Por: Renato Drummond Tapioca Neto
A escultura é uma das expressões mais sublimes do gênero artístico. Desde as antigas civilizações, os seres humanos sentiram a necessidade de representar divindades e a si mesmos através de materiais como pedra, bronze, madeira e/ou argila. Com o passar dos séculos, as técnicas de entalhamento e modelagem foram se aperfeiçoando, diante da necessidade do artista frente à sua época. Nossa cultura herdou muito da ideia de beleza associada à harmonização das formas, presente no pensamento da Idade Clássica. Nomes como Michelangelo, Bernini, Lombardi e Strazza se tornaram sinônimo de realismo e perfeição. Ao lado de outros artistas, eles criaram verdadeiras obras-primas do gênero, que continuam encantando gerações não só pela delicadeza da mensagem gravada sobre a pedra, mas principalmente pelo modo como eles conseguiram capturar a concretude das formas do corpo humano e seus sentimentos. Assim, eles tiveram êxito ao transpor ideias e crenças individuais ou coletivas para o plano das coisas tangíveis. Muito mais do que meras representações inanimadas, o trabalho desses artistas contam uma deliciosa narrativa. Nessa matéria, selecionamos algumas das mais belas esculturas já produzidas pela sensibilidade artística do ser humano.

Suposto busto de Cleópatra VII do Egito, que se encontra atualmente exposto no Altes Museum, em Berlim. Escrevendo cerca de dois séculos após a morte da rainha, Cassius Dio a definiu como “uma mulher de beleza extraordinária”, que era “brilhante de se ver”. Contudo, na opinião de Plutarco, que viveu entre 46 d.C. e 120 d.C. (portanto, mais de 70 anos depois da morte de Cleópatra, embora mais próximo dela do que Cassios Dio), “sua beleza não era algo incomparável, nem para aqueles que a viram pessoalmente”. A opinião de Plutarco, por sua vez, encontra suporte nas efígies da soberana que aparecem em algumas moedas de seu tempo, criadas por volta de 31 a.C., quando a monarca tinha por volta de 38 anos. Com efeito, é preciso ressaltar que essas representações da monarca, de forma um pouco masculinizada, estavam estritamente ligadas a uma jogada política para aproximar Cleópatra dos seus antepassados da dinastia Ptolomaica, equiparando seu governo ao deles. Em todo caso, fica a pergunta: de onde surgiram os rumores de uma beleza mítica? É possível que algumas dessas falácias tenham começado no próprio tempo de vida dela, através de cortesãos e artistas bajuladores, ou mesmo através de seus inimigos. Afinal, Octaviano, mais tarde imperador Augusto César, explorou bastante a lenda de que Cleópatra, com seu charme, teria seduzido Marco Antônio a se mudar para o Egito e a trair sua pátria.

O magnífico Colosso de Appennino, também conhecido como o deus da Montanha. Trata-se de uma escultura em tamanho monumental, feita entre os anos de 1579 a 1583 por Jean de Boulogne, mais conhecido como Giambologna, no parque Mediceo Di Patrolino, na Toscana (próximo de Florença). O gigantesco velho de barbas longas mede 14 metros de altura e olha para as águas enquanto parece se levantar de seu longo sono. Sua estrutura também se integra perfeitamente à rocha sobre a qual foi edificada, o que empresta à escultura um efeito impressionante e ao mesmo tempo assustador. A obra foi comissionada pelo grão-duque Francesco I de Médici, por ocasião de seu casamento com Bianca Capello. O que poucos sabem, porém, é que o interior do monumento é repleto de túneis e câmaras secretas, incluindo uma sala de estar, que servia para o desfrute da família Médici e de seus convidados. Em 2013, o Colosso de Appennino foi considerado Patrimônio da Humanidade.

Busto de Maria Duglioli Barberini, esculpido em mármore no ano de 1626 pelo artista barroco Giuliano Finelli, sob encomenda do papa Urbano VIII (tio de Maria). O artista foi tão preciso ao reproduzir os detalhes da roupa da modelo, como o bordado em alto-relevo, as dobras das mangas e as joias, que até mesmo a renda no colarinho em estilo rufo elisabetano parece ser feita de tecido, embora na verdade seja puro mármore. Chama atenção também o realismo dos fios nos cachos de cabelo da jovem. Atualmente, essa obra-prima se encontra em exposição no Museu do Louvre, Paris.

Notas musicais entalhadas no monumento funerário do compositor George Frederic Handel, falecido em 1759 e sepultado no transepto sul da Abadia de Westminster, em Londres. Ele foi o autor de “Zadok the Priest”, melodia criada para o rei George II e usada desde então nas cerimônias de coroação de cada monarca britânico. Obra do escultor Louis François Roubiliac.

O amor petrificado em mármore. Detalhe da scultura de Eros e Psiquê, por Antonio Canova (1787-1793). O artista retratou o exato momento em que o cupido revive sua amada com um terno beijo. Atualmente, a peça se encontra no acervo do Museu do Louvre.

Estátua de Pauline Bonaparte como Venus Victrix (Vênus Vencedora), esculpida em Roma entre os anos de 1805 e 1808 por ninguém menos que o mestre Antonio Canova. A escultura, de estilo neoclássico, recupera os padrões artísticos em voga na Roma Antiga e apresenta Pauline seminua, reclinada sobre um divã, como a divindade pagã que ela encarna. Nas suas mãos, podemos observar o pomo dourado que faz referência à vitória de Afrodite/Vênus no julgamento de Páris. Embora não se saiba de Pauline posou realmente nua para o artista, ou se seu corpo é uma versão idealizada como eram os das estátuas da deusa do amor, o resultado da obra é simplesmente estupendo. O mármore possui um reflexo e luminosidade ímpares. A princípio, ela ficou exposta na casa de Pauline e seu marido, Camillo Borghese, em Turim, passando depois por Gênova, até encontrar morada fixa numa magnífica ala da Galleria Borghese, em Roma.

“Mefistófeles e Margaretta”, dupla escultura confeccionada em madeira, esculpida na França durante o século XIX por um artista desconhecido, baseado na obra “Fausto” (1808), de Goethe. A narrativa apresenta a personagem Mefistófeles, ou seja, o próprio diabo, que faz um pacto de sangue com Fausto, protagonista do livro, que busca com isso a realização de suas ambições. Mefistófeles posa orgulhosamente para o observador, com seu peito estufado e os chifres levemente encobertos por um capuz. Um bigode pontudo e uma barba espessa lhe emolduram o rosto. Atrás dele, vemos a virginal Margaretta (ou Gretchen), por quem Fausto se apaixona. Sua candura é o contraste perfeito para com a maldade da imagem diabólica virada para o público. O observador só pode contemplar Margaretta a partir de sua imagem refletida no espelho. Ela olha para o chão de forma contrita, como se estivesse triste pela sina de Fausto. Em última análise, essa dupla escultura também representa dualidade entre o bem e o mal que existe dentro de cada indivíduo. Atualmente, a obra-prima se encontra em exposição no Salar Jung Museum, em Hyderabad, na Índia. Porém, uma cópia idêntica pode ser apreciada no Instituto Ricardo Brennand, em Recife-PE, no Brasil.

Seria possível ver através da pedra? Por meio de técnicas envolvendo o uso da luz e o polimento, o artista italiano Raffaelo Monti criou a ilusão de que isso pode ser feito. Em sua “virgem velada” (busto esculpido em mármore no ano de 1860), o topo da cabeça e os ombros da vestal são lisos e polidos, atraindo maior incidência de luz. Assim, a sombra se concentra principalmente no rosto, sugerindo a textura do tecido diáfano que encobre o rosto da modelo, coroada por delicadas flores esculpidas. Uma obra-prima desse gênero artístico.

“Rebecca Velada”, escultura de Giovanni Maria Benzoni, concluída em 1864. O artista neoclássico usou a técnica do véu de mármore, que cobre o rosto da modelo como uma espécie de gaze ou tule, transparecendo levemente os contornos do seu rosto. O tecido diáfano desce até a mão de Rebecca que, aberta, convida o observador a olhar mais atentamente para os detalhes das dobras e bordados das várias camadas do seu vestido. Impressionante! A obra se encontra atualmente em exposição no Salar Jung Museum, em Hyderabad, na Índia.

“Ondina emergindo das águas”, obra de Chauncey Bradley Ives, feita em 1880. Executada sobre o mármore, a estátua de Ives apresenta um efeito de transparência inacreditável. O tecido diáfano foi esculpido sobre o copo da ninfa das águas de tal forma, que temos de impressão de que a roupa está realmente molhada.

Detalhe da escultura feita em 1908 por Gaetano Cellini, intitulada “L’Umanità Contro Il Male” (A Humanidade conta o Mal). Esculpida em mármore, a obra choca o observador pelo realismo na representação dos músculos, veias e tendões do corpo masculino. A arte impressa sobre a pedra parece ganhar vida, oferecendo-nos um simulacro da miséria humana em luta constante contra a maldade que a sustenta. Atualmente, a obra se encontra em exposição na Galeria Nacional de Arte Moderna de Roma.

“Belsabé”, estátua esculpida em argila com acabamento em bronze, pelo talentoso artista americano Benjamin Matthew Victor. O artista aplicou a técnica do véu translúcido sobre o material da escultura, de forma pouco vista em similares do gênero (mais comum em mármore). O vestido encobre o copo da modelo como se fosse tule ou uma gaze diáfana, delineando suas formas por baixo dos vincos do tecido. Atualmente, Benjamim é um dos três artistas vivos com obras expostas no National Statuary Hall, no prédio do Capitólio em Washington D.C.

“The Angel” é uma escultura do artista americano Benjamin Victor, feita em 2017. A argila foi modelada de forma impressionante pelo artista, já que a figura angélica parece flutuar acima do solo. Inspirada nas fotografias da dançarina Dayna Marshall, a obra possui uma delicadeza ímpar na sua execução, desde a transparência na textura das dobras do longo vestido do anjo etéreo, até o formato de suas asas. Atualmente, se encontra em exposição no National Statuary Hall, no prédio do Capitólio dos Estados Unidos.

Escultura feita pela artista chinesa Luo Li Rong, usando materiais como argila, madeira, cera e pedras. Famosa por suas figuras femininas, Rong cria modelos extremamente realistas, como se estivessem posando para as lentes de um fotógrafo. Na imagem em destaque, a roupa da estátua (que parece estar sendo soprada pelo vento, denotando movimento) foi pintada para passar ao observador uma ideia de transparência.

Incrível escultura da artista chinesa, Luo Li Rong. Conhecida por seus trabalhos modelados em argila, madeira, cera e pedras, Rong cria figuras femininas com um realismo exímio. Suas modelos parecem estar em movimento, enquanto temos a impressão de que os finos tecidos que cobrem seus corpos estão prestes a seguir o curso do vento. Conforme podemos observar na imagem em destaque, o véu diáfano sobre o corpo parcialmente desnudo da estátua adere à sua pele de uma forma magnífica, como se fosse uma onda do mar.

Estátua do deus Poseidon, esculpida pelo artista Luis Arencibia e assentada sobre um pedestal dentro das águas da praia de Melenara, na cidade de Las Palmas, capital da Gran Canaria (uma das Ilhas Canárias da Espanha). O efeito impressionante das ondas se chocando contra a estátua passa ao observador a impressão de que a divindade do oceano se ergue com seu tridente do fundo de seu reino submarino em direção à superfície.

Escultura de fantasma, esculpida sobre o parapeito do terraço do Castello di Vezio, localizado em Perledo di Varenna, na Itália. O visitante que se aproxima da aparição fantasmagórica pode apreciar uma vista impressionante do belíssimo Lago de Como.

Escultura de um fantasma vitoriano, atravessando um espelho com moldura antiga. Esse impressionante trabalho foi feito pelo artista Michael Locascio.

Estátua do rei Arthur, localizada no castelo de Tintagel, em Cornwall, na Inglaterra. Feita em bronze maciço pelo escultor galês Rubin Eynon e instalada em abril de 2016, a obra de arte passa a impressão de estar deteriorada pelo tempo e sendo varrida pela ação dos ventos, assim como os vestígios da existência física do lendário soberano, que migrou do reino da História para o reino da Ficção, alimentando o imaginário de milhares de pessoas ao longo dos séculos. Não obstante, a escultura recebeu o título de “Gallos”, que deriva de uma palavra usada na região como sinônimo de poder.

Estátua dedicada à rainha Jinga (ou Nzinga) de Matamba, em Angola. Por quatro décadas, a poderosa soberana africana usou a guerra e a diplomacia para impedir o avanço do colonialismo português em seus territórios, no século XVII. Embora tenha sido uma das mulheres mais importantes da história da África, não existe qualquer retrato ou ilustração contemporânea do rosto da rainha Jinga de Angola, que reinou entre os anos de 1622 a 1663. A maioria das imagens produzidas sobre ela são baseadas nos escritos de Frei Cavazzi, que viveu na corte de Ndongo durante o governo da soberana. Numa litogravura clássica, feita muitos anos depois de sua morte, Jinga aparece de forma bastante europeizada, para não dizer também sexualizada, com o seio esquerdo à mostra. Levando isso em consideração, a estátua da soberana oferece ao apreciador outro perfil, mais imponente. A soberana está vestida em ricos tecidos, com um machado de guerra na mão direita, símbolo de sua realeza e coragem em batalha.
Obs. Não possuímos quaisquer direitos sobre as fotos das esculturas postadas nessa matéria. Contudo, as montagens e as legendas são de inteira reponsabilidade do autor. Elas foram postadas originalmente na página do Rainhas Trágicas no Facebook. Em caso de reprodução total ou parcial desse conteúdo, por gentileza, acrescente as devidas referências.
Enriquecedor esse post. Amei!
CurtirCurtir