Por: Renato Drummond Tapioca Neto
Uma das figuras mais ilustres da história do Brasil, Leopoldina de Habsburgo-Lorena tem recebido cada vez mais atenção por parte da mídia e das Instituições nestes últimos anos. Desde que o conteúdo inédito de suas cartas foi parcialmente publicado em 2006, que novos livros e documentários são constantemente lançados nas mais diversas plataformas, empenhando-se em narrar para o leitor a trajetória da nossa primeira imperatriz. De lá pra cá, Dona Leopoldina já foi objeto de exposições e congressos, peças de teatro, capas e artigos de revista e até personagem de novela. Em 2012, seus remanescentes humanos, sepultados na cripta sob o Monumento ao Centenário da Independência (São Paulo-Sp), foram exumados, trazendo assim maiores informações sobre seu trágico desfecho. Falecida precocemente no dia 11 de dezembro de 1826, pouco antes de completar 30 anos, Leopoldina deixou para trás uma nação inteira a chorar pela sua perda e a memória de seu empenho em prol da causa da emancipação política do país. Com efeito, seu protagonismo pode ser verificado não só por meio de documentos, como também através de alguns objetos que ela deixou para trás. Nessa matéria, selecionamos 10 itens, atualmente guardados em arquivos e museus do Brasil e da Europa, que contam um pouco de sua vida excepcional.
1. DESENHOS
Nascida no dia 22 de janeiro de 1797, a arquiduquesa Leopoldina de Habsburgo-Lorena era filha do Imperador Francisco I da Áustria com a princesa Maria Teresa de Nápoles e Sicília. O contexto político e filosófico daquele período era marcado pelo pensamento iluminista, que insuflou uma das maiores revoluções da história, a Francesa, iniciada em 1789. Muitos nobres e membros da realeza pereceram durante o processo revolucionário, incluindo os tios-avós de Leopoldina, o rei Luís XVI e a rainha Maria Antonieta. Enquanto a Europa era sacudida pelas guerras napoleônicas, a jovem arquiduquesa era instruída nos rudimentos da educação ao lado de sua irmã mais nova, Maria Clementina. Além das disciplinas básicas do atual currículo escolar, como História, Matemática e Geografia, Leopoldina passou também a ter aulas de Botânica e Mineralogia, que eram as suas matérias favoritas, bem como de Física e Astronomia. Destarte, ela aprendeu idiomas e a refinada linguagem da música, isso sem contar que também recebeu instruções de Desenho. Dessa época, sobreviveram duas aquarelas feitas pela arquiduquesa, atualmente conservadas na Biblioteca Nacional da Áustria (Viena). Nas imagens, podemos ver a jovem brincando e passeando pelos jardins de Laxenburg, o palácio de verão de sua família. Essa infância idílica seria perturbada apenas pela morte de sua mãe, em 1807, e pelas guerras napoleônicas, em decorrência das quais sua irmã mais velha, Maria Luísa, foi obrigada a se casar com o Imperador dos Franceses.
2. RETRATO
Em 1771, o pintor Joseph Kreutzinger (1757–1829), retratou a tia-avó de Leopoldina, Maria Antonieta, aos 15 anos, quando ela era delfina da França. O retrato foi considerado “muito parecido” com a jovem pela sua mãe, a imperatriz Maria Teresa e também pelo embaixador austríaco na França, Mercy d’Argenteau. Maria Teresa gostou tanto do resultado que manteve a tela no escritório onde trabalhava à noite: “assim, tenho-te sempre comigo, sob meus olhos”, disse ela em carta à filha. Curiosamente, 44 anos depois, o mesmo artista pintaria D. Leopoldina aos 18 anos, usando um vestido de seda branca atado com fita abaixo do busto e um xale sobre os ombros. Se levarmos em consideração a opinião da imperatriz Maria Teresa e do embaixador austríaco sobre o trabalho de Kreutzinger, então é possível supor que o artista não fizera por menos ao retratar com fidelidade a futura Imperatriz do Brasil. Avaliando o resultado da obra, podemos considerar que Leopoldina era uma mulher de feições agradáveis, a despeito dos juízos de valor emitidos por alguns biógrafos, de que ela seria uma mulher feia. Tal como sua tia-avó Maria Antonieta, Leopoldina compartilhava com ela algumas características físicas, como o tom de pele alvo, os olhos muito azuis, o lábio inferior saliente e o queixo protuberante que, por sua vez, eram traços faciais distintivos da casa dos Habsburgo austríacos. Posteriormente, Leopoldina seria retratada por uma série de outros artistas, embora confessasse em cartas que não gostava to trabalho da maioria deles.
3. COPO
Com o fim das guerras napoleônicas e a definitiva derrota de Napoleão Bonaparte em 1815, organizou-se na Europa o chamado Congresso de Viena, que tinha por objetivo redistribuir o mapa do continente. Em 1816, D. João VI, então rei de Portugal, Brasil e Algarve, enviou um representante para negociar o casamento de seu herdeiro, o príncipe D. Pedro, com uma das filhas do Imperador Francisco I da Áustria. O matrimônio foi acordado com a arquiduquesa Leopoldina e a união entre os dois foi celebrada numa cerimônia ocorrida no dia 13 de maio de 1817, em Viena. Em 15 de agosto, a nova princesa real partiu do Porto de Livorno, na Itália, em direção ao Brasil, carregando consigo uma grande quantidade de caixas contendo seus livros, vestidos, objetos de uso pessoal, uma baixela de porcelana de Angoulême, entre outros itens. Foram tantas as malas que a maioria sequer chegou a ser aberta. Em 1825, por exemplo, a inglesa Maria Graham constatou que muitos daqueles invólucros ainda permaneciam fechados nos apartamentos da imperatriz, no Paço de São Cristóvão. O paradeiro de todos esses objetos, porém, permanece indefinido. Contudo, em 2014, durante a exposição “Com a palavra D. Leopoldina, Imperatriz do Brasil”, organizada pelo Museu Histórico Nacional no Rio de Janeiro, foi exibido um copo de cristal com estojo que teria pertencido à soberana, que o trouxe junto consigo na sua viagem para a América.
4. LEQUE
Leopoldina ficou encantada com a primeira visão do Brasil. Quando aportou no Rio de Janeiro em 5 de novembro de 1817, ela disse que “acho que nem pena nem pincel podem descrever a primeira impressão que o paradisíaco Brasil causa a qualquer estrangeiro; basta dizer-lhe que é a Suíça com o mais lindo e suave dos céus” (apud KANN et al., 2006, pag. 313). Porém, o clima da nova terra era bem diferente do que ela estava acostumada na Europa. Segundo contou mais tarde, “o calor, o clima e a consequente preguiça não nos deixam ler nem escrever”. A alta temperatura do Rio certamente deixava a princesa de pele quase translúcida com um aspecto bastante abatido. Seus vestido também se mostraram inadequados para aquele clima, de modo que muitos sequer foram tirados das malas. Na imagem acima, podemos ver um leque de uso pessoal que teria pertencido a Leopoldina. De acordo com as informações do Espaço de Artes Miguel Sales, a peça, leiloada em 2018, é confeccionada em:
Papel decorado com pintura à mão que apresenta as nove deusas filhas de Zeus em policromia. Obra assinada por Achilles Jacques Marie Jean Deveria. Vareta mestra em ouro trabalhado de tonalidades diversas com reserva de platina e brilhantes aplicados. Ostenta as iniciais P e L Pedro e Leopoldina – sobre fundo vermelho de esmalte, sob Coroa Imperial, conjunto que encima a Serpe dos Bragança. Abaixo pequeno relógio com tampa lavrada. A segunda vareta mestra, igualmente trabalhada, reserva delicada pequena caixa oval com tampa. No reverso, reserva circundada de flores com o monograma P e L Pedro e Leopoldina – sobre fundo rosa. Quatorze varetas de madrepérola esculpidas e revestidas parcialmente com realces em ouro. Botões de amarração das varetas apresentam, a cada lado, duas pedras preciosas não identificadas de tons vermelho e lilás. Aberto 56 x 30 cm.
5. CARTAS
O protagonismo de Dona Leopoldina na política brasileira é evidenciado pelas mais de 800 cartas que ela trocou com seus familiares e amigos ao longo da vida. Cerca de 315 delas foram escolhidas para efeito de publicação na obra “D. Leopoldina: cartas de uma imperatriz” (2006), organizada por Bettina Kann e Patrícia Souza Lima. As duas pesquisadores fizeram um criterioso trabalho de coleta desse material no Arquivo Nacional Austríaco, na Biblioteca Nacional, no Museu Imperial de Petrópolis, entre outras instituições que guardam as palavras da primeira imperatriz do Brasil. As cartas são geralmente endereçadas à arquiduquesa Maria Luísa (irmã de Leopoldina), ao seu pai, o imperador Francisco, à tia Maria Amélia, bem como ao marido, D. Pedro I, a José Bonifácio, Maria Graham e ao marquês de Marialva, entre outros. Em tais correspondências, Dona Leopoldina falava dos assuntos mais diversos, como a natureza, seu amor pelos livros, o nascimento e criação dos filhos, mas, principalmente, sobre política. É por meio dessa correspondência que ficamos sabendo do seu papel protagonista no processo de emancipação do país. Numa delas, escrita em 8 de janeiro de 1822 ao secretário Schäffer, ela fala de sua interferência favorável na decisão de D. Pedro de permanecer no Rio de Janeiro: “O príncipe está decidido, mas não tanto quanto eu desejaria. […] Muito me tem custado alcançar isto tudo – só desejaria insuflar uma decisão mais firme (apud KANN et. al., 2006, p. 389).
6. VESTIDO DA COROAÇÃO
Em 2 de setembro de 1822, enquanto o príncipe D. Pedro estava em São Paulo, Dona Leopoldina liderava uma reunião do Conselho de Estado, na qualidade de princesa regente. Nesse encontro, ela, Bonifácio e os demais ministros deliberam pela emancipação política do Brasil. No mesmo dia, Leopoldina enviou uma carta ao marido, dizendo o seguinte:
Pedro, o Brasil está como um vulcão. Até no paço há revolucionários. Até oficiais das tropas são revolucionários. As Cortes Portuguesas ordenam vossa partida imediata, ameaçam-vos e humilham-vos. O Conselho de Estado aconselha-vos para ficar. Meu coração de mulher e de esposa prevê desgraças, se partirmos agora para Lisboa. […] O Brasil será em vossas mãos um grande país. O Brasil vos quer para seu monarca. Com o vosso apoio ou sem o vosso apoio ele fará a sua separação. O pomo está maduro, colhei-o já, senão apodrece. […] Pedro, o momento é o mais importante de vossa vida. Já dissestes aqui o que ireis fazer em São Paulo. Fazei, pois. Tereis o apoio do Brasil inteiro e, contra a vontade do povo brasileiro, os soldados portugueses que aqui estão nada podem fazer (apud OBERACKER, 1973, p. 281).
Após a leitura dessas linhas, bem como de outra carta escrita por José Bonifácio, D. Pedro proclamou a independência do Brasil. Era o dia 7 de setembro de 1822. Em 1 de dezembro, ele foi coroado Imperador. Na ocasião, Dona Leopoldina estava ricamente vestida com um traje de seda branca bordado com fios de ouro e prata, incluindo uma cauda de veludo verde igualmente bordada com padrões de folhas e estrelas. Na cabeça, um capelo com plumas verdes e brancas e no pescoço o colar de diamantes com o retrato do marido, que ela recebeu como presente de casamento. Acredita-se que o vestido tenha sido desenhado por Jean-Baptiste Debret e foi com ele que Leopoldina foi sepultada em dezembro de 1826. Na imagem acima, podemos ver uma reconstrução do traje feita para a exposição “Mulheres Reais”, de 2008, ao lado de um recorte da tela de Simplício Rodrigues de Sá, retratando a imperatriz usando a mesma roupa. A terceira imagem é do esqueleto de Leopoldina, fotografado pelo Dr. Luiz Roberto Fontes, durante a exumação do corpo da imperatriz feita em 2012 pela arqueóloga Valdirene do Carmo Ambiel.
7. COLAR
Apesar de ter sido presenteada com uma rica coleção de joias, poucos dos adornos que pertenceram a Dona Leopoldina sobreviveram aos dias de hoje. A maioria de suas pedras preciosas passou para a segunda esposa de D. Pedro I, a imperatriz Dona Amélia de Leuchtenberg, incluindo o colar de diamantes com o retrato em miniatura do Imperador. No Museu Imperial de Petrópolis, porém, encontra-se em exposição um conjunto de colar e brincos filigranado com ouro, rubis e pedras preciosas, que teria pertencido a Leopoldina. O design da peça é composto por dezoito esferas armilares, ligadas por folhas de tabaco e café, cada uma delas representando alguma das províncias do nascente império. Com efeito, as três esferas em destaque sob a coroa imperial em forma de pingente fazem referência às províncias de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, as primeiras a declararem apoio à causa da Independência.
8. JURAMENTO À CONSTITUIÇÃO
Após a proclamação da independência, Dona Leopoldina trabalhou pelo reconhecimento internacional da emancipação política do país junto ao Imperador Francisco I da Áustria. Em carta ao pai, datada de 6 de abril de 1823, a imperatriz se dizia “brasileira de coração” e afirmava que era seu “dever fazer o papel de intercessora do nobre povo brasileiro, pois todos nós lhe devemos algo; nas circunstâncias mais críticas este povo fez os maiores sacrifícios, que demonstram amor à pátria, para proteger sua unidade e poder real”. (apud KANN et. al., 2006, p. 417-8). Em 1824, foi criada a primeira Constituição do Império, que adotava o sistema de tripartição de poderes, além da criação de um quarto, o chamado poder moderador, que era exercido apenas por D. Pedro I. Na imagem acima, podemos ver o juramento de Dona Leopoldina Leopoldina à Constituição, na qual ela assina “Maria Leopoldina Imperatriz”.
9. MECHA DE CABELO?
No Salão Nobre do Museu Paulista da USP, mais conhecido como Museu do Ipiranga, costumava ficar em exposição uma mecha de cabelo que se dizia ter pertencido a Dona Leopoldina. Conservada numa peça de madeira com relicário de vidro, a mecha ficava ao lado de outras duas, que segundo a informação na etiqueta pertenceram à princesa Isabel e à imperatriz Dona Teresa Cristina. No séculos XVIII e XIX, era um costume muito comum entre a aristocracia dar fios de cabelo da pessoa querida como presente. Maria Antonieta, tia-avó de Dona Leopoldina, era famosa por distribuir anéis e cordões contendo mechas de seu cabelo para amigos e familiares. Essa prática, por sua vez, perdurou até o início do século XX. As chamadas “joias de afeto” eram guardadas como sinal de recordação de um ente que havia partido. A suposta mecha de cabelo de Leopoldina teria sido guardada pela marquesa de Aguiar, sua camareira-mor, que estava constantemente no Paço e foi testemunha dos últimos momentos de vida da soberana. Em todo caso, devido à incidência da luz, a cor atual dos fios passam uma ideia muito vaga da verdadeira tonalidade dos cabelos de Leopoldina. Isto é, caso consideremos a mecha como realmente sua. Afinal, confusões e erros de etiquetagem não são difíceis de acontecer em museus brasileiros.
10. BRINCOS
Esses brincos de ouro foram encontrados junto aos despojos da imperatriz Leopoldina, exumados em 2012 pela arqueóloga Valdirene do Carmo Ambiel. Embora simples, incrustados com pedras de âmbar, os brincos se constituem numa das poucas joias autênticas que pertenceram à soberana. No dia 11 de dezembro de 1826, o Diário Fluminense aparecia com a sua primeira página tarjada de preto. No editorial, uma notícia que todos temiam: “pela maior das desgraças se faz público que a enfermidade de S.M. a imperatriz resistiu a todas as diligências médicas, empregadas com todo o cuidado por todos os médicos da Imperial Câmara”. O embaixador Mareschal assim descreveu os últimos momentos de vida da monarca: “S.M. continuava a estar num estado convulsivo, o desânimo aumentando a cada momento e não lhe permitindo mais do que tons fracos de gemidos; a respiração extremamente curta, o pulso muito fraco depois de 24 horas”. Então, às 10 horas da manhã a morte pôs termo aos seus sofrimentos, “sem esforço, sem estertor, suas feições de modo algum eram alteradas e ela parecia ter adormecido pacificamente e na posição mais natural”.
Referências Bibliográficas
AMBIEL, Valdirene Do Carmo. Estudos de Arqueologia Forense Aplicados aos Remanescentes Humanos dos Primeiros Imperadores do Brasil Depositados no Monumento à Independência. 2013. 235 f. Dissertação (Mestrado em Arqueologia) – MAE, Universidade de São Paulo, São Paulo. 2013.
KANN, Bettina; LIMA, Patrícia Souza. D. Leopoldina: cartas de uma imperatriz. – São Paulo: Estação Liberdade, 2006.
OBERACKER Jr., Carlos H. A imperatriz Leopoldina, sua vida e época: ensaio de uma biografia. – Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1973.
REZZUTTI, Paulo. D. Leopoldina: a história não contada: a mulher que arquitetou a independência do Brasil. Rio de Janeiro: LeYa, 2017.
Renato, teu texto me trouxe uma confortadora sensação de proximidade com a imperatriz Leopoldina.
Lamento, porém, o fato de a presença física de uma pessoa tão importante para nossa história estar praticamente apagada no país em que viveu e que adotou como seu. Era tristíssimo estar no Museu da Quinta e ver que nada se conservava dela, como é triste perceber que a maior parte do que você incluiu não está no Brasil e que há tantos artigos “suspeitos” de terem pertencido a ela, mas sem confirmação.
Dito isso, agradeço tua contribuição para com a perpetuação da memória de Leopoldina!
CurtirCurtir
Amo dona Leopoldina. Já visitei o museu do Ipiranga onde vivi a história. É emocionante!
CurtirCurtir
Lendo e vendo as relíquias da Imperatriz Leopoldina, hoje, século XXI, homenageio, essa mulher, forte e guerreira, que tanto fez pela nossa pátria brasileira. Que Deus a tenha na Sua glória!
CurtirCurtir
Pela educação recebida ,SM Imperial tinha conhecimentos suficientes para prever o futuro político do nosso País.
Toda Honra e toda Glória a SM Imperial Maria Leopoldina De Bragança.
CurtirCurtir