Por: Renato Drummond Tapioca Neto
Em 14 de janeiro de 1892, uma notícia avassaladora chegou aos ouvidos da rainha Vitória. A monarca de 73 anos acabava de perder seu neto e herdeiro, o príncipe Albert Victor, primogênito do futuro rei Eduardo VII. O rapaz havia sido diagnosticado no início do mês com uma gripe, que logo evoluiu para um aparente quadro de pneumonia Todos os esforços médicos para salvar sua vida falharam terrivelmente. Ao cabo de uma semana, o jovem de 27 anos não resistiu e sucumbiu à doença. Seus pais ficaram arrasados, assim como sua noiva, a princesa Mary de Teck. Naquela época, uma pandemia conhecida como a Grande Gripe Russa varria o mundo, ceifando as vidas de aproximadamente um milhão de pessoas, tanto de nobres quanto de plebeus. Albert teria contraído a doença durante as comemorações de Ano Novo, numa festa de tiros. Quando retornou para sua residência, Sandringham House, já estava gravemente enfermo. Por muito tempo, infectologistas acreditaram que o óbito do príncipe fora motivado por um tipo de influenza. No entanto, cientistas belgas sugeriram recentemente que um precursor do COVID-19, o Coronavírus OC43, teria sido a verdadeira causa da morte.

Príncipe Albert Victor (esquerda) e seu irmão, George (direita).
Apesar de sentir a dor pela perda do neto, a rainha Vitória era uma mulher bastante pragmática. Enquanto Eduardo e sua esposa Alexandra pranteavam a morte do filho, a monarca tomou sob sua responsabilidade a tarefa de transformar o irmão mais novo dele, George, num herdeiro adequado para o trono. Deu-lhe o título de duque de York e o promoveu à patente de comandante. O jovem também se aproximou da princesa Mary, com quem veio a se casar no mês de junho. “Não há dois irmãos que se possam ter amado mais do que nós”, escreveu o jovem à rainha. “Infelizmente, é só agora que descubro como era assim; recordo-me dolorosamente de cada palavra dura ou pequena briga que alguma vez tive com ele” (apud CARTER, 2010, p. 157). Enquanto isso, a morte de Albert Victor, mais conhecido na família como Eddy, ainda era motivo de falatório pelas ruas londrinas. As más línguas diziam que ele na verdade teria contraído uma doença venérea após frequentar um bordel e que também tinha um filho bastardo escondido no país. Os boatos mais infundados, porém, afirmavam ser o príncipe a verdadeira identidade por trás de Jack, o Estripador (famoso assassino de prostitutas no distrito de Whitechapel, no ano de 1888). Nada disso foi provado! Agora, novas evidências podem lançar maior esclarecimento acerca da morte do herdeiro da Coroa.
De acordo com os estudos liderados pelo professor Vijgen, a Grande Gripe Russa teria sido causada por um tipo de Coronavírus, que passou das vacas para os seres humanos. Identificado como Coronavírus OC43, seus primeiros sintomas são os mesmos de um resfriado comum. Contudo, em 1889 ele teria entrado em combinação genética com um tipo que geralmente infecta animais bovinos. A primeira mutação, segundo as pesquisas do professor Vijgen, coincidiu com a pandemia da Grande Gripe. Na opinião dos pesquisadores, ela “pode ter sido o resultado da transmissão interespécie de coronavírus bovino para humanos”. Entre suas semelhanças com o COVID-19, podemos apontar uma maior vulnerabilidade por parte dos homens, bem como maiores danos provocados no sistema nervoso central (algo incomum entre os tipos conhecidos de influenza). Além disso, a pandemia do final do século XIX, assim como a atual, paralisou toda a sociedade: o serviço público foi interrompido, tribunais foram fechados e o sistema de transporte ficou parado. A economia também sofreu várias baixas, causando problemas para os donos de Indústrias e queda nas especulações da bolsa.

A Grande Gripe Russa ceifou as vidas de aproximadamente um milhão de pessoas, tanto de nobres quanto de plebeus.
Diz-se que o príncipe George, futuro rei George V, ficou muito triste com a perda do irmão e confessou à rainha Vitória que “de bom grado eu daria minha vida pela dele”. Na época, outras figuras de destaque no cenário político inglês também contraíram a enfermidade, como o Primeiro Ministro, Lord Salisbury, que permaneceu acamado por semanas. Milhares de pessoas morreram de doenças respiratórias, em decorrência da contaminação pelo vírus. Ao comentar sobre as similaridades entre a Grande Gripe Russa e a atual pandemia de COVID-19, David Matthews, especialista em Coronavírus pela Universidade de Bristol, disse que “os cientistas usaram pesquisas avançadas e muito sofisticadas, e vale a pena levar a sério essa afirmação”. Na época, a causa da pandemia provocou sérias divisões médicas. No final do século XIX, a existência de um vírus (um agente tão pequeno que seria invisível de se observar, mesmo através de um microscópio da época), não havia sido plenamente mapeada pelos cientistas. O pensamento epidemiológico era dominado pela teoria do miasma. Alegava-se que o clima ou as flutuações na atmosfera superior criavam um ar tóxico que, por sua vez, envenenava os seres humanos.
A morte do príncipe Albert Victor alterou de forma significativa a sucessão da Coroa Britânica. Com a ascensão de George, sua descendência passou a ocupar a linha direta de herdeiros do trono. Atualmente, é sua neta Elizabeth II quem ocupa o posto de monarca reinante. A teoria de que a Grande Gripe de 1892 pode ter sido causada por um tipo de Coronavírus foi sugerida pela primeira vez em 2005. Contudo, conforme observa o historiador Mark Honigsbaum, ela não explica o motivo pelo qual “comunidades isoladas como faróis, prisões e mosteiros, presumivelmente expostos às mesmas influências ocultas, escaparam da epidemia ou por que a gripe parecia atacar cidades e centros urbanos densamente povoados perto de ferrovias e estradas antes de se espalhar para as áreas rurais”. A enfermidade que matou o príncipe Albert Victor desapareceu algumas semanas depois de causar milhares de mortes. Assim como os cientistas suspeitam que também ocorra com o COVID-19, o primeiro ataque não conferia imunidade ao corpo. Honigsbaum, por sua vez, conclui que “a alegação de que a pandemia da ‘gripe russa’ poderia ter sido causada por um coronavírus é intrigante, senão especulativa. Certamente, uma das principais características da pandemia foi a maneira como atacou o sistema nervoso, desencadeando casos notáveis de depressão, psicose e insônia”.

A descendência da rainha Vitória.
Referências:
BAIRD, Julia. Vitória, a rainha: a biografia íntima da mulher que comandou um império. Tradução de Denise Bottmann. Rio de Janeiro: Objetiva, 2018.
CARTER, Miranda. Os três imperadores: três primos, três impérios e o caminho para a Primeira Guerra Mundial. Tradução de Manuel Santos Marques. Alfragide, Portugal: Texto Editores, 2010.
McKIE, Robin. Did a coronavirus cause the pandemic that killed Queen Victoria’s heir?. 2020 – Acesso em 2 de junho de 2020.
SCARSI, Alice. Royal grief: Queen Victoria’s heir may have died of coronavirus – ‘Convincing analysis’. 2020 – Acesso em 2 de junho de 2020.
Só uma pequena correção: Covid-19 não é o virus, mas sim a doença causada por ele.
O vírus é o SARS-COV-2.
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