Amina de Zaria: a história da poderosa rainha guerreira que dominou a Nigéria no século XVI!

Por: Renato Drummond Tapioca Neto

Durante a Idade Moderna, o mundo teve fortes exemplos de Estados liderados por mulheres. Seja na qualidade de regentes, ou governando em seu próprio nome, elas deixaram para a posteridade um brilhante exemplo da força de seu sexo, numa época em que o pensamento masculino predominava na política e na economia. Na Europa, por exemplo, Isabel I de Castela, Elizabeth I da Inglaterra e Catarina de Médici, rainha regente da França, serviriam de modelo para muitas outras soberanas nos séculos seguintes, tais como Maria Teresa da Áustria e Catarina II da Rússia. Mesmo hoje, o fascínio que essas monarcas exercem no imaginário popular é tão amplo, que pode ser medido pela quantidade avassaladora de filmes, séries e biografias, produzidas anualmente para alimentar um mercado ávido por consumir histórias de liderança feminina. Todavia, a versão pós-colonial de tais representações acabou nublando a predominância de outras soberanas negras, que foram tão poderosas quanto suas contemporâneas no continente europeu. Desde os tempos antigos, rainhas como Hatshepsut e Cleópatra VII do Egito eram reconhecidas como exemplos do poder da mulher enquanto chefe de governo. Na África da Idade Moderna, porém, poucas conseguiram o destaque de Jinga de Angola ou Amina de Zaria.

Uma das maiores lideranças femininas a emergir no cenário africano do século XVI, a rainha Amina de Zaria (ou Zazzau) se destacou por seu pragmatismo e coragem em combate, frente aos obstáculos impostos pelo patriarcalismo, ou pela presença de reinos rivais, Tal como ocorreu com Jinga de Matamba (outra grande soberana que viria a governar parte da região de Angola no século seguinte), as habilidades de Amina foram logo notadas por seu avô, que lhe permitiu maior participação nos conselhos de guerra e em reuniões de chefes. Possivelmente nascida no ano de 1533, numa região ao norte da Nigéria, ela era a mais velha de três irmãos, filha de Bakwa de Turunku, considerado um monarca bastante influente naquela localidade e que tomou sob sua responsabilidade a tarefa de educar Amina para se tornar uma liderança de destaque. Ela provinha de uma família rica, que fez fortuna com a venda de produtos tal como sal, animais como o cavalo e também de metais importados. Desde cedo, a jovem superou as expectativas de sua família, aplicando-se especialmente nos estudos das tradições e na língua de seu povo. Enquanto os soldados de Zaria eram treinados para o combate, a princesa os assistia atentamente, aprendendo com eles táticas e lições de guerra que ela veio a utilizar nas muitas batalhas que travou, anos mais tarde.

Em 1566, Bakwa de Turunku faleceu. Na época, Amina já era uma mulher de 33 anos, solteira e sem filhos. Conforme o costume haussa, o monarca passou a liderança de Zaria para o filho mais novo, chamado Karama, Seu governo, porém, não durou muito tempo. Dez anos após ascender ao trono, Karama faleceu, deixando assim o caminho livre para a irmã se tornar rainha reinante. Aos 43 anos, Amina era muito popular, tanto entre sua gente, quanto entre as forças armadas, com quem treinou na juventude e compartilhou valiosas lições. Sua fama como guerreira destemível, por sua vez, já era conhecida para além dos domínios que acabava de herdar. Em 1576, ela assumiu pessoalmente as rédeas do governo, tornando-se a soberana de Bakwa. Seu reinando durou por um período de aproximadamente 35 anos e foi marcado por grandes avanços no plano econômico e militar. Amina não só removeu todos os obstáculos comerciais impostos ao seu reino pela costa atlântica, como também expandiu seus domínios até Nupe e Kwarafa. Vitória essa que, deve-se ressaltar, foi conquistada graças à astúcia e liderança da rainha, que comandava um exército de mais de 20.000 soldados de infantaria.

Localização de Zaria no mapa da Nigéria.

Na época de sua ascensão ao trono, durante o contexto da Nigéria pré-colonial, homens se sentiam constantemente ameaçados com lideranças femininas de destaque. Acreditava-se que as mulheres nigerianas se tornavam dignas de respeito apenas por suas relações de parentesco, idade avançada e/ou mérito, mas não pelo seu sexo. Os papeis sociais de homens e mulheres aparentemente eram bem delineados naquela sociedade, o que não impediu, contudo, que muitas delas conseguissem afirmar sua autoridade. Alguns homens, quando não cumpriam com suas obrigações da forma devida, podiam por exemplo ser substituídos por elas, que passavam a assumir suas principais funções (diz-se que a mãe de Amina, por sua vez, era um bom exemplo de autoridade, tal como sua filha se tornaria um dia). Não obstante, muitas delas encontravam brechas para exercer alguma forma de poder, situação essa que sofreria um grande revés anos depois, devido à dominação muçulmana na região e posteriormente ao imperialismo britânico, que subjugou os povos da Nigéria e destruiu grande parte de sua tradição, incluindo maiores detalhes da história da rainha Amina. Por isso não somos capazes de estabelecer corretamente o ano exato de seu nascimento e o de sua morte (persiste também a dúvida se Bakwa de Turunku seria na verdade sua mãe, em vez de seu pai). Alguns pesquisadores, inclusive, acreditam que seu nome não passa de uma lenda. De acordo com Roberto Valter Silvério:

O quadro da história primeva de Zazzau – também chamada Zaria ou Zegzeg – é ainda mias obscuro que o de Katsina. O material histórico é muito limitado para que se possa reconstruir razoavelmente a história política da região, e as interpretações feitas a partir das fontes existentes são contraditórias. Abdullahi Smith propõe uma explicação satisfatória para a história de Zazzau nesse período: na Planície de Zazzau, no extremo sul do território haussa, foram difundidos, pouco antes do século XV, alguns centros urbanos organizados administrativamente como cidades-Estado. Enquanto se desenvolviam politicamente, duas cidades, Turunku e Kufena, passaram a exercer autoridade sobre as outras. Ambas eram independentes uma da outra, e assim continuaram até fim do século XV, quando um dirigente de Turunku, Bakwa, tomou o poder em Kufena. Mais tarde, os reis de Zazzau, que governavam os antigos territórios de Kufena e Turunku, instalaram-se plenamente na nova capital, construída no extremo leste do birni de Kufena, e chamada Zaria. A partir do início do século XVI, Zazzau começou a expandir seu território para oeste e para o sul (SILVÉRIO, 2013, p. 470).

Todavia, desde que assumiu o trono, o reinado da rainha Amina foi marcado por guerras e disputas territoriais, seja contra líderes locais e/ou reinos vizinhos. Guerreira talentosa e experiente, ela garantiu uma passagem segura até Zaira para muitos comerciantes haussa que percorriam a região do Saara, vendendo e trocando mercadorias. Não obstante, sua campanha expansionista lhe possibilitou muitas conquistas, para além de todas as cidades ao norte de Kwarafa e ao sul de Nupe, que ela já havia anexado. Amina subjugou também toda a região de Kano, Gobir, Katsina, Daura e Rano. Dessa forma, ela acabou se tornando uma ameaça para as nações localizadas ao oeste do Sudão e em Mali. As precauções de combate tomadas por ela e por seus generais incluíam o uso de um equipamento semelhante às armaduras de metal dos cavaleiros europeus, que eram bastante eficazes nas batalhas, com seus capacetes de ferro e cotas de malha. Foram utilizados, por exemplo, na guerra em Hausaland. Ela também edificou fortificações em torno de Zaira e de outros campos militares, muitas das quais ainda podem ser vistas nos dias de hoje. Tal prática acabaria se tornando comum em todos os estados haussa e atualmente estas construções são conhecidas como as muralhas de Amina, muito embora a maioria delas tenha sido erguida após o término do reinado da soberana, em 1610.

Com efeito, a rainha Amina fortaleceu Zaira e enriqueceu seu reino, tornando-o bastante poderoso. Segundo os registros e a tradição oral africana, ela costumava fazer uma prece sempre que precisava ir para alguma batalha ou expedição, num local conhecido como Dutsen Hiya, que ainda pode ser visitado na suposta cidade natal da soberana. Assim como sua contemporânea, a rainha Elizabeth I da Inglaterra, Amina não se casou ou constituiu família, permanecendo solteira e senhora absoluta de seus poderes. Por outro lado, boatos davam conta de que ela se deitava com homens capturados em guerra e que os matava logo no dia seguinte, para que não revelassem ao mundo os segredos de seu corpo. Num desses intercursos, um de seus amantes teria conseguido escapar, deixando Amina num estado bastante eufórico. Não se sabe se foi em decorrência desse acontecimento ou não, mas se acredita que ela teria tirado a própria vida enquanto liderava uma campanha militar em Dekina, no atual estado de Kogi, na Nigéria (embora outros argumentem que foi em Atagara). Na época, a soberana já tinha 77 anos e passou para os compêndios da História da África como uma rainha astuta e destemida, igualada em grandeza apenas por Jinga de Angola, que governou no século XVII.

Dentro de uma sociedade dominada pelo poder masculino, a rainha Amina ficou conhecida como “a filha de Nikatau, uma mulher tão capaz quanto um homem”. Suas peripécias lendárias acabaram servido de inspiração para a criação da personagem Xena, do famoso seriado de TV dos anos 1990 sobre a princesa guerreira. Até hoje, Amina é sinônimo de força e bravura feminina, principalmente por ter conseguido estabelecer seu legado ao enfrentar as estruturas patriarcais da sociedade de seu tempo, em que as desigualdades de gênero eram marcantes. Quando de sua morte, em 1610, outra importante princesa começava a seguir seu próprio caminho para se tornar a maior referência de liderança feminina da África. Jinga de Angola, tal como Amina, liderou tropas, enfrentou a autoridade masculina e se impôs como mulher e governante, numa época em que a maior ameça não vinhada terra, mas do mar, representada pelo colonizador europeu. Embora os obstáculos enfrentados por mulheres da Nigéria, de Angola e de todo o continente africano ainda persistam, sejam eles de gênero, classe ou de etnia, os exemplos de lideranças como as de Amina e de Jinga apontam para grandes possibilidades de lutas e resistências dentro do contexto pós-colonial.

Referências:

ADEMOLA, Adedeji. Amina, one of few warrior queens who ruled an African kingdom for 34 years in the 1500s. 2020.- Acesso em 03 de junho de 2020.

EL-ZAHER, Sumaya. Amina the Warrior Queen of Zaria. 2020. – Acesso em 03 de junho de 2020.

HEYWOOD, Linda M. Jinga de Angola: a rainha guerreira da África. Tradução de Pedro Maia Soares. São Paulo: Todavia, 2019.

IRIS, Shiny. Queen Amina of Zaria Nigeria. – Acesso em 03 de junho de 2020.

IRUEMIOBE, Busayo. Queen Amina of Zazzau: Di first powerful Nigerian woman. 2018. – Acesso em 03 de junho de 2020.

Queen Amina Of Zaria. – Acesso em 03 de junho de 2020.

SILVÉRIO, Roberto Valter (Coord.). História Geral da África: pré-história ao século XVI. Brasília: UNESCO, 2013.

7 comentários sobre “Amina de Zaria: a história da poderosa rainha guerreira que dominou a Nigéria no século XVI!

  1. Agradavelmente surpreendida com este olhar sobre a historiografia africana!! Um continente tão antigo e rico em narrativas,porém tão ignorado por tantos ,em todos os sentidos!

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  2. Linda história dessa grande guerreira. Ela se imortalizou e sua história chegou até nós e irá muito.mais além. E isso a fez imortal
    Pena que não deixou herdeiros.

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