PARTE III.I – A Embaixatriz da Moda
por: Renato Drummond Tapioca Neto
Uma das muitas formas que Maria Antonieta usou para se impor à aristocracia, foi o uso da moda. Ainda hoje, são famosos os seus penteados de até um metro de altura, enfeitados por laços e plumas. Desde os tempos de Delfina, a moda era a uma das únicas formas de expressão que poderia adotar, mas com a elevação de seu posto para Rainha, ela não mediu esforços e criatividade para elaborar peças que até hoje são reinventadas por estilistas de todas as partes do globo (seu guarda-roupa ocupava três dos cômodos do palácio de Versalhes). Com um verdadeiro time de costureiras e estilistas, que o povo da França apelidou sarcasticamente de “o ministério da moda”, ela inovou todo o guarda-roupas real, desde os sapatos até às suas enormes perucas. Conhecidos como “poufs”, tais penteados podiam chegar a 1 metro de altura e reproduzir verdadeiras obras de arte, como jardins ingleses. Todos os dias, quando acordava, as damas da soberana lhe traziam um livro contendo estampas de todas suas roupas para que ela escolhesse o que queria vestir no dia sem precisar vistar o depósito de seus vestidos, que ocupavam três cômodos do palácio de Versalhes. Tal artefato (ver foto abaixo) sobreviveu à Revolução Francesa e hoje se encontra preservado em Paris.

Caderno de trajes de Maria Antonieta, contendo amostras dos tecidos dos seus vestidos.
Segundo a Condessa de Boigne, contemporânea da rainha. “ser a mulher mais à la mode de todas parecia [a Maria Antonieta] a coisa mais desejável que se poderia imaginar; e essa fraqueza, indigna de uma grande soberana, foi a única causa de todos os defeitos exagerados que o povo tão cruelmente lhe atribuiu”. Para Caroline Weber, autora do livro “Rainha da Moda: como Maria Antonieta se vestiu para a Revolução” (2008):
Desde o momento em que Maria Antonieta, a arquiduquesa de 14 anos nascida na Áustria, chegou à França para se casar com o herdeiro do trono Bourbon, questões de vestuário e aparência provaram-se centrais para a sua existência. Como futura rainha, e mais tarde rainha reinante, um rígido protocolo governava muito do que ela vestia, como vestia, quando vestia e até quem a vestia. Destinado a exibir e afirmar a magnificência da dinastia Bourbon, esse protocolo havia sido imposto por monarcas franceses aos seus cortesãos, e às suas rainhas, por gerações (WEBER, 2008, p. 11).
Os vestidos para ela utilizados, assinados por Rose Bertin (principal modista da época) apresentavam decotes ousados, eram cheios de bordados e moldados por longas anáguas, feitas propositalmente para alargar os quadris. Os nobres ficaram escandalizados ao ver os trajes de montaria usados por sua Rainha, incluindo calças e botas que desenhavam as curvas de seu corpo. É óbvio que eles não aceitaram com passividade o novo costume, pois além de usar roupas do mais alto brio, Maria Antonieta incorporou aos trajes da corte elementos do vestuário plebeu, num período em que o modo de se vestir era essencial para estabelecer diferenças entre as classes sociais.

Croqui de um dos vestidos usados por Maria Antonieta.
O mais interessante nisso tudo é que o comportamento esperado de um membro da realeza deveria estilizar-se em padrões elegantes e conservadores, pois quem se vestia com ousadia eram as amantes dos Reis. Quando Marie apareceu trajada naquelas excêntricas peças, isso sem dúvida rendeu mais lenha pro falatório malicioso. Ainda de acordo com Weber:
… desde os seus primeiros dias em Versalhes, Maria Antonieta encenou uma revolta contra a etiqueta cortesã arraigada, transformando suas roupas e acessórios em expressões desafiadoras de autonomia e prestígio. Embora, como muitos estudiosos salientam, ela não manifestasse um interesse constante por política, quer num plano internacional amplo, quer no âmbito doméstico, creio que ela tenha identificado a moda como uma arma-chave em sua luta por prestígio social, autoridade e por vezes mera sobrevivência. […]. Dando início a uma série de audaciosos experimentos estilísticos que durariam a vida inteira (e que um aristocrata contemporâneo descreveu como constituindo “uma verdadeira revolução na indumentárias”), ela desafiou as ideias estabelecidas sobre o tipo e a extensão do poder que uma rainha francesa deveria possuir (WEBER, 2008, p. 11-12).

Coleção de sapatos que pertenceram a Maria Antonieta.
No entanto, ao contrário das amantes reais, que opinavam na política real, Maria Antonieta pouco ou quase nunca tomava decisões de estado, pois seu marido desde criança fora instruído a olhar com desconfiança os membros proeminentes da casa d’Áustria. Sendo assim, ficava mais aguçado o interesse desta Senhora real em reformar os hábitos e a postura da realeza. Temos um bom exemplo disso no filme Marie Anoinette (2006), quando a Rainha, acompanhada de Luís XVI e da Princesa de Lamballe, assiste à habitual apresentação de ópera na corte, porém, ao término do espetáculo, levanta-se e, sozinha, começa a aplaudir a performance na intenção de estimular a restante da platéia a fazer o mesmo, pois até então a ovação da nobreza em apresentações como aquela não era uma prática comum (outro aspecto caricato da vida de Maria Antonieta como Rainha solidificou-se, mais tarde, no seu repentino interesse por filosofia política e história – autores como Rousseau e Mercier estavam entre os seus preferidos).
Referências Bibliográficas:
FRASER, Antonia. Maria Antonieta. Tradução de Maria Beatriz de Medina. 4ª edição. Rio de Janeiro: Record, 2009.
LEVER, Evelyne. Maria Antonieta: a última rainha da França. Tradução de S. Duarte. 1ª edição. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004.
WEBER, Caroline. Rainha da Moda: como Maria Antonieta se vestiu para a Revolução. Tradução de Maria Luiza X. De A. Borges. 1ª edição. Rio de Janeiro: Zahar, 2008