A Depravada Corte do Rei Francisco – Parte I

Por: Renato Drummond Tapioca Neto

Introdução:

Entre todos os países de destaque na Europa, França é conhecida por sua elegância e requinte, por ditar a moda e definir padrões de comportamento perante seus vizinhos. O período contemporâneo da história ocidental foi de fundamental importância para que esta imagem de beleza se cristalizasse na mente das pessoas, que vêm na capital daquele Estado um arauto de graça, transfigurada em objeto de desejo e consumo. Paris sempre foi um dos grandes centros do globo, sendo inclusive um retiro para diversos artistas conhecidos, por muito ansiosos de receberem ali maior prestígio e glória. Todavia, por trás de tanto glamour e status, uma característica contrastante mantinha terreno fixo no palco da corte francesa, especificamente durante a Idade Moderna: o comportamento lascivo dos nobres. Soberanos como Henrique IV e os vários Louis que se sucederam (XIII, XIV e XV), tornaram-se famosos através de maneiras coquetes e atitudes que feriam a moral cristã da época. Contudo, uma figura em particular se eleva tanto quanto seus posteriores, ou até mais, dado o fato de que foi um importante predecessor dessa conduta aparentemente amoral de viver: O rei Francisco I de Valois (1494 – 1547).

Parte I – A ascensão de um príncipe renascentista

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Francisco I, rei da França

Em princípios do século XVI, França já havia se consolidado como a mais proeminente corte do cenário Europeu. Era um verdadeiro centro em que pintores, intelectuais e filósofos sempre recorriam, muitas vezes para fugir da perseguição de estados mais conservadores (a exemplo da Espanha, que desde antes da unificação dos reinos de Castela e Aragão, era uma inimiga tradicional de seu vizinho no leste). Localizado em uma posição estratégica no continente, o Estado francês rivalizava com quase todos os países aos quais fazia fronteira, estendendo-se para além do canal da mancha, com a Inglaterra. Essa impopularidade política refletia as medidas tomadas pelos soberanos daquela nação, vistas sob um caráter que não estimulava confiança em possíveis alianças (principalmente os reis da então dinastia dos Valois – fundada em 1328).

Ainda no século XV, o país havia sido vitimado por um escândalo, quando o rei Luís XII requisitou do papa Alexandre VI uma dispensa para separar-se de sua esposa, Joana de Valois, com a qual não tinha filho, e se casar com Ana da Bretanha para garantir a sucessão ao trono. Do segundo matrimônio, apenas duas filhas sobreviveram à infância: Renata e Cláudia (esta última se casaria com Francisco, conde de Angoulême, o próximo na linha sucessória caso o rei não tivesse um filho varão). Infelizmente, a sorte parecia não estar do lado do velho Luís, pois nem mesmo um terceiro casamento, com a princesa inglesa Maria Tudor (1514), pode realizar os sonhos do monarca de obter um herdeiro homem. Pouco depois, no dia primeiro de janeiro de 1515, a morte já levava consigo este grande estadista, que finalmente deixava a coroa livre para o marido de sua filha mais velha, que emergia como Francisco I. Porém, o direito ao trono “do meu filho, o meu César” de Louise de Sabóia e Carlos D’Angouleme provinha de um parentesco consanguíneo próximo com o rei morto e por isso ele não assumia a máquina do Governo como um consorte real (pela lei sálica, nenhuma mulher poderia comandar a França, por isso Cláudia não herdou o trono).

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Possível retrato de Claudia de Valois, rainha da França, por Corneille de Lyon (1514)

Em sua infância, o pequeno Francisco fora mimado por seus pais e já educado para tornar-se o próximo rei. Depois da morte de seu pai em 1496, ainda na tenra idade herdou diversas posses e títulos nobiliárquicos. Com o passar dos anos, desenvolveu um extremado gosto pelo luxo e requinte, pela arte e arquitetura, constantemente buscando elementos excêntricos para construir sua aparência cada vez mais régia e sedutora. Quando de sua subida ao comando, os franceses podiam se orgulhar de ter como governante um homem de boa aparência e altura excepcional (cerca de 1,90m), que, apesar de obter um longo nariz desvalorizado pela estética do período, trazia consigo a promessa de uma longa fila de sucessores ao trono – o primeiro filho com a rainha Cláudia, uma menina, nasceu em 1515. Depois se seguiriam mais sete, e um bastardo. Tanta força de energia não apenas era manifesta no leito conjugal, mas em esportes, onde exibia seus atributos físicos e virilidade, como as caçadas.

Francisco tomou várias medidas para centralizar o poder em suas mãos e limitar a independência do clero e da nobreza (data de seu reinado a fórmula dos éditos reais, que expressavam a famosa frase “car tel est notre bon plaisir“, algo como, “por ser esta a minha vontade”). Também foi um dos mais notáveis mecenas de seu tempo, trazendo para a corte muitos artistas renomados, com a missão de embelezar as residências reais. Para Jane Dunn,

“… Isso ele [Francisco] expressou em termos ativos e aquisitivos, colecionando obras-primas para seus palácios monárquicos, em especial Fontainebleau. Excelência em tudo era a marca de um extrovertido rei de Renascimento…” (DUNN, Jane, 2004, pags. 120-121).

Tal como ele, seus contemporâneos e rivais no jogo de ambições políticas, Henrique VIII da Inglaterra e Carlos V do Sacro Império, foram importantes patronos das artes, mas não com a mesma voracidade e ousadia do rei francês. Entre seus principais alvos estavam pintores italianos como Rafael e escultores como Benvenuto Cellini, que no ano de 1544 esculpiu sua Ninfa de Fontainebleau. Todavia, a maior aquisição feita por Francisco foi à de Leonardo Da Vinci, que chegou a Amboise (território francês) ainda nos primeiros anos de reinado deste célebre monarca, trazendo consigo sua preciosa La Gioconda (Mona Lisa), A Virgem com Santa Ana e São João Batista.

Francisco no leito de morte de Leonardo da Vinci

Tanta pompa e sagacidade seriam exibidas aos tradicionais inimigos da França, os ingleses, no ano de 1520, quando os dois soberanos Henrique VIII e Francisco I conferenciaram no Campo do Manto de Ouro, em Guines, onde torneios e festas regadas a muita bebedeira foram realizadas. O objetivo era selar um tratado de paz entre os reis, ambos orgulhosos de sua vaidade. Mas como era de praxe em alianças como essa, logo o acordo seria rompido e outros viriam atrás, cada um trazendo mais vantagem a seus organizadores. Entretanto, por baixo dos panos, as aparências encobriam a conduta de ambos os reis, que hoje seriam reconhecidos como adúlteros, mas que àquela época tinha um direito que não precisava estar escrito para se saber que era válido: o de ter uma concubina. No caso do senhor Francês, não apenas uma, mas tantas outras, que muito além de satisfazer seus desejos carnais, assumiam forte influência política ao seu lado. Mais do que isso, as amantes eram por excelência as fontes dos prazeres daquele pecaminoso universo.

Referências Bibliográficas:

DUNN, Jane. A Educação dos Príncipes. In: Elizabeth e Mary: primas, rivais, rainhas. Tradução de Alda Porto – Rio de Janeiro: Rocco, 2004. Pags. 103 – 140.

DWYER, Frank. Alianças e Traições. In: Os Grandes Líderes: Henrique VIII. Tradução de Edi G. de Oliveira – São Paulo: Nova Cultural, 1988. Pags. 27 – 39.

ERIKSON, Carolly. La Hermosa Libertad de Francia. In: Ana Bolena: Un Amor Decapitado. Tradução de León Mirlas – Buenos Aires, Argentina: Atlántida, 1986. Pags. 21 – 34.

1.1 Sites:

INTERNET. Os Dois Retratos de Francisco I de França. – Acesso em 28 de março de 2012.

INTERNET. Francis I (1494 – 1547). – Acesso em 28 de março de 2012.

3 comentários sobre “A Depravada Corte do Rei Francisco – Parte I

  1. Atenção a Margarida de Navarra, irmã de Francisco I e avó de Henrique IV. Mulher cultíssima do renascimento francês, religiosamente tolerante, é uma princesa a merecer uma biografia!

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  2. A reunião de Guines foi estragada pela ideia de Henrique VIII de desafiar Francisco I para uma «amigável» luta greco-romana. Henrique perdeu e ficou furioso. E Francisco I tinha sentido de humor: chamava ao rei português Manuel, senhor do comércio de especiarias, «mon cousin l’epicier» ou «o meu primo merceeiro».

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  3. Parabéns , muito bom. é bem raro encontrar sites assim , estou contente de encontrar esse. E as referencias bibliográficas pra um melhor apanhado , ótimo.

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