Por: Renato Drummond Tapioca Neto
Durante séculos, Londres foi e continua sendo um dos maiores centros urbanos da Europa. Atualmente, a cidade possui como característica singular a manutenção de seu patrimônio arquitetônico convivendo lado a lado com prédios concebidos pela engenharia moderna. Porém, muitas das suas mais antigas construções pereceram em um Grande Incêndio, ocorrido num domingo, dia 2 de setembro de 1666. Vivia-se naquela época o período da Restauração Stuart, com o rei Charles II no trono. A cidade era, portanto, o polo de onde irradiava o poder para os outros domínios da Coroa, como Irlanda, Escócia e País de Gales, mais tarde transformados em Reino Unido através do Ato de 1707. Até o século XVII, a capital do reino da Inglaterra havia aumentado seu contingente populacional de forma exponencial. Seus habitantes, que em 1100 d.C. somavam 18.000 almas, subiu para 100.000 só no século XIV. No final do reinado da primeira rainha Elizabeth, esse número tinha mais que dobrado, chegando a 225.000. Estima-se que, por volta do ano do Grande Incêndio, 300.000 habitantes viviam na cidade. Uma animação em 3D, criada em 2013 por seis estudantes da Montfort University, reconstrói como teria sido a urbe antes que parte considerável dela fosse consumida pelas chamas.
O inchaço populacional que convergiu para Londres, principalmente após o cercamento dos campos pela gentry (nobreza rural inglesa), já era uma preocupação enorme para o Parlamento durante a última década do governo da dinastia Tudor. Mandar pessoas indesejáveis para as colônias recém-conquistadas na América, como prostitutas, bêbados, ladrões e sem-teto, se tornou então uma saída viável para a Coroa. A presente animação reconstrói a cidade como ela era apenas algumas décadas antes da Primeira Revolução Industrial, quando então a Inglaterra despontou como a maior potência econômica do mundo. O trabalho se concentrou principalmente numa das áreas mais atingidas pelo incêndio de 1666, conhecida como Pudding Lane, de onde se acredita que as chamas começaram a arder, engolfando rapidamente as construções de madeira e palha das áreas vizinhas. Devido à qualidade da recriação produzida pela equipe da Montfort University, eles receberam o primeiro lugar no concurso “Off the Map”, organizado pela Biblioteca Britânica e pelos desenvolvedores de videogames GameCity e Crytek. De acordo com a informação no blog da equipe:
Nossa Londres teve muito amor (e doença) derramada nela e, embora adorássemos que todos passeassem por suas ruas insalubres, ela foi criada principalmente como uma visualização precisa e imersiva, em vez de uma experiência de jogo durável.

“O Grande Incêndio de Londres”, tela de Josepha Jane Battlehooke, pintada em 1675.
O Grande Incêndio de Londres foi um dos eventos mais destrutivos de que a história da cidade tem registro. Cerca de 60% do perímetro urbano foi consumido pelas chamas, incluindo 13.000 residências, 87 igrejas paroquiais, 44 salões de empresas de libré, a Catedral de St. Paul e até mesmo o Royal Exchange. Felizmente, o número de vidas perdidas não foi tão grande quanto a destruição causada nos edifícios. O número de vítimas varia de 16 para 50 pessoas em algumas contagens. Uma quantidade relativamente pequena, se comparada à epidemia de peste que ocorrera apenas um ano antes e deixara um rastro de 50 a 60 mil mortos só em Londres, o que representava já naquela época 1/5 da população da cidade. Mesmo depois do Grande Incêndio, o nível de insalubridade ainda era muito grande, especialmente nos bairros mais periféricos, onde o saneamento era escasso e a população sobrevivia em péssimas condições. Essa situação se acentuou principalmente depois da Revolução Industrial, com a instalação de fábricas nas proximidades das casas dos trabalhadores e dos operários. Conforme nos conta a ESRI (organização por trás do software de sistema de informações geográficas):
No domingo, 2 de setembro de 1666, o Grande Incêndio de Londres começou a reduzir a maior parte da capital a cinzas. Entre a devastação e as perdas estavam muitos mapas da própria cidade. […] O Mapa Morgan de 1682 foi o primeiro a mostrar toda a cidade de Londres após o incêndio. Produzido por William Morgan e sua equipe dedicada de agrimensores e cartógrafos, levou 6 anos para ser concluído e exibe uma perspectiva mais brilhante sobre a vida da cidade para uma população que ainda estava de luto por seus entes queridos, posses e casas. […] Mas quanto dessa visão simbólica de uma cidade idealizada permanece hoje? O que há agora nos campos verdejantes ao sul do rio Tâmisa? E como as margens do rio foram devoradas pelo apetite insaciável do desenvolvimento urbano? Mova a luneta para descobrir e lembre-se de aumentar o zoom para interrogar totalmente os detalhes mais sutis!

O Mapa Morgan, de 1682.
Após a chamas terem sido controladas, foi preciso reunir uma grande equipe de cartógrafos, paisagistas e arquitetos para reconstruir o que havia sido dizimado pelo fogo. Só após incontáveis danos causados à população foi que a Coroa e o Parlamento se preocuparam em elaborar um plano para reerguer a cidade, substituindo materiais perecíveis como madeira e palha nos edifícios por pedras e tijolos. Essa incrível “mudança” nos foi apresentada pela ESRI, por meio de sua fascinante Máquina do Tempo. O mapa interativo mostra um cenário dinâmico, com um escopo visual comparativo que apresenta tanto a Londres da era pós-Grande Incêndio (por volta de 1682 d.C., com base no Mapa Morgan), quanto a Londres do século XXI.
Bibliografia Consultada:
HOBSBAWM, Eric. A Era das Revoluções, 1789-1848. Tradução de Maria Tereza Teixeira e Marcos Penchel. 32ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013.
Site: Realm of History – Acesso em 04 de julho de 2022