A Rainha Elizabeth II e sua luta de 70 anos para salvar a casa de Windsor – Parte VI

Por: Renato Drummond Tapioca Neto

O final dos anos 1980 testemunhou uma grande transformação no panorama político mundial. Oficialmente, a Guerra Fria, que dividiu o mundo em dois blocos durante quase toda a segunda metade do século XX, chegava ao fim. Seu término coincidiu com a derrocada do governo de Margaret Thatcher, que foi sucedida por John Major no cargo de Premiê. Com a virada da década, ficou claro para a imprensa que os filhos da soberana enfrentavam sérios problemas em seus casamentos. Tais desavenças desencadearam uma forte crise dentro da “Firma”, uma vez que a monarquia criada por Elizabeth II e seus ancestrais tinha na unidade familiar uma importante base. Nesse sentido, a família real deveria ser vista como um modelo de conduta a ser seguido, não o contrário. Mas, quando os tabloides começaram a noticiar as lutas intestinas entre o casal de Gales e os York, a população deixou de ter nos Windsor um bom exemplo. A situação chegou ao seu ápice no ano de 1992, quando um livro escrito pelo jornalista Andrew Morton sobre a princesa Diana chegou em todas as livrarias. As revelações contidas na obra eram as mais sérias possíveis: afirmava-se que Diana sofria de bulimia desde o noivado; que não era amada pelo marido e que tentou se suicidar cinco vezes por não se considerar boa o suficiente para fazer parte da instituição.

Diana e Elizabeth II em 1986.

Entretanto, para a maioria dos leitores, aquelas palavras foram um verdadeiro choque, pois a princesa de Gales parecia ser a personificação perfeita do estabelishment. Todos os eventos públicos em que ela representou a monarquia, seja ao lado do marido ou sozinha, foram muito bem sucedidos. Apesar das tentativas do palácio em negar qualquer envolvimento de Diana na publicação do livro, logo se confirmou que ela foi uma das fontes de Andrew Morton, assim como amigos indicados pela própria princesa ao jornalista. O lançamento de Diana: sua verdadeira história contava os bastidores da casa real de uma forma como nenhum outro jornal havia feito antes. A monarquia ficava assim exposta de uma forma danosa, especialmente por causa da revelação do duplo adultério do príncipe Charles com Camilla Parker-Bowles, a quem a princesa de Gales responsabilizava pelo desastre do seu casamento. Por outro lado, o livro aproximou mais Diana das mulheres que passavam por problemas semelhantes e que não se sentiam ouvidas ou valorizadas. A aparente fragilidade da princesa a transformava em uma figura mais humana aos olhos do público, diferentemente da rainha. Criada no período difícil da guerra, a soberana não era uma mulher acostumada a demonstrar publicamente suas emoções.

Em vez disso, Elizabeth II sempre reagiu aos impasses com sua clássica calma e serenidade, dois traços fundamentais de seu caráter. Em última análise, foram suas compostura e dignidade que serviram de escudo para a monarquia no chamado Annus Horribilis (expressão latina que a rainha utilizou para classificar os desastres ocorridos em 1992). Antes do lançamento do livro de Andrew Morton, fotos polêmicas de Sarah, duquesa de York, com Steve Wyatt foram vazadas pela imprensa. Em março, ela e o príncipe Andrew se separaram depois de apenas 6 anos de casamento. No mês seguinte, a princesa Anne, que sempre foi considerada o membro mais pragmático e autocentrado da família, anunciou a sua separação do capitão Mark Philips (no dia 12 de dezembro, a princesa Anne se casou com Timothy Laurence na Igreja da Escócia). Dessa forma, a vida privada dos Windsor passou a encher páginas e mais páginas do Sun, jornal sensacionalista editado pelo famoso Kelvin Mackenzie. Em decorrência de tamanha exposição, o Parlamento convocou diversos editores de periódicos para tentar impor um limite à invasão da privacidade da família real. Mackenzie, entre outros, foi um dos mais ferrenhos opositores à implementação de tais medidas. Aquele ano também foi marcado por uma forte recessão econômica e pelo aumento das taxas de desemprego, o que deixou a realeza em uma posição bastante fragilizada para fazer qualquer exigência da imprensa.

Novamente, os gastos com a monarquia voltaram a ser o tema principal dos debates. Depois da publicação do livro de Andrew Morton, Elizabeth e Philip se reuniram com o casal de Gales para aconselha-los. A rainha acreditava que uma viagem dos dois à Coreia do Sul, no início de novembro, poderia resolver seus problemas e reaproxima-los. Porém, o resultado foi o oposto. As fotos tiradas de Charles e Diana durante a excursão apresentam um casal frio e distante, com expressões de tristeza em seus rostos. Em uma das imagens capturadas pelas lentes dos fotógrafos, percebe-se uma aparente tentativa por parte de Charles de dar um beijo no rosto de sua esposa durante uma partida de polo. Em um gesto que foi interpretado como repulsa, Diana desviou a face dos lábios do marido e recebeu o beijo na nuca. Essa foi a última viagem em conjunto que os dois fizeram, em um clima bastante diferente da bem sucedida turnê de 1983. Ficou nítido que a situação tinha se tornado irremediável. Nesse contexto, poucos se surpreenderam quando o castelo de Windsor pegou fogo no dia do aniversário de 45 anos de casamento de Elizabeth e Philip, em 20 de novembro. Afinal, não era só aquela construção medieval que estava sendo assolada pelas chamas, como também a dinastia inspirada por seu nome.

O fogo se alastrou de forma tão rápida e intensa, que apenas na manhã do dia 21 as chamas puderam ser controladas. Na foto de cima, podemos ver o resultado do incêndio em um dos cômodos do Castelo, praticamente destruído. Na inferior, uma imagem atual do mesmo ambiente, após o processo de restauração.

Contudo, quem pagaria pela conta do estrago? Quando o montante de 40 milhões de libras foi anunciado como necessárias para os reparos, a discussão sobre o patrimônio da rainha voltou a circular. Em uma atitude inédita, Elizabeth II concordou em abrir os palácios históricos reais para visitação durante temporadas, cobrando cerca de 5 libras por ingresso e meia entrada para estudantes. Até lojinhas de souvenires foram montadas nas dependências do palácio de Buckingham. O frenesi provocado por essa decisão gerou não só uma renda considerável para o governo em turismo, como também arrecadou mais do que o suficiente para restaurar o castelo de Windsor à sua antiga glória. Quem dera o mesmo pudesse ser feito com os desastres naquele que já foi chamado de “o casamento do século”… Em dezembro de 1992, o Primeiro-Ministro John Major anunciou oficialmente no Parlamento que o príncipe e a princesa de Gales decidiram levar vidas separadas (embora a palavra divórcio não fosse mencionada). Por fim, a rainha mais uma vez solicitava à imprensa respeito pela privacidade do casal, cujos filhos também estavam sofrendo com aquela situação.

Tradicionalmente, as mulheres da família real são julgadas mais pela sua aparência, enquanto os homens por seus discursos. Mas, durante um pronunciamento feito em 3 de dezembro de 1993, em um almoço para ajudar a Headway National Head Injuries, a princesa Diana enfatizou: “Quando comecei minha vida pública, há 12 anos, entendi que a mídia talvez se interessasse pelo que eu fazia. Percebi então que sua atenção focaria tanto na vida privada quanto na pública. Mas eu não tinha consciência do quão avassaladora essa atenção se tornaria; nem o quanto afetaria meus deveres públicos e minha vida pessoal, de uma maneira que tem sido muito difícil de suportar”. Ela concluía sua fala dizendo que a partir de então pretendia se ausentar da vida pública e se dedicar apenas ao seu trabalho social. Foi nesse momento, quando Diana buscava se retirar dos holofotes, que Charles lançou sua versão da história do casal. Em uma atitude irresponsável, ele concedeu ao jornalista Jonathan Dimbleby livre acesso aos seus diários pessoais para a publicação de O Príncipe de Gales. Na obra, o herdeiro do trono afirmava que não recebera afeto suficiente dos pais quando criança, fazendo com que a rainha parecesse uma mulher desnaturada. Não obstante, ele dizia que havia sido forçado pelo príncipe Philip a se casar com Diana.

A rainha Elizabeth II faz o famoso discurso sobre o seu Annus Horribilis, no final de 1992.

No ano seguinte, Charles resolveu lançar ainda mais lenha na fogueira quando assumiu em cadeia nacional que foi infiel com a esposa. Logo, os escândalos extraconjugais, tanto de um como de outro, vieram à baila. Ligações ilegalmente grampeadas de Charles para Camilla e de Diana para James Gilbey (uma das fontes de Andrew Morton) foram sorrateiramente adquiridas por um jornal australiano e podiam ser ouvidas nas cabines de telefones públicos. Todo o esgoto da monarquia estava sendo mexido diante dos olhos do mundo. Foi só no ano de 1995, quando a Europa celebrava o aniversário de 50 anos do término da Segunda Guerra Mundial, que o regime recebeu uma oportunidade de regeneração. A rainha tomou parte nas comemorações em Londres, juntamente com a princesa Margaret e a rainha-mãe. Para muitos, a velha Elizabeth Bowes-Lyon ainda era um símbolo da resistência inglesa naqueles anos difíceis, além de ser o único membro da família real que não havia sido afetado por calúnias de qualquer natureza. O desrespeito que a mídia tinha para com os membros mais jovens da realeza sequer respingava na viúva de George VI. Quando ela apareceu sozinha na sacada do palácio de Buckingham no dia da comemoração, com seu sorriso doce, acenando para uma multidão apinhada embaixo, foi bastante ovacionada.

Com efeito, a credibilidade dos Windsor foi mais uma vez testada quando uma entrevista concedida pela princesa Diana ao jornalista Martin Bashir foi transmitida pela BBC, em 20 de novembro de 1995. Dois meses antes, ela havia conseguido introduzir a equipe do programa Panorama no palácio de Kensington, de forma sigilosa. Com seu terninho preto e expressões previamente ensaiadas, Diana assumiu publicamente seu affair com James Hewitt, que em 1993 publicou um livro detalhando todo o romance dos dois. Quando questionada se considerava Camilla um fator essencial na separação de seu marido, a entrevistada respondeu com a icônica frase: “Eram três nesse casamento, então estava ficando um pouco apertado”. Entre outras revelações, Diana disse que não via em Charles as qualidades necessárias para um futuro rei e que ela nunca teve apoio dentro da instituição. Quatro séculos atrás, declarações como essa seriam o suficiente para executa-la por alta traição! Ela terminava a entrevista dizendo que preferia ser “rainha no coração das pessoas”. Quase 23 milhões de pessoas assistiram ao Panorama naquele dia e, nas semanas seguintes, os jornais não paravam de especular qual seria a reação do palácio. Ciente de que o fogo cruzado entre Charles e Diana estava prejudicando demais a imagem da instituição, a rainha enviou uma carta aos dois exigindo o divórcio.

Diana desvia o rosto para não receber um beijo de Charles.

Com efeito, Diana tinha muito respeito pela soberana para contrariar qualquer decisão tomada por ela. Na transcrição de suas entrevistas feitas em 1991 para o livro de Andrew Morton, ela disse sobre Elizabeth II o seguinte: “Eu a admiro. Quero entendê-la melhor e falar com ela, e farei isso. Sempre disse para ela: ‘Nunca a decepcionarei, mas não posso dizer o mesmo com relação à seu filho’. Ela recebeu bem minhas palavras. Ela consegue ficar à vontade comigo”. Mas a situação havia chegado a um ponto insustentável. Após muitas negociações, o divórcio foi oficializado em 1996. Diana recebeu o montante de 16 milhões de libras e o direito de continuar vivendo no palácio de Kensington. Porém, não mais receberia das autoridades o tratamento de Alteza Real, assim como aconteceu com Sarah Ferguson quando seu divórcio com o príncipe Andrew foi concretizado. A partir de então, elas seriam conhecidas como Diana, princesa de Gales, e Sarah, duquesa de York (sem alteza). Dessa forma, ambas perdiam todos os privilégios que o tratamento real trazia consigo. Mas, ao contrário do que os jornais especulavam, o divórcio permitiu à Diana se tornar ainda mais popular. Das cinzas de seu casamento, ela ressurgiu como a princesa do povo. Um triunfo diplomático tão importante para o governo britânico quanto a própria rainha da Inglaterra.

Referências Bibliográficas:

DIMBLEBY, Jonathan. O príncipe de Gales. Tradução de Vera Dias de Andrade Renoldi. São Paulo: Editora Best Seller, 1994.

HOBSBAWM, Eric J. A era dos extremos: o breve século XX. 2ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

KELLEY, Kitty. Os Windsor: radiografia da família real britânica. Tradução de Lina Marques et. al. Sintra, Portugal: Editorial Inquérito, 1997.

MARR, Andrew. A real Elizabeth: uma visão inteligente e intimista de uma monarca em pleno século 21. Tradução de Elisa Duarte Teixeira. São Paulo: Editora Europa, 2012.

MEYER-STABLEY, Bertrand. Isabel II: a família real no palácio de Buckingham. Tradução de Pedro Bernardo e Ruy Oliveira. Lisboa, Portugal: Edições 70, 2002.

MORTON, Andrew: Diana – sua verdadeira história em suas próprias palavras. Tradução de A. B. Pinheiros de Lemos e Lourdes Sette. 2ª ed. Rio de Janeiro: Best Seller, 2013.

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