Por: Renato Drummond Tapioca Neto
Os anos de 1939 a 1945, marcados pela Segunda Guerra Mundial, foram bastante difíceis para os países beligerantes e seus respectivos governos. Na Inglaterra, enquanto o rei George VI e sua esposa, a rainha Elizabeth Bowes-Lyon, iam e voltavam do Palácio de Buckingham na perigosa época da Blitzkrieg, sua filhas, as princesas Elizabeth e Margaret, viviam secretamente no castelo de Windsor, para a sua maior proteção. Uma vez que a família real era um dos principais alvos dos alemães, era de suma importância que as herdeiras do trono fossem mantidas num local mais seguro e separadas dos pais. O temor do rei quase se confirmou quando uma bomba atingiu o palácio, em 13 de novembro de 1940, quase matando-o junto com a esposa. O castelo onde as jovem residiam recebeu então guarnição extra, com proteção de tropas e armas antiaéreas. Dentro desses muros fortificados com aço e arame farpado, as duas princesas sonhavam com o mundo lá fora, acompanhando pelo rádio as notícias do desenvolvimento do conflito.

A família real britânica era um dos alvos dos alemães na Segunda Guerra Mundial

George VI e Elizabeth Bowes-Lyon quase morreram num bombardeio ao palácio de Buckingham.
Com efeito, o rei George VI tomou todas as providências possíveis para que suas filhas não fossem tão atingidas pela dura realidade do conflito. Elas tinham uma provisão ilimitada de comida no castelo, e, às vezes, precisavam correr para um abrigo subterrâneo. Na opinião de Robert Lacey, um dos primeiros biógrafos da rainha Elizabeth II, “a atmosfera de 1939 não inspirava jovialidade em ninguém. Assim, a princesa Elizabeth se transformou de uma criança séria numa jovem séria, sem nenhuma pausa visível nesse continuum, e qualquer tendência que tivesse à excentricidade ou à revolta foi abafada”. Em 1942, o tio das jovens, George, duque de Kent, morreu em um acidente aéreo. A Guerra impediu que a herdeira do trono aproveitasse sua adolescência de forma mais calma. Os anos do conflito só fizeram reforçar sua natureza solene e seu senso de dever.
Para quebrar a monotonia da vida cativa em Windsor, a família real organizava brincadeiras e pantomimas no natal, onde as jovens princesas representavam papeis como o de Aladin e Cinderela. Elizabeth, porém, tinha outra opinião sobre essas atividades. Anos mais tarde, ela revelou que esses teatrinhos nada mais eram do que um artifício do rei para treina-las para uma vida de representações. Margaret se divertia muito com as pantomimas, mas Elizabeth não. Entre os convidados a prestigiar essas apresentações estava o príncipe Philip, que se desdobrava em risadas vendo a herdeira do trono fantasiada em trajes masculinos. É possível que o mútuo interesse entre o futuro casal tenha se fortificado ainda mais durante esse anos de conflito mundial.

Princesas Elizabeth e Margaret durante o período de Guerra, numa pantomima de Aladin.
O relacionamento entre as irmãs ficou muito tenso nos anos de confinamento. Algumas historietas contam que Margaret, quatro anos mais nova que Elizabeth, mordia a irmã em eventuais disputas, em resposta aos comentários maldosos que Elizabeth fazia sobre seu peso e falta de postura da pequena. Na opinião de Andrew Marr, “logo no início ficou bem claro para Margaret que, se sua irmã se tornasse rainha, ela ficaria à sua sombra para o resto da vida” (2012, p. 112). A evidência caiu como um duro golpe para a segunda filha do rei. Quando menores, as duas eram vestidas de forma igual e tratadas da mesma maneira. Mas a ascensão do pai ao trono alterou bastante a dinâmica da vida doméstica. Em vários momentos ouvia-se a princesa Margaret exclamar que “eu não sou ninguém”, ao passo que sua irmã mais velha a repreendia por sua falta de educação e bondade em público. “Margaret sempre quer o que eu quero”, retorquia a herdeira em determinados momentos.

No seu 18º aniversário, a rainha Elizabeth recebeu permissão para se alistar na ATS.

Elizabeth em 1945
Cansada da inércia de sua vida, enquanto outros membros da família real lutavam na Guerra, Elizabeth pediu com veemência aos pais para que tivesse uma participação mais ativa, para além dos pronunciamentos de rádio que fazia esporadicamente ou sua presença em cerimônias oficiais. Pouco antes do término do conflito, ela recebeu permissão para se juntar ao ATS, ou Auxiliary Territorial Service (Serviço Territorial Auxiliar), onde muitas mulheres atuavam em importantes papeis de apoio, servindo como operadoras de rádio, artilheiras antiaéreas, mecânicas e motoristas. Elizabeth recebeu aulas de mecânica de carros e caminhões e aulas de direção, além de treinamento militar. Essa foi uma rara oportunidade para que a herdeira do trono se envolvesse com outras pessoas de sua idade, muito embora fosse tratada com deferência pelo seu status de princesa. Depois das aulas, ela se retirava às pressas, sem poder desfrutar da companhia das colegas.

Elizabeth como membro da ATS

Elizabeth teve aulas de mecânica e aprendeu a dirigir caminhões e ambulâncias.
Foi publicado na época uma matéria pela Collier, onde se lia que “uma de suas principais alegrias [da princesa Elizabeth] era pegar sujeira debaixo das unhas, manchar suas mãos e exibir esses sinais de trabalho para suas colegas”. Com efeito, a jovem fez algumas amigas no ATS e é possível que esperasse fazer mais, não fosse a derrocada de Hitler antes disso. Para Andrew Marr: “em termos práticos, sua contribuição para a guerra foi mais uma exibição do que uma prática: uma bela e jovem princesa em uniforme militar, manuseando uma chave-inglesa, era uma ótima propaganda” (2012, p. 113). Quando a vitória finalmente foi anunciada, as duas princesas receberam permissão do rei para se reunir ao povo em comemoração nas ruas, cantando e celebrando de braços dados em pequenos grupos, do Ritz ao Hyde Park.

Elizabeth e Margaret com voluntárias na Segunda Guerra Mundial (1945)
Entre a multidão que se avolumava fora dos portões do palácio de Buckingham, as princesas, com seus gorros na cabeça, mal podiam ser reconhecidas, embora um militar holandês as tivesse identificado, mas sem fazer alarde. Um dos membros do grupo de Elizabeth, seu amigo lorde Porchester, relembrou que “todos estavam muito alegres, de braços dados, andando pelas ruas e cantando músicas que falavam sobre a guerra”. Para a princesa, esse foi um momento único, onde se misturou aos seus futuros súditos e celebrou ao lado deles.
Confira abaixo um vídeo contendo cenas propagando a atuação da princesa junto ao Auxiliary Territorial Service:
Bibliografia consultada:
MARR, Andrew. A real Elizabeth: uma visão inteligente e intimista do papel de uma monarca em pleno século 21. Tradução de Elisa Duarte Teixeira. São Paulo: Editora Europa, 2012.
Ótima matéria ,o texto ,as fotos e o video !
CurtirCurtir
Sem duvida, interessante.
CurtirCurtir
Dada a época e as histórias que a rodeam, é inegável que foi uma mulher à frente do seu tempo.
CurtirCurtir