Pingente de 500 anos, associado a Henrique VIII e Catarina de Aragão, é descoberto!

Por: Renato Drummond Tapioca Neto

Entre os anos de 1509 e 1533, Henrique VIII da Inglaterra foi casado com a princesa espanhola Catarina de Aragão. Filha mais jovem da poderosa soberana Isabel I de Castela com Fernando II de Aragão, Catarina foi a primeira das seis esposas que Henrique teria em vida. Com ela, ele gerou apenas uma filha que sobreviveu à primeira infância, a princesa Maria, que acabou se tornando a primeira rainha reinante daquele Estado. Embora a memória coletiva geralmente se recorde melhor dos turbulentos anos vividos pelo casal, nos quais o monarca buscava a anulação de seu matrimônio para se casar em segundas núpcias com Ana Bolena, a convivência entre Henrique e Catarina era muito amistosa durante os primeiros anos de sua vida conjugal. Ele tinha pela esposa um enorme carinho e gostava de fazer demonstrações públicas de seu afeto por ela, fosse em torneiros de justas, nas decorações dos Palácios Reais, com as iniciais H.K. entrelaçadas, ou até mesmo na confecção de joias suntuosas. Recentemente, um pingente em formado de coração, com mais de 500 anos, foi encontrado com a ajuda de um detector de metais e os pesquisadores acreditam que a joia possa ter sido encomendada por Henrique VIII para simbolizar sua afeição pela filha dos reis católicos!

Henrique VIII e Catarina de Aragão foram casados de 1509 a 1533.

Pingente de ouro em formato de coração, anterior ao ano de 1530, com as iniciais entrelaçadas de Henrique VIII e Catarina de Aragão (Henry e Katherine).

Catarina de Aragão pertencia a uma das dinastias de reis mais poderosas de seu tempo: os Trastâmara. No final do século XV, seus pais, Fernando e Isabel, haviam expulsado os mouros da região de Granada e solidificado sua autoridade em toda a península ibérica e além-mar. Graças ao seu patrocínio à empresa marítima e comercial, os reinos espanhóis colonizaram boa parte do continente americano, aumentando ainda mais o poder e as riquezas dos dois soberanos. Desta forma, um casamento dinástico com qualquer uma das filhas da rainha Isabel representava uma importante aliança política. Em 1501, a jovem princesa Catarina, de 16 anos, viajou até a Inglaterra para se unir em matrimônio com o filho do rei Henrique VII, Arthur, príncipe de Gales. Infelizmente, seis meses depois, o herdeiro do trono morreu, deixando sua viúva numa posição bastante delicada dentro de uma corte estrangeira. Naquele período, Catarina era conhecida não apenas por sua inteligência e boas maneiras, como também por ser uma das princesas mais bonitas da Europa. Assim sendo, para assegurar a aliança com os reinos de Castela e Aragão, o rei Henrique VII concordou em casar a nora com seu segundo filho, o príncipe Henrique, seis anos mais jovem do que a cunhada. Para tanto, fora necessária uma dispensa emitida pelo Papa Júlio II.

Destarte, a suposta autoridade do Papa para conceder ou não essa permissão acabou se tornando o cerne da argumentação levantada pelo rei Henrique VIII em 1527, para solicitar a anulação do casamento real, tendo como base o Livro de Levítico, que condenava a união de um homem com a esposa de seu irmão. A sequência dos fatos levou ao rompimento da Inglaterra com a Sé de Roma e na fundação de uma nova instituição religiosa, a Igreja Anglicana, da qual o monarca era seu chefe supremo. Por outro lado, Catarina e Henrique estiveram casados desde a ascensão dele ao trono, em 1509, até a anulação de seu casamento em 1533 pelo arcebispo de Canterbury, Thomas Cranmer (embora o papa e a comunidade católica da Europa nunca tenham reconhecido tal decisão). Durante a década de 1510, por exemplo, o soberano adorava presentear sua esposa, dedicar-lhe várias homenagens exaltando sua virtude e compromisso para com a Coroa. É nesse contexto que se encaixa a joia recém-descoberta por Charlie Clark, de 34 anos, residente em Birmingham. Na ocasião, ele passava uma temporada com os amigos em Warwickshire (na região de West Midlands, Inglaterra). Usando um detector de metais, ele resolveu vasculhar os arredores da propriedade e acabou encontrando um tesouro inesperado: um pingente com as iniciais do rei e da rainha!

O arbusto de romã representa Catarina de Aragão, enquanto a rosa Tudor representa Henrique VIII (Crédito: Os curadores do Museu Britânico).

Com efeito, a descoberta pode mudar completamente o futuro de Charlie e de sua família. Enquanto ele caminhava pelo terreno da casa dos amigos com seu aparelho, no ano de 2019, em instantes o dispositivo começou a fazer o característico sinal de bipe. A princípio, ele acreditava que poderia ter encontrado uma lata de refrigerante velha, mas depois de revirar a terra rasa, encontrou uma grossa corrente de ouro composta por 75 elos, em cujo fecho se podia notar uma mão esmaltada, segurando o enorme pingente. Pesando 300 gramas, a peça é ricamente adornada com entalhes que representam um ramo da rosa Tudor (vermelha e branca) entrelaçada com a romã de Granada, os símbolos heráldicos de Henrique VIII e Catarina de Aragão, respectivamente. Na base do ramo, podemos ler a inscrição TOVS + IORS, que certamente significa “toujours” em francês, ou seja, “sempre”. No verso da joia, as inicias do rei e da rainha, “Henry e Katherine”, com o mesmo trocadilho francês embaixo. “Foi simplesmente excelente”, disse Clarke à CNN na quarta-feira, dia 01 de fevereiro de 2023. “Ninguém acha que você vai conseguir isso, especialmente na minha vida – eu posso imaginar em 30 vidas”.

Em seguida, Clark, que até então era apenas um iniciante no mundo da detecção de metais, consultou um especialista em Regton, uma loja em Birmingham, que então o encaminhou para um legista do Museu Britânico. Após ser submetida a várias análises laboratoriais, concluiu-se que a peça se tratava de fato de um achado original. Rachel King, curadora da Europa Renascentista no Museu Britânico, disse que se trata de um “achado único em uma geração”. Ela se lembra de quando viu o pingente pela primeira vez, teve suas dúvidas: “O que é isso? Isso é de verdade?”, perguntou-se. “E foi um desafio para mim no sentido de que isso poderia ser do século XIX, poderia ser apenas bijuteria”. Em uma das análises científicas feitas com a joia, comprovou-se que ela fora confeccionada antes do ano de 1530. “Este objeto acabou de sair do chão quase como se tivesse caído do céu”, disse King. “Temos a oportunidade de estudar um objeto que não foi submetido a todos esses processos de classificação que as pessoas historicamente tomaram… estamos recebendo algo que é, em certo sentido, uma informação bruta”. A descoberta, por si só, é de suma importância, uma vez que não sobreviveram muitos itens ligados a Catarina de Aragão até os dias de hoje.

Pesando 300 gramas, a peça é ricamente adornada com entalhes que representam um ramo da rosa Tudor (vermelha e branca) entrelaçada com a romã de Granada, os símbolos heráldicos de Henrique VIII e Catarina de Aragão, respectivamente. Na base do ramo, podemos ler a inscrição TOVS + IORS, que certamente significa “toujours” em francês, ou seja, “sempre”.

Charlie Clark (à esquerda) olha para o pingente em exposição no Museu Britânico, em Londres (Crédito: James Manning/PA Images/Getty Images).

Uma vez feita a análise laboratorial, os especialistas partiram para o estudo comparativo com outras peças que remontavam ao mesmo período. Ao que tudo indica, algumas partes do pingente parecem ter sido feitas com certa pressa, o que fez com que a equipe levantasse a hipótese de que a joia fora montada para ser usada como parte de algum traje durante um dos famosos torneios que o rei Henrique VIII tanto gostava de organizar. Até o momento, não há como provar se o monarca ou sua esposa tenham de fato usado o adereço. Para Clark, a joia pode mudar significativamente sua vida quando for vendida. Em depoimento à CNN, ele revelou que espera usar o dinheiro para a educação de seu filho de 4 anos: “As pessoas dizem que é como ganhar na loteria, mas as pessoas ganham na loteria, as pessoas não encontram as joias da coroa, não é?”, disse ele. A descoberta foi anunciada pelo Museu Britânico como parte do lançamento do Relatório Anual do Tesouro para 2020 e do Relatório Anual do Esquema de Antiguidades Portáteis para 2021. Os documentos mostram que cerca de 45.581 dos achados arqueológicos (incluindo mais de 1.000 tesouros), foram registrados só em 2021. Desse total, 96% foi encontrado por pessoas com detector de metais. A maioria dos achados são oriundos das regiões de Norfolk e Kent.

De acordo com a Lei do Tesouro de 1996, qualquer localizador possui a obrigação legal de relatar todas as descobertas de potenciais antiguidades às autoridades locais, oferecendo assim aos museus a oportunidade de fazer uma oferta para sua aquisição. Em seguida, a taxa da venda é dividida igualmente entre o localizador e o proprietário do terreno. Clark disse que, uma vez que o item seja vendido, o dinheiro mudaria a vida de seu filho: “Birmingham é um lugar bastante difícil, exatamente de onde eu sou”, disse ele. “Se eu pudesse obter uma boa educação para ele a partir disso, esse seria o benefício de tudo isso”. Hartwig Fischer, diretor do Museu Britânico, disse que é “fantástico” que tantos achados tenham sido registrados e adquiridos por museus, para benefício do público: “O Museu Britânico está orgulhoso de seu papel na execução do Esquema de Antiguidades Portáteis e na supervisão da administração da Lei do Tesouro de 1996 na Inglaterra”. Para ele, “é fantástico que em 2021 tantos achados tenham sido registrados”. Já Duncan Wilson, executivo-chefe da Historic England, disse: “Este belo pingente é uma descoberta emocionante, dando-nos uma conexão tangível com Henrique VIII e Catarina de Aragão”, ao mesmo tempo em que “enriquece nossa compreensão da Corte Real na época”.

Fontes:

BBC News. Tudor pendant linked to Henry VIII among new finds. 2023. – Acesso em 05 de fevereiro de 2023.

CNN Style. Amateur detectorist finds stunning gold necklace linked to Henry VIII. 2023. – Acesso em 05 de fevereiro de 2023.

News.com.au. Man’s life-changing Henry VIII find with metal detector. 2023. – Acesso em 05 de fevereiro de 2023.

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