O cadáver da rainha: o destino do corpo de Mary Stuart após sua violenta morte!

Por: Renato Drummond Tapioca Neto

Em 8 de fevereiro de 1587, a cabeça de Mary Stuart rolava distante do seu corpo, no patíbulo erguido no castelo de Fotheringhay. Condenada pelo Parlamento Inglês por crimes de traição à Coroa e por tentativa de assassinato contra a monarca reinante, sua sentença de morte havia sido assinada pela mão da própria prima, Elizabeth I. Agora, os despojos de uma rainha ungida por Deus jaziam inertes no cenário de sua execução. “Que assim pereçam os inimigos de Sua Majestade”, bradou o carrasco, enquanto tentava erguer a cabeça da vítima, que logo caiu de suas mãos, ficando-lhe entre os dedos fechados apenas uma peruca de cachos acobreados. Sem dúvidas, um desfecho grotesco para uma mulher que em vida fora soberana da Escócia, rainha consorte da França e possuía uma forte reivindicação ao trono inglês. Após a performance do último ato da tragédia de Mary Stuart, o corpo e a cabeça da morta foram envoltos numa mortalha e em seguida sepultados na Catedral de Peterborough (local onde também jazia o corpo de Catarina de Aragão, primeira esposa de Henrique VIII).

A Execução de Mary Stuart, no castelo de Fotheringahey , em 1587 (por autor desconhecido).

Tendo se recusado a ouvir o serviço religioso regido pelos lábios de um prelado da Igreja da Inglaterra, Mary perdoou o carrasco e ainda lhe agradeceu por livrá-la de todos os seus sofrimentos. Em seguida, proferiu a frase “Em tuas mãos, ó Senhor, entrego a minha alma”. Seus olhos foram então vendados e ela se ajoelhou diante do cepo. Ao todo, foram necessários nada menos que três golpes para seccionar a cabeça de Mary (dizem que após o primeiro ela ainda estava viva!). Uma gravura contemporânea, feita por artista desconhecido, registra o momento em que o carrasco se prepara para desferir a primeira machadada. O corpo da vítima permanece inclinado sobre o tronco com os braços afastados, em cujas mãos se nota um crucifixo. Conforme podemos observar, um tecido escuro foi usado para cobrir o cadafalso, de forma a que o sangue de Mary não deixasse manchas sobre o piso. Do lado de fora do castelo, uma fogueira reduz a cinzas os objetos de uso pessoal da monarca, impedindo assim que seus seguidores fizessem relicários de tais utensílios. Uma vez decapitada, as testemunhas notaram um estranho movimento por baixo das saias da morta: era seu cachorrinho de estimação, que acompanhou sua dona até o patíbulo.

Túmulo original de Mary Stuart, na Catedral de Peterborough.

Com feito, a Catedral de Peterborough ficava a apenas poucos metros de distância de Fotheringhay, sendo, portanto, o local mais viável para um rápido sepultamento. Antes de morrer, Mary havia expressado o desejo de que seus restos mortais fossem transportados para a França, onde ela passara os dias mais felizes de sua vida. Contrariando sua última vontade, a Coroa Inglesa não achou uma boa ideia transportar o cadáver da rainha da Escócia através do Canal da Mancha. Como seus últimos 19 anos foram passados em um cativeiro na Inglaterra, sempre migrando de castelo em castelo, seria naquele reino que seus remanescentes humanos encontrariam morada eterna. Num último ato de desrespeito para com a falecida, ela recebeu um funeral regido de acordo com os dogmas da Igreja Anglicana, embora Mary fosse uma mulher católica e fizesse um alto e claro pronunciamento antes curvar seu pescoço diante do cepo de que vertia seu sangue pela religião apostólica romana. Porém, seu corpo não permaneceu por muito tempo no túmulo original. Dezesseis anos depois, em 1603, a rainha Elizabeth I faleceu sem herdeiros diretos de seu corpo, passando então o trono para o filho de Mary, James VI da Escócia, que a partir de então se tornou também James I da Inglaterra.

Máscara mortuária de Mary Stuart em Jedburgh, moldada a partir do rosto sem vida da rainha.

Embora o novo monarca tivesse sido criado como um protestante e forçado a renunciar publicamente sua devoção à própria mãe após a execução dela, James guardou um profundo sentimento de pesar por sua morte e providenciou para que seus despojos recebessem o devido respeito. O rei então ordenou que o cadáver de Mary fosse retirado de seu local de descanso na Catedral de Peterborough e exumado. Em seguida, ele comissionou a construção de um magnífico monumento tumular na Abadia de Westminster (local de sepultamento dos reis da Inglaterra), em memória da falecida soberana da Escócia. Uma efígie de mármore foi esculpida em cima da tampa do sarcófago, feita com base num molde de cera da face da própria rainha (tirado a partir de seu rosto sem vida, em 1587). A estátua apresenta Mary ricamente paramentada, com a cabeça repousando em travesseiros e as mãos unidas numa oração. Optando por sepultá-la na capela oposta à qual se encontrava o túmulo de Elizabeth I, James procurava passar uma mensagem nítida aos olhos de quem quisesse enxergar: o corpo cuja descendência garantiria o futuro da monarquia britânica seria o de sua mãe, e não o de sua predecessora no trono inglês, que dividia o mesmo túmulo com a irmã, Maria I Tudor (também falecida sem filhos, em 1558).

Efígie tumular de Mary Stuart, na Abadia de Westminster.

Para quem não sabe, mãe e filho foram forçados a se separar quando James tinha apenas 10 meses de vida. Depois disso, nunca mais se encontraram. Destronada por uma conspiração de lordes escoceses, Mary fugiu de seu reino para a Inglaterra e nunca mais conseguiu regressar. Seu contato com o filho era mantido apenas através de cartas. Na qualidade de monarca reinante, James procurou fazer por sua progenitora aquilo que não lhe fora possível quando ela ainda respirava. O que poucos sabem, no entanto, é que em 1867, durante a Era Vitoriana, o túmulo de Mary na Abadia foi secretamente aberto, numa tentativa de localizar o paradeiro do caixão de seu filho. Acreditava-se naquela época que o rei havia secretamente ordenado que o local de seu repouso eterno fosse ao lado da mulher de quem fora apartado quando ainda era um bebê. Porém, seu ataúde acabou sendo descoberto na cripta abaixo do monumento tumular do rei Henrique VII (fundador da Dinastia Tudor e bisavô de Mary), e de sua esposa, a rainha Isabel de York. Embora seu filho não tenha sido enterrado com ela, outros descendentes Mary, incluindo sua neta, Isabel da Boêmia, o príncipe Rupert do Reno e os filhos infantes da rainha Anne da Grã-Bretanha foram sepultados consigo, numa clara alusão de que era através da linhagem de Mary Stuart de onde emanava o direito dos atuais monarcas britânicos para reinar.

Fonte: Cambridge News – Acesso em 06 de julho de 2022.

Bibliografia Consultada:

DUNN, Jane. Elizabeth e Mary: primas, rivais, rainhas. Tradução de Alda Porto. – Rio de Janeiro: Rocco, 2004.

FRASER, Antonia. Mary Queen of Scots. – New York: Delta, 2001.

Um comentário sobre “O cadáver da rainha: o destino do corpo de Mary Stuart após sua violenta morte!

  1. Gosto de ouvir sobre a familia real das primas rivais. E uma reflexão de dor do jeito mary stuart se foi de uma morte cruel no entanto eram as leis para aqueles que traia a coroa atravez da conspiração.

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