A face por trás da pintura: historiadora reconstrói o rosto de quatro soberanas do passado!

Por: Renato Drummond Tapioca Neto

Ao olharmos para um retrato pintado de uma pessoa que viveu muito antes da invenção da máquina fotográfica, geralmente nos perguntamos se o modelo na tela realmente se parecia com o retratado em vida. Na medida em que uma obra de arte dessa natureza tinha por função melhorar as qualidades físicas do retratado e suavizar os possíveis “defeitos” de seu rosto, nota-se como um artista também era capaz de produzir um simulacro de realidade com tinta e pincel. Basta conferirmos, por exemplo, os vários retratos póstumos de Ana Bolena, segunda esposa de Henrique VIII, para constatar como suas características faciais variaram de acordo com o olhar do autor da obra e da época em que ela foi produzida. No século XVII, o famoso Gian Lorenzo Bernini observou que “o segredo nos retratos é aumentar a beleza e emprestar grandiosidade, diminuir o que é feio ou mesquinho, ou até suprimi-lo, quando é possível fazê-lo sem incorrer em servilismo” (apud BURKE, 2009, p. 36). Com a invenção da fotografia, o processo de produção de retratos pintados ficou mais dinâmico e o modelo já não precisava mais ficar horas e horas posando em frente ao artista até que este fosse capaz de captar seus traços físicos. Hoje em dia, o uso de softwares e editor de imagens é capaz de dar vida novamente à face de indivíduos que viveram há muito tempo.

Com a ajuda desses recursos, aliado à pesquisa com documentação, a historiadora Camila Maréga foi capaz de reconstruir os rostos de quatro soberanas famosas: Inês de Castro, Isabel de Castela, Catarina de Aragão e Ana Bolena. Licenciada em História pela PUC-SP, Camila mantém há 10 anos o site e a página no Facebook “Tudor Brasil“, voltada para a dinastia mais poderosa de reis e rainhas que governou a Inglaterra, entre outros períodos da história. Não obstante, ela também já fez aparições na TV, falando sobre a perseguição às bruxas de Salem, participou da cobertura do funeral do príncipe Philip e foi comentarista no desfile do Trooping the Colour, que marcou o Jubileu de Platina da rainha Elizabeth II. Seus interesses também se estendem aos estudos de gênero e sexualidades, em períodos como o da Idade Média, o Renascimento Cultural e a Belle Époque. Camila mantém pesquisas interessantíssimas sobre Maria Antonieta, a imperatriz Elisabeth da Áustria e as divas que marcaram a Idade de Ouro do Cinema, como Marilyn Monroe. Debruçando-se em imagens contemporâneas das monarcas apresentadas nessa matéria, a historiadora desenvolveu versões realistas de como elas talvez se parecessem em vida. O resultado ficou bastante surpreendente e fidedigno ao que se sabe acerca da aparência dessas rainhas.

INÊS DE CASTRO (1320? – 1355)

Reconstrução facial de como seria o rosto de Dona Inês de Castro, feita com base na efígie sobre o túmulo da rainha póstuma de Portugal, localizado no Mosteiro de Alcobaça. Assassinada em 7 de janeiro de 1356, infelizmente sobreviveu qualquer retrato contemporâneo de Dona Inês, exceto algumas descrições muito vagas sobre sua aparência. Sua efígie tumular, esculpida alguns anos depois de sua morte, é a melhor evidência de que dispomos acerca de seu aspecto físico. Quando ela passou a integrar o séquito de Dona Constança Manuel, Inês chamou a atenção da corte por sua “estremada graça, gentileza e disposição”, razões pelas quais ficou conhecida como “collo de Garça”. Alguns fios de cabelo extraídos de seu sarcófago também comprovam que ela possuía uma cabeleira loira. Sendo assim, o conjunto dessas fontes permitiu a Camila Maréga fazer uma interpretação artística de como teria sido o rosto de Dona Inês em vida. Note-se que até mesmo as linhas de expressão na efígie foram reproduzidas na reconstrução, para das mais realidades à face da rainha.

ISABEL DE CASTELA (1451 – 1504)

Para essa arte, Camila se baseou principalmente na efígie tumular da soberana castelhana, localizada na Capela Real de Granada, para criar um simulacro de como Isabel se pareceria na época da conquista do último reduto mouro na Península Ibérica, em 1492, quando ela tinha 41 anos. Além da estátua jacente da monarca, foram levados em consideração seus retratos contemporâneos e póstumos, para recuperar certos traços físicos, como tom da pele, cor dos olhos e dos cabelos.

CATARINA DE ARAGÃO (1485 – 1536)

Para este trabalho, Camila se baseou principalmente nos retratos da infanta espanhola que se tornou rainha da Inglaterra pintados por Michel Sittow e por Lucas Horenbout (principal miniaturista da corte henriquina). A arte resgata a aparência de Catarina na época em que ela chegou na Inglaterra, para se casar com Arthur, príncipe de Gales, em 1501. Com seus cabelos acobreados, olhos azuis, maçãs rosadas e rosto redondo, a jovem princesa chamou a atenção da comitiva que a recepcionou em seu novo lar por sua beleza natural, causando excelente impressão no rei Henrique VII e em seu marido. O resultado da obra feita pela Camila aponta também para uma singular semelhança entre Catarina e sua mãe, a rainha Isabel, o que nos leva a supor que a filha mais jovem dos reis católicos puxou muito mais os traços físicos dos Trastâmara de Castela e Leão, do que dos Trastâmara de Aragão.

ANA BOLENA (1501? – 1536)

Para esse trabalho, Camila se baseou principalmente nos retratos póstumos mais conhecidos da segunda esposa de Henrique VIII, provavelmente pintados com base em um original perdido do século XVI, notadamente os que se encontram em exposição no castelo de Hever (lar ancestral da família Bolena) e na National Portrait Gallery de Londres. Além dessas fontes, foram levadas em consideração outras duas imagens contemporâneas da soberana feitas em 1534: uma moeda que traz seu lema, “The Moost Happy”, e uma ilustração que consta no “Black Book of the Garter”, em que Ana possivelmente aparece caracterizada como a rainha Philippa de Hainault. Em todas essas quatro representações, podemos observar uma mulher de rosto oval, testa alta, maçãs salientes, olhos proeminentes e um nariz levemente aquilino.
Com efeito, para dar mais veracidade ao seu trabalho, a autora procurou descrições contemporâneas da aparência de Ana. Segundo Sanuto, diplomata veneziano que esteve na corte inglesa durante aquele período: “A Senhora Ana não é uma das mulheres mais bonitas do mundo, tem estatura média, compleição escura, pescoço comprido, boca larga, um peito não muito saliente e olhos que são negros e lindos” (apud LOADES, 2010, p. 129). Alguns desses detalhes, entretanto, não são tão evidentes nos retratos póstumos da mãe da rainha Elizabeth I, especialmente seu tom de pele moreno claro, cabelos escuros e os lábios largos (características herdadas de sua avó irlandesa), que foram suavizados nas telas para deixá-la com uma aparência mais anglo-saxã. Assim sendo, o resultado da presente arte ficou muito convincente e nos dá uma vislumbre de como Ana Bolena talvez se parecesse em seu tempo de vida.

Bibliografia Consultada:

BURKE, Peter. A fabricação do rei: a construção da imagem pública de Luís XIV. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. 2ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.

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