Parte II – Decadência, prisão e santificação.
Por: Renato Drummond Tapioca Neto
Com Mary Stuart ao norte eu os seus aliados franceses ao sul, Elizabeth sentiu-se ameaçada quanto à segurança de sua permanência no poder e até mesmo da própria vida. O medo intensificou-se quando se deram início às negociações de casamento entre a rainha da Escócia e um príncipe estrangeiro. Não era segredo, por exemplo que Mary almejava aliar-se à Espanha, a maior potência católica, segundo alguns, para alijar politicamente a Inglaterra. Além disso, No quesito físico, quem comparasse as duas rainhas não tinha dúvidas de que Elizabeth não era tão bonita quanto a sua prima. Contudo, em um ponto os espectadores haviam de concordar: a soberana Inglesa era muito mais sensata e apta para governar que Mary, considerada uma mulher impulsiva, do tipo que preferia viver a intensidade do momento. Tinha forte inclinação para a aventura, era alta (cerca de 1,80 m), esbelta e uma talentosa dançarina. Todos esses atributos, aliados ao coquetismo francês, chamavam a atenção dos homens, fazendo com que muitos rumores de relações amorosas entre a senhora real e seus vassalos ganhassem proporções internacionais.

Mary Stuart de Luto Branco, segundo obra de François Clouet (1559-61)
A rainha Elizabeth, lutando consigo mesma, intermediou o casamento de Mary com outro descendente ao trono inglês: Henry Stuart, Lorde Darnley (também neto de Margareth Tudor, descendente do segundo casamento desta, com Archibald Douglas). O fruto dessa união teria direitos incontestáveis à coroa inglesa, mas, por hora, foi a única solução encontrada pera soberana da Inglaterra para aplacar os anseios políticos e carnais de Mary Stuart. O casamento se sucedeu no dia 29 de julho de 1565 e em 1 de janeiro do ano seguinte já era anunciada a gravidez da noiva. Porém, a paixão avassaladora que Mary sentiu por aquele rapaz de 19 anos não sobreviveu às primeiras semanas do matrimônio e quando do nascimento do primeiro filho, o futuro Jaime VI, os sentimentos dela por ele resumiam-se à indiferença. Na verdade, o fato é que Lorde Darnley não representava para Mary a figura masculina que ela tanto ansiava. Esse perfil se encaixava perfeitamente na figura do conde de Bothwell, aquele que viria a ser seu terceiro marido.
Personagem detestado entre os escoceses, James Hepburn, 4° conde de Bothwell, estava entre os que faziam parte de comitiva que trouxe Mary Stuart de volta à Escócia em 1561 e também a ajudou a escapar de uma turba de rebeldes furiosos quando se encontrava em estado avançado de gestação. Era, portanto, alguém que se fazia presente em seus momentos de necessidade. Assim como o referido conde, o consorte real partilhava de igual impopularidade, dado o seu comportamento explosivo e lascivo. A raiva de Mary contra o marido aumentou consideravelmente quando ele fora acusado de fazer parte do assassinato do secretário italiano da rainha, David Riccio. Era preciso encontrar um meio de se livrar do rei e a morte parecia o jeito mais rápido para tal. Mas quis mais uma vez as forças que guiam o destino dos homens que as suspeitas pelo assassinato de Henry Stuart, em 10 de fevereiro de 1567, caíssem justamente em cima dos supostos amantes: James, conde de Bothwell e Mary, rainha da Escócia.

Rainha Elizabeth I, cerca de 1576, por autor desconhecido.
O veredito de culpa pareceu ainda mais fundamentado quando Mary e Bothwell se casaram em 15 de maio, indo contra às expectativas de Elizabeth de que o suposto assassino de seu parente seria punido. Em carta à prima, datada de 24 de fevereiro, ela manifestava sua indignação:
Senhora: meus ouvidos ficaram tão ensurdecidos, minha compreensão tão aflita e meu coração tão assustado ao saber das terríveis notícias do abominável assassinato de vosso louco marido e meu primo morto que mal tenho inteligência para escrever sobre isso […] Contudo, eu vos exorto, suplico-vos que leveis essa coisa tão a peito que não temais tocar mesmo aquele que tendes mais próximo de vós se a coisa o tocar…
Essa fora a gota final para que uma junta de lordes confederados fizesse transbordar o poço de injúrias contra sua rainha ungida, aquela que era agora a Jezebel, a assassina, a prostituta francesa. Praticamente não restara outra saída para Mary que não abdicar de seu trono em favor do filho de um ano e três meses, a 15 de junho. No ano seguinte, após suas forças de resistência terem capitulado, Mary fogiu para Inglaterra, colocando-se sob proteção de sua “querida irmã”, Elizabeth I (Bothwell morreu em 14 de abril de 1578, numa prisão dinamarquesa). A partir daí, as coisas só tenderiam a piorar para as duas.
Desde sua chegada, não houve praticamente qualquer conspiração ou atentado contra a vida da rainha inglesa que não envolvesse o nome de Mary Stuart. A primeira delas, e talvez a principal, tinha como aliado o duque de Norfolk, primo pelo lado materno de Elizabeth, e uma legião de condes do norte da Inglaterra, salvaguardados por exércitos de suas províncias, que planejavam depor a “soberana herege” em prol da rainha católica (muitos súditos, após a cisão entre o clero inglês com o papado, ainda se mantinham fiéis a antigos dogmas). Circulavam-se rumores de que Mary estaria apoiando a causa dos rebeldes, a fim de conseguir liberdade de seu cativeiro e conquistar a coroa que ela acreditava ser sua por direito. Infelizmente, essa, assim como tantas outras tentativas de usurpar o trono, falhou, com Mary negando qualquer participação.

Mary Stuart, segundo miniatura de 1578, de Nicholas Hilliard
As consequências da rebelião dos Condes do norte foram devastadoras: o duque de Norfolk tivera a cabeça decepada e cerca de 700 pessoas envolvidas no levante foram enforcadas em praça pública. Elizabeth se recusava a uma audiência com sua prima, por temer que ela mesma fosse atraída pelo charme de Mary (a essa força de sedução, alguns chamavam de bruxaria), ao passo que seus conselheiros exigiam a execução daquela mulher. A Escócia recusava-se a recebê-la novamente e a França tinha assuntos mais importantes para resolver. O golpe final contra Mary Stuart veio em 1586, ao serem descobertas cartas com sua assinatura, que a incriminavam de tramar contra a vida da rainha inglesa. Fora então julgada pela câmara da Estrela, em Westminster, nos dias 15 e 16 de outubro, e declarada culpada, sentenciada à morte por decapitação. Estava na hora de Mary interpretar seu último papel, naquele circo de horrores ao qual sua vida se transformara, e ser elevada a algo que em vida ainda não alcançara: a santificação.
Referências Bibliográficas:
CHASTENET, Jacques. A Vida de Elizabeth I de Inglaterra. Tradução de José Saramago. 2ª edição. São Paulo: Círculo do Livro, 1976
DUNN, Jane. Elizabeth e Mary: primas, rivais, rainhas. Tradução de Alda Porto. – Rio de Janeiro: Rocco, 2004.
ZWEIG, Stefan. Maria Stuart. Tradução de Odillon Gllotti. – Rio de Janeiro: Guanabara, 1942. pp. 376.
Admiro muito a história de Mary Stuart rainha da Escócia , França ( por 1 ano , se não estou enganado ) .
É lamentável,que não tenha conseguido ser rainha também da Inglaterra
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