MASSIE, Robert. Os Romanov: o fim da dinastia. Tradução de Angela Lobo de Andrade. Rio de Janeiro: Rocco, 2017.
Em 17 de julho de 2018, um dos assassinatos mais famosos da história completa 100 anos. Nesse dia, em 1918, Nicolau Romanov, sua esposa Alexandra, suas filhas Olga, Tatiana, Maria e Anastásia, e seu filho Alexei, foram fuzilados por uma comitê de execução no porão da casa Ipatiev, em Ecaterimburgo. O que se acreditava ser o fim de uma poderosa dinastia de imperadores, que séculos antes produzira nomes como Pedro I e Catarina II, na verdade deu início a um verdadeiro culto às vítimas, que se mantém até os dias de hoje. Para muitos, o desfecho da família imperial foi um dos atos mais sanguinários do governo bolchevique. Para outros, as mortes foram merecidas. Afinal de contas, vários súditos consumiram sua existência para que os czares tivessem uma vida de conforto. Há ainda aqueles que permanecem no meio-termo, argumentando que a derrubada do czarismo era necessária, mas as mortes das crianças não. O fato é que os Romanov continuam tão controversos quanto eram em décadas passadas. Centenas de livros já foram escritos sobre eles, por autores espalhados em todas as partes de mundo. Um dos mais renomados, porém, é Robert K. Massie, que em 1995 publicou The Romanovs: the final chapter, livro que oferece mais luz sobre a morte e o destino dos corpos do último imperador da Rússia e de sua família.

Robert K. Massie
Natural da cidade de Lexington (Kentucky, EUA), Robert K. Massie é historiador e biógrafo, graduado pela Universidade de Yale, com passagem por Oxford. Em 1967, ele publicou aquele que pode ser considerado o livro de maior alcance da sua carreira: Nicholas and Alexandra: An Intimate Account of the Last of the Romanovs and the Fall of Imperial Russia. A obra, que já foi adaptada inclusive para a televisão, lançou o nome de Massie ao círculo dos mais destacados estudiosos sobre a família Romanov. Trata-se de uma biografia conjunta do casal imperial, tendo como pano de fundo uma Rússia agitada por movimentos anarquistas, operários, pela Primeira Guerra Mundial e, na sequência, pelas revoluções de 1917. Nicholas and Alexandra, traduzido e publicado no Brasil em 2014 pela editora Rocco, se tornou uma obra de referência para todo pesquisador que se propõe a dissertar sobre a queda dos Romanov e seu trágico desfecho. Posteriormente, Robert K. Massie publicou Peter the Great: His Life and World (1980), obra de fôlego sobre o imperador Pedro I, responsável pela unificação e modernização do império russo, e, mais recentemente, Catherine the Great: Portrait of a Woman (2011), biografia de Catarina II, a princesa alemã que se tornou uma das mulheres mais ponderosas da história da Rússia e da Europa[1].
Com efeito, em 1995, quatro anos após os ossos das vítimas de Ecaterimburgo terem sido encontrados numa vala na floresta Koptyaki e exumados por uma equipe de antropólogos e geneticistas dos Estados Unidos e da Inglaterra, Robert K. Massie se debruçou sobre essa grande quantidade de fontes então inéditas, não trabalhadas por ele em Nicolau e Alexandra, e passou a escrever um novo livro, publicado naquele ano sob o título de The Romanovs: the final chapter (Os Romanov: o capítulo final). 22 anos depois, em 2017, a obra foi traduzida por Angela Lobo de Andrade, e publicada no Brasil pela editora Rocco, com o título de Os Romanov: o fim da dinastia. A escolha desse subtítulo, bastante diferente da edição em língua inglesa, diga-se de passagem, transmite ao leitor uma ideia equivocada acerca do conteúdo da obra. À primeira vista, tem-se a impressão de que o livro trata dos momentos finais de Nicolau e sua família, a exemplo da obra de Helen Rappaport, Os últimos dias dos Romanov (Record, 2010). Em vez disso, recebemos uma enxurrada de informações sobre a descoberta dos ossos, sobre os exames de DNA feitos para identifica-los, e sobre as inúmeras batalhas judiciais entre as entidades envolvidas no processo de exumação.

“Nicolau e Alexandra”, de Robert K. Massie (Rocco, 2014). Clique na imagem e adquira o livro pela Amazon
Diferentemente de Nicolau e Alexandra, ou mesmo de Pedro, o Grande e Catarina, a Grande, que possuem um estilo de escrita bastante literário e quase romanesco, em Os Romanov: o fim da dinastia o lado jornalístico de Robert K. Massie fala muito mais alto do que a voz do historiador. A obra é o resultado da leitura e da compilação de dados de uma série de artigos científicos, entrevistas e inquéritos judiciais, em torno dos ossos de Ecaterimburgo. Em alguns momentos, sua leitura chegar a ser bastante enfadonha, ao contrário de suas outras biografias. Para quem não leu Nicolau e Alexandra, a compreensão do livro pode ser um pouco mais complicada, uma vez que Massie inicia sua narrativa exatamente no ponto onde havia encerrado a da obra anterior. Talvez tenha sido por isso que o subtítulo original escolhido seja “O capítulo final”, uma vez que a obra de 1995 funciona como um complemento à de 1967. Quando publicou Nicolau e Alexandra, a Rússia ainda era uma país comunista e muitos dos documentos relativos aos últimos meses da família imperial eram mantidos sob sigilo. Nem mesmo o paradeiro dos corpos era claro, o que deu impulso a muitas teorias de sobrevivência dos Romanov, alimentadas pelos impostores que apareceram no século passado.
Dividida em quatro partes, Os Romanov inicia com uma narrativa do último dia de vida da família imperial, sua execução na madrugada de 17 de julho de 1918, e o sepultamento macabro dos corpos. Os ricos detalhes oferecidos por Robert K. Massie nessa obra, como o depoimento do chefe de execução, Yakov Yurovsky, por sua vez, não constavam em Nicolau e Alexandra. Graças ao contado com Edvard Radzinsky, autor do livro O último czar, Massie conseguiu dispor de fontes que revelavam o real paradeiro dos remanescentes humanos das vítimas[2]. Antes disso, o autor, baseado nas investigações de Sokolov, realizadas em 1919, defendia a hipótese de que os despojos de Nicolau e sua família haviam sido destruídos. Essa teoria foi derrubada em 1991, quando uma vala contendo 9 esqueletos foi escavada na floresta Koptyaki, nos arredores de Ecaterimburgo, onde os Romanov foram assassinados. O depoimento de Yurovsky, publicado pela primeira vez na obra de Radzinsky, ofereceu a pista que faltava para identificar a cova original. Uma vez recuperados os ossos, deu-se início a um árduo processo de identificação das vítimas, envolvendo os mais avançados e diversificados métodos da antropologia e da genética, em laboratórios da Inglaterra e dos Estados Unidos.
Não obstante, Robert K. Massie nos conta com riqueza de detalhes como os cientistas conseguiram estabelecer uma comparação do DNA contidos nos ossos com o de parentes vivos da família imperial, a exemplo do príncipe Philip, duque de Edimburgo, que é sobrinho-neto de Alexandra. Na sequência da obra, Massie discute sobre os impostores que ao longo do século XX reivindicaram as identidades de Alexei e Anastásia. Como dois dos membros da família imperial não foram encontrados ao lado dos outros corpos, isso deu mais força às teorias de que alguns deles poderiam ter sobrevivido ao massacre. A mais notória dentre os farsantes, contudo, foi Anna Anderson, que na década de 1920 afirmava ser Anastásia. Seu nome de batismo, como ficou provado mais tarde, era Franziska Schanzkowska, uma polonesa que trabalhava como operária em Berlim. Alguns membros da família imperial, como a grã-duquesa Olga, irmã de Nicolau II, chegaram a conhece-la, mas sua história convenceu a poucos deles. Entre seus maiores apoiadores estavam os filhos do dr. Botkin, que morreu junto com a família imperial. Sua filha, Marina, moveu uma ação judicial para conseguir um exame de DNA para Anderson, já falecida na década de 1990. Os resultados, obtidos em laboratórios da Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos, comprovaram que ela não tinha parentesco com os Romanov.
Com efeito, Robert K. Massie finaliza sua obra com um relato do paradeiros dos membros remanescentes da família imperial, que conseguiriam fugir da Rússia antes de serem assassinados pelos bolcheviques, e seus atuais descendentes. Entre eles, a grã-duquesa Maria Vladimirovna, que se autoproclama curadora do trono russo, e o príncipe Nicolau Romanov, que possui um parentesco de sangue mais próximo com o último imperador. Massie teve a oportunidade de entrevista-los por ocasião da descoberta dos ossos de Ecaterimburgo, contrastando assim a opinião dos dois pretendentes sobre uma possível restauração da coroa. Porém, conforme ressalta Geli Ryabov, cineasta que ajudou a encontrar a cova da família imperial, em depoimento à obra de Massie: “os [atuais] Romanov não são do interesse de ninguém aqui. […] O povo está cansado. Eles querem viver sossegados, sem ter que pensar que amanhã alguém vai chegar atirando de novo nos prédios do governo” (p. 250). Com 270 páginas, a obra de Robert K. Massie oferece importantes contribuições para a resolução do mistério envolvendo as vítimas de Ecaterimburgo. Todavia, as recentes investigações com os ossos da família imperial, e o plano do governo Putin para conceder um status especial para o clã Romanov, nos mostram que o capítulo final dessa história ainda está por ser escrito.
Renato Drummond Tapioca Neto
Graduado em História – UESC
Mestre em Memória: Linguagem e Sociedade – UESB
Notas:
[1] As três obras citadas neste parágrafo já foram traduzidas e publicadas no Brasil. “Pedro, o Grande”, pela Amarilys, e “Nicolau e Alexandra” e “Catarina, a Grande”, pela editora Rocco.
[2] A obra de Radzinsky foi publicada no Brasil em 1992, pela Editora Nova Cultural, com tradução de Vera Marques Martins.
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