De Maria Antonieta à imperatriz Eugénia: exposição celebra 100 anos de moda francesa!

Por: Renato Drummond Tapioca Neto

Por séculos, a França foi o epicentro do mundo da moda, especialmente durante a fase do antigo regime. Diretamente dos portões dourados do Palácio de Versalhes para o restante da Europa, os hábitos e os costumes da nobreza eram copiados e reproduzidos de diferentes formas. As soberanas consortes daquele país dominaram as tendências, até que a monarquia foi definitivamente abolida em 1870. Apenas cem anos anos antes, uma tímida arquiduquesa austríaca chegara ali para se casar com o herdeiro do trono, sem ter na cabeça a mínima ideia de que, antes mesmo de estourar a Revolução Política, ela daria início a outra: uma Revolução no guarda-roupas real. Nesse universo de rendas, laços, seda e cetim, Maria Antonieta surgia deslumbrante, ostentando na cabeça um penteado de proporções colossais, que podia ser enfeitado como pérolas, diamantes e até mesmo um barco em miniatura. Suas sucessoras mantiveram o precedente como embaixadoras da moda, especialmente a espanhola Eugénia de Montijo, casada em 1853 com Napoleão III e uma das mulheres mais influentes do século XIX, especialmente por sua associação com Charles Frederick Worth (considerado o pai da Alta Costura). Agora, uma exposição na chapelle de l’Observance celebra os 100 anos de evolução da moda francesa!

Para o curador da exposição Serge Liagre, “a história das silhuetas é também a da emancipação feminina”. Fotos de Philippe Arnassan.

Segundo Serge Liagre, curador da exposição Carnet de bal, “a história das silhuetas é também a da emancipação feminina”. Por meio de peças originais dos séculos XVIII e XIX, o visitante é convidado a observar a evolução dos trajes entre as classes aristocráticas do antigo regime, numa época em que não existiam estilistas ou mesmo o conceito de “alta costura”, conforme o compreendemos hoje. A maneira como as pessoas se arrumavam era extremamente importante dentro desse contexto, uma vez que os hábitos de vestimenta serviam como parâmetro de distinção entre os extratos sociais. Para compor seu visual, por exemplo, Maria Antonieta se cercou de um verdadeiro time de cabeleireiros e costureiras, liderados por Lèonard e pela modista Rose Bertin (que as más línguas apelidaram de “o ministério da moda”). O estilo da esposa de Luís XVI era então reproduzido em periódicos com tiragem limitada, que circulavam por Paris e outras cortes da Europa. Em Viena, a mãe da rainha ficava escandalizada ao ver as ilustrações de sua filha com um gigantesco penteado em sua cabeça e pelos relatos de que ela gastava uma soma exorbitante em joias. Mas, para Antonieta, estar na vanguarda das tendências era uma forma de se expressar politicamente, numa época em que os meios que as mulheres dispunham para isso eram bastante limitados.

O traje do duque de Montmorency é destacado em meio a peças excepcionais. Foto de Philippe Arnassan .

Com efeito, as peças da exposição Carnet de bal (convite de baile), na chapelle de l’Observance, em Draguignan, fazem parte do acervo da Villa Rosemaine (Centro de Estudo e Divulgação do Património Têxtil em Toulon), fundada no ano de 2010 pelo curador, Serge Liagre. Apaixonado por têxteis, ele possui uma coleção particular com mais de 3.000 peças, 30 das quais se encontram na exibição. Os vinte painéis explicativos, espalhados pelas paredes e corredores, por sua vez, proporcionam ao observador uma verdadeira imersão no tempo, através de vestidos com corpetes de silhuetas delgadas e saias sobre armação de crinolina. A exposição foi criada principalmente para este lugar. Passa-se no final do reinado de Luís XVI e Maria Antonieta e estende-se até ao final do Segundo Império de Napoleão III e da Imperatriz Eugénia”, conta Liagre ao jornal Var-Matin. Dentro do recorte temporal abarcado pela exposição, os convites de baile serviam como uma espécie de código entre a aristocracia, mantendo-a conectada e sintonizada com as principais novidades no mundo da moda. “Era o livro de compromissos da época, o laptop de hoje”, sorri o colecionador. As peças da coleção, em sua maioria, são confeccionadas em seda francesa e de Lyon, musselina ou até mesmo em algodão bordado da Índia. “Os tecidos com cores intensas foram estampados com corantes vegetais”, explica o curador.

Um vestido de corte de francês, segundo a moda do século XVIII. Foto de Philippe Arnassan .

Do belo ao bizarro, o ambiente acolhe roupas com detalhes extravagantes. Entre as peças, o visitante pode encontrar modelos únicos, que facilmente chamariam a atenção de Maria Antonieta no século XVIII, ou então das imperatrizes Eugénia e Elisabeth da Áustria (mais conhecida como Sissi), no século XIX. As três soberanas, reverenciadas como ícones da história da moda, usavam suas vestes como um importante instrumento de comunicação. Assim, elas conseguiam passar adiante uma mensagem para seus admiradores. Uma das peças que mais chama a atenção no acervo, por exemplo, se trata da réplica de um traje composto por uma chemise, corpete e saia confeccionada em chiffon branco e fitas de seda, muito em voga nos anos 1850. Outro exemplo é a famosa gaulle, que Maria Antonieta usou quando posou para os pincéis de Élisabeth-Louise Vigée-Le Brun, em 1783. O arranjo, que combinava uma chemise branca com babados, atada na cintura por uma fita e um chapéu de palha na cabeça, causou verdadeiro escândalo no período, pois muitos o consideravam simples demais e, portanto, indigno para uma rainha da França. Mais tarde, a chemise foi incorporada com sucesso na moda feminina no início do século XIX, durante a fase do Primeiro Império Francês.

A exposição também destaca a evolução da moda masculina. Foto de Philippe Arnassa.

Entre as peças originais que cintilam aos olhos do visitante, se destaca um vestido datado de 1865, que possui uma aparência assombrosa com o traje de coroação da imperatriz Eugénia. A peça é o destaque da exposição e permanece sobre uma plataforma, na parte de trás da chapelle, envolvida por uma atmosfera ao mesmo tempo brilhante e delicada. Ela foi confeccionada em cetim creme, com folhos de tule sobre seda branca na região da saia. Se olharmos para o retrato de Eugénia pintado em 1858 por Giuseppe Rota, segundo obra de Franz Xaver Winterhalter, notaremos o quanto ambas as vestimentas são similares. O traje foi delicadamente posicionado em frente à tela, emprestada à exposição pelo Museu de Belas Artes de Draguignan. Outra peça original que não passa despercebida é o hábito que o duque François de Montmorency usava na corte de Napoleão. O conjunto é composto por um colete feito de lã, decorado com botões de aço, casaco de fraque e calças. O tamanho pequeno da peça, entretanto, nos dá mais ou menos uma noção da estatura de seu antigo usuário. Ela passou recentemente por um processo de restauração e chegou a ser emprestada ao Museu do Louvre, em 2018.

Traje feminino, segundo a moda da década de 1870. Foto de Philippe Arnassan.

Entre ternos compostos por coletes e calças de seda sombreada moire, a vestidos que causam espanto por sua afilada cinturinha de vespa, a exposição destaca a evolução tanto a moda masculina, quanto da feminina. Para Corinne Assez, chefe do departamento de ação cultural da cidade, ela também faz uma ode à emancipação da mulher, partindo de uma época em que seus corpos eram sufocados por apertados espartilhos, até a libertação completa de seu uso. Já na opinião de Hugues Bonnet, assistente de cultura: “Fico feliz em ver que Draguignan acolhe coisas que não são frívolas. O esteticismo que é encenado nesses lugares é um símbolo extraído da emancipação e libertação das mulheres”. A exposição Carnet de bal permanece montada na chapelle de l’Observance desde o dia 4 de fevereiro de 2023. Segundo seu curador, Serge Liagre: “Maria Antonieta e Eugénia foram musas, foram elas que deram o tom e a moda, definiram as tendências”. Depois do sucesso da exposição Haute couture, este emblemático e solene espaço de cultura e lazer, localizado em Dracénie, agora estende seu tapete vermelho para um “convite de baile” dos mais ecléticos.

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s