Por: Renato Drummond Tapioca Neto
Um painel composto por um conjunto de bordados feitos por Mary Stuart, rainha da Escócia, será exposto na residência de Oxburgh Hall, em Norfolk (Inglaterra), nos próximos dias. A peça, por sua vez, foi confeccionada por Mary durante seus longos anos como cativa de sua prima e muitos historiadores acreditam que o objeto está repleto de mensagens subliminares. Feitos entre os anos de 1569 e 1584, os bordados da trágica soberana escocesa apresentam ilustrações que sugerem seu estado de espírito naquela fase traumática de sua vida, suas frustrações com relação à rainha Elizabeth I, bem como os sonhos de uma liberdade que jamais chegaria, exceto através da lâmina cruel do machado do carrasco. Por meio de sua arte, Mary Stuart consegui se expressar de tal forma, numa época em que uma série de conspirações envolvendo seu nome contra a soberana inglesa estouravam por todos o reino!

“The Marian Hanging”, painel bordado por Mary Stuart, rainha da Escócia (Imagem: National Trust).
Não obstante, fazia parte da educação feminina do período os chamados trabalhos de agulha. Costurar, tricotar e bordar eram algumas das atividades que as jovens da aristocracia aprendiam, juntamente com as lições de música, canto e desenho. Dessa forma, elas se preparavam para o matrimônio e a vida como senhoras de alguma mansão. Porém, no caso de uma rainha reinante, a exemplo de Mary Stuart e da própria Elizabeth em seus anos de formação, elas receberam uma instrução que ia muito além, incluindo aulas de direito e política, de modo a que estivessem prontas para futuro, não apenas para o casamento dinástico, mas principalmente como chefes de Estado. Embora não se esperasse que um dia Elizabeth viesse a herdar o trono, isso não foi empecilho para que seu pai, o rei Henrique VIII, providenciasse para ela uma educação sublime. Algo que se mostraria muito útil quando ela assumiu a coroa, em 1558.
Quanto a Mary Stuart, bordar e costurar eram algumas das poucas atividades às quais ela se entregava para passar seu tempo, enquanto era mantida sob estrita vigilância. As peças por ela confeccionadas hoje se constituem em um verdadeiro tesouro, mantido pelo National Trust. Os bordados foram então emprestados para a propriedade de Oxburgh Hall, uma mansão do século XV cercada por um fosso, localizada nas proximidades de Swaffham. Ali, as peças ficarão em exposição para o público numa sala especialmente climatizada. Donna Baldwin, gerente geral da Oxburgh, disse: “Os bordados são importantes e belas obras de arte e contam a história de um importante momento histórico”. Para ela, “As mensagens ocultas nas cortinas são muito inteligentes e os visitantes gostam de tentar descobrir a intrigante história por si mesmos”.

Detalhe do Marian Hanging, em exposição em Oxburgh Hall (Imagem: National Trust).
Durante seus 19 anos de cativeiro inglês, Mary foi mantida pela maior parte do tempo na propriedade de Hardwick Hall, sob os olhos atentos de George Talbot, conde de Shrewsbury. Ao lado da esposa do conde, Elizabeth Talbot, mais conhecida como “Bess de Hardwick”, Mary bordou muitas tapeçarias. As confecções, que estão emprestadas a longo prazo pelo Victoria and Albert Museum, em Londres, incluem um painel conhecido como Marian Hanging. A peça contém várias imagens sugestivas e foi feita por volta do início da década de 1570, quando o duque de Norfolk, primo materno da rainha Elizabeth, liderou uma rebelião contra a coroa, que tinha por objetivo destronar a monarca e instalar Mary Stuart em seu lugar, não só como rainha, mas também como esposa do duque. A tapeçaria apresenta uma imagem central encimada pelo monograma de Mary, na qual uma mão segurando uma foice está prestes a podar um galho seco e estéril, para que a videira ao lado possa crescer e dar frutos.
Com efeito, a peça, entregue ao duque de Norfolk, acabou sendo utilizada como uma espécie encorajamento para seu levante, uma vez que o ramo seco que supostamente representava Elizabeth I, uma soberana solteira e sem filhos, deveria ser podado para que a videira, simbolizando Mary (que já havia se casado anteriormente por três vezes e era mãe do pequeno James VI da Escócia), crescesse e frutificasse. Nesse caso, para que a linhagem real prosperasse, o ramo estéril precisava ser removido o quanto antes! Infelizmente para os planos do duque de Norfolk, sua rebelião acabou sendo sufocada pelos soldados da coroa e mais de 700 pessoas foram enforcadas como punição. O próprio duque fora decapitado na Torre de Londres em 1572, ou seja, 14 anos antes de Mary Stuart encarar o mesmo destino, em 1587. O bordado, porém, permaneceu entre as posses da família Howard por mais de um século.

Oxburgh Hall, em Norfolk, onde o bordado de Mary voltará a ser exibido (Imagem: National Trust).
Embora Mary nunca tenha permanecido em Oxburgh Hall, dentre as muitas residências nas quais elas esteve hospedada por quase duas décadas, a mansão recebe agora essas peças de valor inestimável. Acredita-se que seus bordados chegaram a Norfolk depois que Mary Browne, de Cowdray Park, casou-se com Sir Richard Bedingfeld, dono do salão em 1761. A família Browne, por sua vez, já havia herdado objetos e relíquias pertencentes a Mary, oriundas da família Howard. Os visitantes poderão ver os painéis em exibição no Oxburgh Hall. A casa estará aberta para visitas guiadas às quintas e sextas-feiras (mediante marcação à chegada) e livremente aos sábados e domingos, entre as 11h00 e as 14h30.
Fonte: Eastern Daily Press – Acesso em 23 de novembro de 2022.