Por: Renato Drummond Tapioca Neto
Veludo, seda, ouro, diamantes, pérolas, laços e luvas. O vestuário na história do ocidente representou algo muito além do fútil e do frívolo. Era também uma forma de afirmação de poder e privilégios sociais. Nas antigas monarquias absolutistas, porém, estes itens exerciam uma tarefa ainda mais importante: representar a figura do rei como um astro reluzente em meio ao pavilhão da corte, um ser quase divino. Basta olharmos, por exemplo, os retratos de Luís XIV da França para termos uma ideia da relevância que a indumentária exercia na composição simbólica daquelas telas. Era por isso também que Maria Antonieta gastava tanto com seu guarda-roupas. Na impossibilidade de conferenciar com ministros e diplomatas, a rainha procurava passar uma mensagem política por meio das vestes e adereços que escolhia. É certo que a Revolução Francesa ajudou a sepultar esse mundo de extravagâncias e representações. Mas, em outras partes do continente europeu, o fascínio pelo luxo e a ostentação ainda demorou a desaparecer, especialmente na Rússia, onde os czares governaram despoticamente até o início do século XX, quando outro processo revolucionário pôs fim aos privilégios da realeza.

Vestido de gala da Imperatriz Alexandra Feodorovna, exposto no Museu Hermitage (oficina O. Bulbenkovoy. St. Petersburg, final do século XIX – início do século XX).

Vestido de corte que pertenceu a Alexandra Feodorovna, última imperatriz da Rússia, utilizado por ela em fotografias e eventos oficiais da Coroa.

Vestido usado por Alexandra Feodorovna no seu casamento com o czar Nicolau II da Rússia, em 26 de novembro de 1894.
Alexandra Feodorovna (nascida Alice de Hesse), última czarina da Rússia, também utilizou o poder da moda para afirmar seu status em fotografias e retratos oficiais. Apesar de a maioria dos historiadores e biógrafos a apresentarem como uma mulher tímida e entristecida (algo que pode facilmente ser detectado no seu olhar melancólico em fotos), a esposa de Nicolau II aparecia ricamente paramentada nos bailes promovidos pela Coroa, traduzindo por meio de suas vestes a opulência que o czarismo procurava ostentar dentro de uma fase de crise política e econômica, que acabou por custar o trono aos Romanov. No seio de sua família e na companhia dos amigos, porém, Alexandra se mostrava mais simples, quase desajeitada. Nos muitos registros de imagens feitas da intimidade da czarina, ela poderia ser facilmente confundida com uma burguesa. Até parece que ela se sentia mais confortável num simples vestido de tafetá, do que em um com brocado de ouro. Com o passar dos anos, as constantes ausências da imperatriz nos cerimonias da corte, aliado à sua insistência em preservar a privacidade de seus filhos, tornam-na uma figura bastante apática perante os olhos da população, acostumada ainda com a extravagância das antigas czarinas.

Esse era um dos vestido favoritos da czarina Alexandra Feodorovna da Rússia. Ela foi retrata usando a peça pelo pintor Nikolai Kornilievich Bodarevsky (esquerda), em 1907.

Nicolau e Alexnadra, como czar Alexei Mikhailovich e czarina Maria Ilinichna, no baile a fantasia oferecido pela família imperial russa, em 1903. Ao lado, o vestido usado por Alix.

Trajes de gala que pertenceram ao Czar Nicolau II da Rússia, sua esposa, Alexandra, filhas, Olga, Tatiana, Maria e Anastásia, e ao seu filho, Alexei.
Se a moda foi um meio pelo qual Alexandra Feodorovna traduzia o poder da Coroa nas primeiras décadas do reinado de Nicolau II, seu desapego aos paramentos nos últimos anos de sua vida contribuíram para minar a imagem sagrada que pedras e metais preciosos pareciam emprestar à imagem dos czares. Com a Revolução de 1917 e o confisco dos bens e propriedades da família imperial, quase todas as peças de roupa de Alexandra foram pilhadas e vendidas pelo governo. Mas, diferentemente do que aconteceu com Maria Antonieta na Revolução Francesa, que teve seu guarda-roupas no palácio das Tulheiras completamente destruído pela população de Paris, os ricos trajes de corte da última czarina sobreviveram aos montes e hoje se encontram em exposição em muitos museus e galerias da Europa e do mundo, principalmente no Kremlin e no Hermitage. O estudo dessas peças de vestuário, por sua vez, apresentam um valoroso testemunho da influência que a indumentária exercia nas representações de poder dos antigos monarcas, especificamente no que se refere às imperatrizes da autocracia russa!

Vestido de gala noturno, usado pela czarina Alexandra Feodorovna (final do século XIX).

Um dos vestidos formais para a noite, usados pela imperatriz entre 1900 e 1901.

Um dos vestidos reservados para o uso diurno da soberana.

Vestido que Alexandra costuma usar em chás e almoços, entre 1901 e 1903.
Enquanto o guarda-roupas de Maria Antonieta ocupava três cômodos do palácio de Versalhes, o da czarina Alexandra costumava ficar localizado no segundo andar do palácio de Inverno, no mezanino acima do quarto das empregadas. A responsável pelo cuidado e armazenamento dos trajes e joias da soberana era Magdalene Zanotti, que veio Hesse para a Rússia em 1896, a convide dela. Todas as roupas da imperatriz, com seus respectivos detalhes, eram catalogadas em livros encadernados em couro, bastante similar ao que Antonieta fazia com sua própria coleção de vestidos. As peças eram geralmente separadas por cores, estilos e ocasiões em que deveriam ser utilizadas. Durante a manhã, por exemplo, Alexandra dava preferência a roupas mais leves e casuais, enquanto separava os trajes mais formais para o almoço e o chá. Em jantares e recepções formais, porém, ela usava conjuntos mais caros, ricamente adornados com pérolas e pedrarias. Logo após esses compromissos, a imperatriz se retirava para os seus aposentos privados, onde um roupão já estava preparado sob a cama arrumada, esperando para ser utilizado durante o sono.

Alexandra dava preferência às roupas criadas pelos irmãos Albert Brisach, Redfern, Olga Bulbenkova e Nadezhda Lamanova, que costuravam seus vestidos de bailes e recepções.

Seu guarda-roupas era dominado por roupas em tons pastel, azuis, rosa e trajes leves da época da Art Nouveau.

Alexandra pré-selecionava suas roupas de acordo com suas preferências e com os eventos nos quais iria utiliza-las.
Com efeito, esperava-se que as criadas do quarto de dormir e do closet preparassem tudo para o uso da soberana na hora certa e da forma mais silenciosa possível, de modo que Alexandra quase não notasse a presença destas nos seus aposentos. Para manter as roupas da imperatriz, os criados tinham à disposição um equipamento bastante atualizado para a época. As peças eram limpas nas lavanderias do palácio Anichkov em São Petersburgo e depois embaladas em cestos e malas especiais para envio. Ferros elétricos eram passados sob o tecido e assim as peças eram guardadas em grandes armários de carvalho, para protege-las da ação do clima e de insetos. Tudo era necessário para garantir que a esposa de Nicolau II tivesse sempre a melhor aparência. Em 1917, quando os sovietes invadiram o palácio de Inverno, constataram que os vestidos da soberana estavam em perfeita ordem, pendurados em cabides nos armários. Uma foto feita na ocasião demonstra a pilhagem das roupas de Alexandra. Muitas delas foram tiradas do seu local de armazenamento e jogadas no chão e na mesa, de forma aleatória. Assim como a maioria das joias do Romanov, os vestidos da czarina foram vendidos. Os que puderam ser localizados, estão atualmente em exposição.

Vestido e manto usados pela czarina Alexandra Feodorovna da Rússia no dia de sua coroação, em 14 de maio de 1896.

Fotografia tirada em novembro de 1917, mostrando a pilhagem do guarda-roupas da imperatriz, no palácio de Inverno!
Referências Bibliográficas:
BURKE, Peter. A fabricação do rei: a construção da imagem pública de Luís XIV. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. 2ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.
KING, Greg. La última emperatriz de Rusia: vida y época de Alejandra Feodorovna. Tradução de Aníbal Leal. Buenos Aires, Argentina: Javier Vergara Editor, 1995.
MASSIE, Robert. K. Nicolau e Alexandra: o relato clássico da queda da dinastia Romanov. Tradução de Angela Lobo de Andrade. Rio de Janeiro: Rocco, 2014.
WEBER, Caroline. Rainha da Moda: como Maria Antonieta se vestiu para a Revolução. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
Ata coisa pra um casório
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Perfeito,amei. Principalmente pela conservação dos trajes . Muito bom.
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Amo demais essas histórias das realezas das antigas e as atuais também! A minha amada mãe tem o nome de Maria Antonieta! Q privilégio ter um nome de rainha 😍😍
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