PARTE IV.II – “Se não tem pão, que comam brioches”
Por: Renato Drummond Tapioca Neto
A vida para Maria Antonieta ganhara novos ares de otimismo quando esta finalmente cumprira o papel que como princesa estrangeira fora designada para fazer: gerar um herdeiro. No ano de 1781, nascia Luís José, o novo Delfim da França. A notícia foi dada pessoalmente à Rainha por Luís XVI, que não poderia estar mais aliviado com o acontecimento. Disse: “Madame, realizastes os nossos desejos e os da França, sois mãe de um Delfim”. Porém, a felicidade da corte de Versalhes com a chegada do sucessor não avançava para muito além dos muros do palácio. A grande parcela da população, denominada Terceiro Estado, sofria com a escassez de alimentos, acentuada pela incapacidade do governo em solucionar o déficit econômico, o que despertou uma consciência de ódio geral contra a luxuosa vida levada pelos nobres da corte e pelo que consideravam a principal figura do esbanjamento: a Rainha Maria Antonieta. Era chegado o momento da máquina publicitária do século XVIII trabalhar a todo vapor.

Maria Antonieta, por Mme. Vigée Le Brun
O mais perverso dos boatos, que muitos ainda acreditam ser verdade, consiste na tradicional historieta de que quando a situação da falta de alimentos chegou aos ouvidos da Rainha, esta, em toda a sua pompa e arrogância, teria dito que na ausência de pão, o povo deveria se saciar com brioches. Diz Antonia Fraser que,
Essa história foi contada pela primeira vez a respeito da princesa espanhola que desposou Luís XIV cem anos antes da chegada de Maria Antonieta à França; continuou a se repetir atribuída a uma série de outras princesas durante todo o século XVIII. Como clichê jornalístico muito prático, talvez nunca morra. Mas não só a história foi atribuída a Maria Antonieta; este comportamento ignorante não combinava com o personagem. Seria muito mais provável que a filantrópica Maria Antonieta, fora dos padrões da época, jogasse impulsivamente seu próprio brioche ao povo faminto à sua frente (FRASER, 2009, p. 13-14).
Sendo assim, esse, assim como tantos outros, não passava de mais um joguete pré-revolucionário que tinha como objetivo culpar a arquiduquesa austríaca pela miséria na França.
É consenso entre os biógrafos de Maria Antonieta de que ela nunca proferiu tais palavras e que, pelo contrário, demonstrava preocupação com a tristeza do povo. Em uma de suas cartas à Imperatriz Maria Teresa, ela chega a comentar sobre o alto preço do pão, dizendo também: “Tenho visto as pessoas nos tratarem tão bem, apesar de suas desgraças, [que] estamos ainda mais obrigados a trabalhar pela felicidade deles”. Conforme dito na citação acima por Antonia Fraser, a famosa frase já era empregada a princesas estrangeiras pelos menos há uns cem anos antes de Maria Antonieta, mas suas origens provavelmente derivam do livro Confissões, do filósofo francês Jean-Jacques Rousseau: “Recordo-me de uma grande princesa a quem se dizia que os camponeses não tinham pão, e que respondeu: ‘Pois que comam brioche’ (outra versão credita a autoria da frase madame Sofia, tia do rei, quando cercada por uma multidão que exigia pão ao seu irmão, Luís de Bourbon). Infelizmente, esse clichê grudou na imagem da rainha e até hoje há quem diga que ela realmente pronunciou estas palavras.
Referências Bibliográficas:
FRASER, Antonia. Maria Antonieta. Tradução de Maria Beatriz de Medina. 4ª edição. Rio de Janeiro: Record, 2009.
LEVER, Evelyne. Maria Antonieta: a última rainha da França. Tradução de S. Duarte. 1ª edição. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004.