Por: Renato Drummond Tapioca Neto
Catarina II da Rússia entrou para a história como uma das monarcas mais ilustradas de seu tempo. Quando o primeiro método de imunização contra a varíola foi inventado, a inoculação (uma forma primitiva de vacinação) ela foi a primeira em seu país a se submeter ao procedimento. No seu discurso para o Senado, a soberana respondeu: “Meu objetivo foi, através do meu exemplo, salvar da morte meus muitos súditos que, não conhecendo o valor dessa técnica, amedrontados, estavam em perigo”. Em meados do século XVIII, surtos de varíola matavam com frequência milhares de pessoas em toda a Rússia e no continente europeu. Uma vez que a eficácia da inoculação havia sido comprovada, Catarina queria que toda a população de seu império fosse imunizada a partir de uma ação do governo que ela chamou num documento datado de 1787 como “variolação”. A soberana procurava a proteção ampla de todos os seus súditos contra essa doença altamente infecciosa, evitando assim as muitas mortes que ela causava. A carta contendo as instruções de Catarina foi vendida num leilão em Londres pela impressionante soma de 1,3 milhões de dólares (cerca de 7.377.644,6 de reais, em câmbio atual)!
Como muitos líderes mundiais hoje, que lutam pela vacinação das pessoas contra a pandemia do novo Coronavírus e suas variantes (a exemplo da Ômicron), Catarina estava bastante preocupada com a saúde de seu povo e incentivou uma política de imunização em massa. De acordo com um trecho traduzido da carta, fornecido pela casa de leilões MacDougall’s: “Essa inoculação deveria ser comum em todos os lugares”, escreveu ela, “e agora é ainda mais conveniente, uma vez que existem médicos ou assistentes em quase todos os distritos e não exige grandes despesas”. O documento foi leiloado juntamente com um retrato da soberana, pintado por Dmitry Levitsky. Catarina aparece na tela usando uma pequena coroa e um manto forrado com pele de arminho. Antes da venda ser concretizada, a casa de leilões estimava que as duas peças juntas poderiam ser vendidas por um valor estimado entre 1 milhão e 1,6 milhões de dólares. Os objetos eram provenientes de uma coleção particular, cujo proprietário não quis ser identificado. Mas, diferentemente da carta, o retrato da soberana já havia sido emprestado para exposições em museus de São Petersburgo e Moscou.

Detalhe do retrato da soberana, pintado por Dmitry Levitsky.
O aparecimento da carta, porém, despertou o interesse de mais de 100 jornais de notícias, buscando uma entrevista com a diretora da casa de leilões, Catherine MacDougall. Datado de 20 de abril de 1787, o documento foi originalmente endereçado a um oficial russo chamado Piotr Aleksandrovich Rumiantsev, ou conde Zadunaysky, como era mais conhecido. Na missiva, Catarina dizia ao seu correspondente que uma de suas funções mais importantes como oficial da província “deveria ser a introdução da inoculação contra a varíola, que, como sabemos, causa grandes danos, especialmente entre as pessoas comuns”. A soberana, que já havia sido inoculada duas décadas antes ao lado de seu filho, Paulo, usando o método do médico escocês Thomas Dimsdale, escreveu ao embaixador russo na Grã-Bretanha, conde Ivan Grigorievuch Chernyshev: “Começando por mim e por meu filho, que também está se recuperando, não há nenhuma casa nobre em que não haja várias pessoas vacinadas, e muitos lamentam ter tido varíola e naturalmente por isso não se encontram apresentáveis”.
Na opinião do professor Hartnett, Catarina tomou essa atitude “como uma forma de mostrar ao povo russo que era seguro e poderia manter a doença sob controle”. Através do seu exemplo, ela esperava que as pessoas criassem coragem e também se submetessem ao método da inoculação, que consistia na injeção de material extraído das pústulas de uma pessoa contaminada pela varíola, que estivesse em estado de convalescença. Um corte era então feito no braço do paciente e o líquido ali inserido. Passados alguns dias, o paciente desenvolvia uma versão moderada da doença, o suficiente para que o organismo desenvolvesse anticorpos. Assim, ele ou ela estaria imune ao vírus no futuro. Quase duas décadas depois que a soberana foi imunizada utilizando o método de Thomas Dimsdale, em 1768, Catarina II empreendeu uma verdadeira campanha a favor da inoculação, com a criação de postos de saúde nas várias províncias do império. Até a década de 1780, período em que a carta recentemente leiloada foi escrita, cerca de 20 mil russos já haviam sido inoculados.

Uma das páginas da carta de Catarina II.
Com efeito, a monarca exortava ao conde Zadunaysky: “Entre as outras funções dos Conselhos de Previdência nas Províncias que lhe foram confiadas, uma das mais importantes deveria ser a introdução da inoculação contra a varíola”. Devido à precariedade de saneamento em algumas vilas nas Províncias, ela temia que as pessoas que residiam em tais lugares estivessem mais suscetíveis ao contágio. Na carta, ela dizia:
Para exemplificar, emita uma ordem pela primeira vez em cada vila provincial, para contar as restantes residências conventuais supérfluas ou os pequenos mosteiros que foram abolidos, e construir o número mínimo de alojamentos para a estada temporária daqueles que não podem ter essa vacina em casa; o dinheiro necessário para isso pode ser emprestado das receitas da cidade.
Os médicos provinciais podem corrigir esta questão, especialmente porque agora há pessoas enviadas por nós que têm um salário baixo contra os regulamentos: então, uma vez que o Dr. Gund em Novgorod-Seversky pode realizar esta inoculação com sucesso, então acrescente trezentos rublos à sua salário regular da renda remanescente das propriedades do antigo mosteiro. A propósito, continuamos com uma disposição favorável para com você.
Ao final da carta, a missivista assinava simplesmente como Ekaterina (Catarina). A soberana levou sua política de “variolação” com seriedade até sua morte, em 1796. Ela se referia aos governantes europeus do período que não tomavam essas medidas preventivas como “estúpidos, ignorantes, ou simplesmente maldosos”, por permitir que as vidas de seus súditos corressem perigo. O método de inoculação foi depois aperfeiçoado pelo médico Edward Jenner, que inventou a vacina moderna contra a varíola. Quando a Rússia adentrou no século XIX, mais de 2 milhões de sua população já estava imunizada.
Fontes: News Week, The New York Times e The Washington Post – Acesso em 27 de dezembro de 2021.
Bibliografia Consultada:
_. Os Románov: 1613-1918. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.
Catarina, além de ser rainha é também uma pessoa maravilhosa de ajudar os seus súditos contra a doença. Incentivava às províncias para auxiliar ao imunização do súditos. É magnífica soberana.
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