Os Príncipes na Torre: teria Ricardo III assassinado os filhos da rainha Elizabeth Woodville?

Por: Renato Drummond Tapioca Neto

No dia 9 de abril de 1483 falecia o rei Eduardo IV da Inglaterra, pouco antes de completar seu aniversário de 42 anos. Morreu repentinamente, deixando sua esposa, a rainha Elizabeth Woodville, numa situação bastante delicada. Quem governaria o reino durante a menoridade do rei Eduardo V, de apenas 12 anos? O tio do rapaz, Ricardo de Gloucester, foi apontado como regente, enquanto preparativos eram feitos para a coroação do rei-menino. Instalado na Torre de Londres, ao herdeiro da Coroa se juntou seu irmão mais novo, Richard, duque de York, sob pretexto de que o jovem monarca estava se sentindo bastante solitário. Em meados de junho, porém, o regente decidiu se apoderar da trono, argumentando que seus sobrinhos eram ilegítimos, devido a uma possível irregularidade no casamento dos seus pais, uma vez que Eduardo IV estaria noivo quando se casou com Elizabeth. No dia 26, Ricardo foi então coroado, a despeito da reivindicação de seus outros sobrinhos. Quanto aos príncipes encarcerados na Torre, ninguém nunca mais os viu. Esse mistério atravessou a espessura do tempo, embalado pelas palavras de Shakespeare, bem como pela de outros autores e até hoje se constitui numa das maiores intrigas envolvendo a história da família real inglesa. Teriam os filhos da rainha Elizabeth sido assassinados pelo próprio tio?

Elizabeth Woodville foi forçada a abandonar seu filho Richard, para fazer companhia ao irmão mais velho na Torre de Londres.

Com efeito, o rei Eduardo V e seu irmão Richard entraram para a história como os Príncipes na Torre. Antes de desaparecerem no interior daquela fortaleza, que era tanto prisão quanto residência real, os dois ainda podiam ser vistos brincando pelos seus pátios, quando foram movidos para aposentos mais privados, sumindo assim dos olhos das testemunhas. No outono de 1483, rumores de que teriam sido assassinados começaram a se espalhar por Londres. O embaixador francês acreditava que fora o tio dos meninos, o mesmo que lhes usurpara a Coroa, o verdadeiro responsável pelo seu desaparecimento. No ano seguinte, o Parlamento se reuniu para deliberar sobre o status da rainha Elizabeth Woodville. Foi concluído que seu casamento com Eduardo IV não tinha validade e que, por conseguinte, ela não podia usar o título de rainha viúva e muito menos reter as joias e posses que vinham acompanhadas com essa posição. Refugiada dentro das paredes da Abadia de Westminster, a mãe dos príncipes precisou ceder às exigências de Ricardo III e concordou em enviar sua filha mais velha, Isabel de York, para servir como dama na corte da rainha Anne Neville, esposa do rei.

Os ossos de Ricardo III foram descobertos em 2013, debaixo do chão de um estacionamento em Leicester.

Todavia, Elizabeth Woodville estava fazendo um jogo duplo. Se por um lado ela aparentava concordar com todos os termos de rendição impostos pelo antigo cunhado, por trás ela negociava secretamente com um dos inimigos da coroa, Henrique de Richmond, oferecendo a mão de Isabel em casamento. Em agosto de 1485, Ricardo III foi finalmente derrotado na batalha de Bosworth e seu adversário se tornou o rei Henrique VII da Inglaterra e fundador da dinastia Tudor. Elizabeth recebeu novamente todas as honras de rainha viúva e retornou para a corte com suas filhas sobreviventes, incluindo Isabel de York, que se casou com o novo monarca. A partir de então, a propaganda oficial passou a responsabilizar Ricardo III pela morte dos príncipes na Torre, contribuindo assim para a criação da lenda do assassino corcunda de Shakespeare, que assombrava a plateia no Teatro Globe. Alguns historiadores modernos, porém, possuem uma versão diferente dos fatos. Segundo Matthew Lewis:

O motivo principal e óbvio para Ricardo III de ter assassinado seus sobrinhos de 12 e 9 anos de idade é frequentemente declarado como a salvaguarda de seu trono. Isso parece uma bobagem, já que Ricardo nunca divulgou suas mortes para impedir que elas fossem uma ameaça. Exibir seus corpos e culpar causas naturais ou algum traidor teria sido um requisito deste plano. Ele também falhou em matar as irmãs dos príncipes – uma das quais se tornou central na oposição a ele. Ele também não removeu os filhos de seu outro irmão, George, que possuía uma alegação potencialmente melhor do que a sua. Nenhum contemporâneo culpou definitivamente Ricardo, discutindo apenas rumores que surgiram – muitos culparam outros. Sir Thomas More, arquiteto da reputação de Ricardo, relatou apenas boatos. Apenas Shakespeare fez isso com seu trabalho de ficção – uma falácia que se tornou história. O Bardo inventou fatos e também palavras (LEWIS, 2020).

O fantasma da morte dos príncipes na Torre, porém, não desapareceu com a derrota de Ricardo III no campo de batalha. Mesmo durante o reinado de Henrique VII, supostos pretendentes clamavam a identidade de um dos filhos de Eduardo IV. Para tentar pôr um fim nessas histórias, Henrique conseguiu fazer divulgar a versão de que as duas crianças teriam sido asfixiadas enquanto dormiam por um certo Sir James Tyrell, que foi julgado pelo crime em maio de 1502 e executado. Sir Thomas More, célebre autor de Utopia, deu crédito a essa versão na sua biografia de Ricardo III, acrescentando que os príncipes tinham sido sepultados sob as pedras na base de uma escada na Torre. A pergunta que fica é a seguinte: se Ricardo assassinou o sobrinho, porque também não tentou se livrar dos outros pretendentes, como os filhos de seu irmão mais velho, George, duque de Clarence? Afinal, eles teriam maior pretensão ao trono que seu tio. Tampouco ele fez qualquer tentativa para matar Elizabeth Woodville ou suas filhas.

Em outubro de 1483, as duas crianças desapareceram nas dependências da Torre de Londres.

A biografia escrita por Sir Thomas More, por sua vez, contribuiu para criar a lenda obscura de Ricardo III. No final do século XVI, durante o reinado de Elizabeth I, William Shakespeare daria ainda mais peso a essa interpretação, ao compor o personagem do rei como um homem fisicamente deformado. Quase 200 anos depois da morte dos príncipes, em 1674, os esqueletos de duas crianças foram encontrados dentro de um caixão de madeira, enquanto a Torre passava por reformas. Identificados como Eduardo V e seu irmão, os restos mortais foram novamente sepultados na Abadia de Westminster. Em 1933, porém, peritos novamente examinaram seus despojos e confirmaram que pertenciam a dois meninos na idade dos filhos do rei Eduardo IV, embora as causas da óbito não fossem determinadas (diz-se que o maxilar do mais velho estava muito deteriorado). Uma das últimas pessoas que os viu com vida foi o médico da corte, convocado para tratar de uma dor de dentes do pequeno rei. Segundo seu relato, o jovem fazia penitência constantemente, convencido de que seus dias estavam contados: “Ai de mim”, teria dito Eduardo V, “quisera que meu tio me conservasse a vida, ainda que tivesse que perder o meu reino”. Palavras que certamente soam como apócrifas, mas que acrescentam em muito no mistério acerca da morte dos herdeiros da coroa.

Referências Bibliográficas:

EVANS, Tom. Royal mystery solved: Richard III ‘cleared of killing Princes in Tower’ by historic theory. 2020. – Acesso em 31 de maio de 2020.

LOADES, David.  As Rainhas Tudor – o poder no feminino em Inglaterra (séculos XV-XVII). Tradução de Paulo Mendes. Portugal: Caleidoscópio, 2010.

Segredos da Torre de Londres. In: Os Grandes Mistérios do Passado. Rio de Janeiro: Seleções, 1996, p. 23-25.

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