia e Arquiduquesa da Áustria.

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Maria Antonieta aos 7 anos de idade.

Sendo assim, não é de se admirar que, anos mais tarde, Maria Antonieta (do francês, Marie Antoinette Joséphe Jeanne de Habsbourg-Lorraine) apresentaria uma personalidade tão singular quanto à de sua progenitora, que ensinou suas filhas a terem o refinado gosto pela arte, música, literatura, teatro e aptidão para línguas, além de dotá-las de uma concepção católica bastante rigorosa. Foi em meio a esse processo cultural-instrutivo que a jovem arquiduquesa entrara em contato com diversos artistas, entre eles o célebre compositor Wolfgang Amadeus Mozart, que tendo menos de dez anos de idade, fora convidado à corte de Viena para uma apresentação. Segundo relatos locais, o então pequeno prodígio da música teria escorregado no chão encerado do palácio e caído, sendo imediatamente socorrido por Maria Antonieta que lhe dera em seguida um beijo na bochecha. “Você é tão bondosa. Quando crescer quero me casar com você”, teria dito o pianista, meses mais novo que a sua notória donzela. Mas a realidade era bem diferente daquela sonhada pelo compositor.

Para a infelicidade do precoce Amadeus, a Imperatriz Maria Teresa tinha outros planos para a sua protegida e com certeza o casamento entre os dois não fazia parte deles. Quando o Imperador Francisco Estevão faleceu em dezoito de agosto de 1765, sua mulher assumiu o controle vitalício do Sacro Império e tão logo tratou de estabelecer alianças com outros países do continente por meio de uma política bastante comum às famílias da época: oferecer a mão de suas filhas em matrimônio (no total, o casal de Imperadores teve 16 filhos, dos quais 13 sobreviveriam à infância – quantidade razoavelmente alta, pois naquela época a taxa de mortalidade infantil era elevadíssima). De acordo com Evelyne Lever:

Depois de ficar viúva, a imperatriz deixou de dar importância à felicidade pessoal; sua preocupação principal era o futuro das províncias, e considerava os filhos como servidores da dinastia. Cada um deles tinha a tarefa de consolidar as realizações dela, da melhor maneira possível. […]. Quando às arquiduquesas, contrairiam núpcias lucrativas para a casa de Habsburgo ou consolidariam alianças preexistentes. Nesse aspecto, Maria Teresa não agia de forma diferente da dos demais soberanos europeus. Nenhum deles, entretanto, transformara a política de casamentos em atividade sistemática. Por meio de seus matrimônios, elas foram sacrificadas à diplomacia materna (LEVER, 2004, p. 20).

Nesse caso, esclarece Lever, a personalidade do futuro marido não contava muito, desde que ele fosse uma personalidade importante no cenário político. Essa “política matrimonial”, por assim dizer, da casa Habsburgo-Lorena, culminou com o casamento das jovens: Maria Amália com Fernando I, Duque de Parma e de Maria Carolina com Fernando IV, Rei de Nápoles e das Duas-Sicílias.

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Imperatriz Maria Tereza, por Martin van Meytens.

Todavia, o maior contrato providenciado pela Imperatriz foi, sem a menor dúvida, o do casamento de sua filha mais jovem com o então Delfim da França, Luís Augusto, neto do Rei Luís XV. A questão da aliança entre as duas grandes nações, França e Áustria, era bastante delicada, pois de um lado, restabeleceria laços fraternos entre os dois reinos, alijando politicamente a Inglaterra e a Prússia no jogo de ambições estatais, mas de outro, poderia resultar em desastre. Foi por essa razão que a França resistiu durante algum tempo à união franco-austríaca e só cedeu aos interesses da nação vizinha em meados de 1769, quando a proposta oficial de casamento saiu. Sendo uma pessoa que detestava perder tempo, a Imperatriz Maria Teresa logo tratou de ensinar a Maria Antonieta sobre os modos e os costumes da corte francesa, bem mais singulares em relação à vida de uma nobre austríaca. No ano seguinte, a jovem Arquiduquesa partia para a França, onde um novo mundo cheio de surpresas lhe aguardava.

Referências Bibliográficas:

FRASER, Antonia. Maria Antonieta. Tradução de Maria Beatriz de Medina. 4ª edição. Rio de Janeiro: Record, 2009.

LEVER, Evelyne. Maria Antonieta: a última rainha da França. Tradução de S. Duarte.  1ª edição. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004.

MELLO, Leonel Itaussu Almeida; COSTA, Luís César Amad. Revolução Francesa. In: História moderna e contemporânea. 5ª edição. São Paulo, 2001.

VERDEJO, C. Maria Antonieta. In: Figuras. 1ª edição. Provença, 93 – Barcelona, Espanha: Ramón Sopena, 1973.

WEBER, Caroline. Rainha da Moda: como Maria Antonieta se vestiu para a Revolução. Tradução de Maria Luiza X. De A. Borges. 1ª edição. Rio de Janeiro: Zahar, 2008

3 comentários sobre “O Escândalo da Rainha: O Martírio de Maria Antonieta – Parte I

    • Oi, Adriano. Tudo bem? Se trata de um texto antigo, que, infelizmente, não passou por revisão. Poderia, por favor, nos indicar quais conceitos foram equivocadamente acrescentados nas “três linhas”? Obrigado pelo seu comentário. Abraços!

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