O falcão coroado: emblema de Ana Bolena esculpido em madeira é encontrado!

Por: Renato Drummond Tapioca Neto

Em 1533, o casamento de Henrique VIII com Catarina de Aragão foi considerado inválido pelo novo Arcebispo de Canterbury, Thomas Cranmer. Numa atitude arbitrária para com a Sé da Igreja Católica em Roma, que ainda estava avaliando o caso, ele declarou que o matrimônio do soberano com Ana Bolena, Sra. Marquês de Pembroke (celebrado secretamente no dia 25 de janeiro daquele ano), era legítimo diante dos olhos de Deus e dos homens. A nova rainha estava exultante e tinha toda razão. Afinal, esperava para o mês de setembro a criança que todos achavam que seria o rebento pelo qual o rei Henrique tanto ansiava. Para seu emblema real, a segunda esposa do monarca escolheu um falcão branco coroado, segurando um cetro com uma das garras (símbolo de seu poder régio) enquanto rosas Tudor vermelhas com branco brotavam do chão. Em contrapartida, a romã de granada, emblema escolhido pela filha dos reis católicos quando se casou em 1509, foi substituída em todos os palácios, vitrais, barcaças e coches reais pelo falcão de Ana Bolena. Três anos depois, esses símbolos gravados eram destruídos, juntamente com a mulher que eles representavam.

Falcão coroado, esculpido em madeira de carvalho na década de 1530, que possivelmente pertenceu a Ana Bolena.

Todavia, recentemente, um dos emblemas da rainha Ana, esculpido em madeira de carvalho, foi descoberto num leilão e vendido pelo modesto preço de 101 libras. O que seu comprador, Paul Fitzsimmons, não sabia é que estava levando consigo uma relíquia que possivelmente pertenceu à esposa decapitada de Henrique VIII. “Eu sabia que era Tudor, e eu sabia que era de associação real e do século XVI… foi um achado maravilhoso”, declarou ele. Descobertas como essa são bastante raras, uma vez que durante o processo de prisão, julgamento e execução de Ana Bolena (ocorrido entre os dias 2 e 19 de maio de 1536), os carpinteiros e vidraceiros do rei Henrique VIII se apressaram em destruir qualquer evidência que remontasse ao seu passado como rainha. Numa ação conhecida como damnatio memoriae, praticada desde os tempos do império romano, era como se ela nunca tivesse existido. Seus retratos oficiais foram destruídos, assim como seus objetos pessoais. Suas insígnias também foram apagadas de locais públicos e sequer foi preparado para ela um sepulcro digno na capela de St. Peter Ad Vincula, na Torre de Londres. O corpo e a cabeça de Ana Bolena foram sepultados numa caixa para flechas e enterrados no chão do coro, em uma tumba incógnita.

Com efeito, 10 dias depois de sua morte, o rei tomava uma nova consorte, Jane Seymour. Sendo assim, é muito difícil encontrar hoje objetos relacionados ao período em que a filha de Sir Thomas Bolena foi rainha. Nas palavras de Antonia Fraser, ela havia se tornado uma espécie de não-ser depois de sua execução para na geração seguinte aparecer novamente como a mãe da monarca reinante. Mas nem mesmo durante o reinado de Elizabeth I (única criança nascida do segundo casamento do rei), foi feita uma tentativa em prol de restabelecer a memória de Ana. Aquela que ficou conhecida como “a rainha Virgem” sempre ressaltava o fato de ser filha de Henrique VIII, fonte de onde provinha sua autoridade para governar, e não de uma mulher decapitada por graves acusações. Apenas no século XIX, quando foi ordenada uma restauração na capela da Torre, os possíveis remanescentes humanos da segunda esposa do soberano foram redescobertos e, após um processo de exumação da ossada, a rainha Vitória ordenou que uma nova lápide fosse colocada no chão no coro, marcando o local de sua sepultura com seu brasão de armas e o título de rainha da Inglaterra restaurado post mortem.

Processo de restauração da peça.

O falcão coroado esculpido em madeira de carvalho foi comprado num leilão em 2019. A peça foi então levada para análise e se descobriu que o material remontava ao período em que Ana Bolena foi rainha. Alguns especialistas, inclusive, sugeriram que o objeto teria pertencido à própria Ana. De 101 libras, o valor do item passou a custar 270.000 (cerca de 2.053.236,60 de reais, em câmbio atual). O negociante Paul Fitzsimmons, da Marhamchurch Antiques, disse que quando avistou o falcão pela primeira vez o objeto estava coberto por uma camada preta de fuligem, que foi cuidadosamente removida. Pouco depois, ele percebeu que se tratava de um artigo realmente valioso: “Não soube imediatamente que era o distintivo de Ana Bolena”, disse ele ao Observer. “Mas eu sabia que ele tinha algum tipo de conexão real porque tinha a coroa e o cetro, e era um pássaro real”. O negociante em seguida começou a fazer pesquisas no Palácio de Hampton Court (um dos poucos locais onde vestígios do reinado de Ana sobrevieram) e se deparou com a figura de um pássaro real que representava a segunda esposa de Henrique VIII, bastante similar ao objeto que ele tinha em mãos.

Segundo Tracy Borman, curadora dos Palácios Históricos Reais em entrevista à CNN: “Esta descoberta é extremamente significativa”, uma vez que “artefatos relacionados a Ana Bolena são incrivelmente raros, graças ao fato de Henrique VIII querer que todos os vestígios dela fossem removidos de seus palácios após sua execução em 1536”. Conforme Paul Fitzsimmons disse à CNN, ele planeja fazer um empréstimo de longo prazo da peça ao Palácio de Hampton Court, garantindo desse modo que ela “volte ao local certo onde deveria estar”. Natalie Grueninger, proprietária do site On the Tudor Trail e autora dos livros In the Footsteps of Anne Boleyn (“Nos passos de Ana Bolena”, 2013) e In the Footsteps of the Six Wives of Henry VIII (“Nos passos das seis esposas de Henrique VIII”, 2016), entre outros, esclareceu que o falcão branco foi escolhido por Ana Bolena em homenagem ao seu pai, Thomas, que era herdeiro dos Butlers, condes de Ormonde, que usavam o falcão como emblema heráldico. Por volta da época em que ela se casou secretamente com Henrique VIII, em janeiro de 1533, a então Sra. Marquês de Pembroke começou a usar o falcão coroado com rosas Tudor como símbolo de seu novo status.

O falcão branco foi escolhido por Ana Bolena em homenagem ao seu pai, Thomas, que era herdeiro dos Butlers, condes de Ormonde, que usavam o falcão como emblema heráldico.

Na opinião de Borman, o falcão de carvalho se assemelha bastante a outros esculpidos antes da ascensão de Ana Bolena ao trono e que ele provavelmente fazia parte da decoração do Palácio de Hampton Court. Ela especula que a peça pode não ter sido removida juntamente com seus similares no teto do Grande Salão, onde os demais costumavam ficar. O rei ordenou que todos fossem arrancados de seus locais de origem, depois de serem notados pela fuligem acumulada no assoalho. A escultura recém-descoberta, porém, possivelmente estava localizada nos aposentos da própria Ana e certamente foi retirada e escondida por uma das famílias que serviram a rainha e continuaram leais a ela depois de sua morte. Conforme ressalta Borman, a peça se difere das outras que se encontravam no Salão: “Este aqui usa uma coroa imperial”, disse ela ao Observer. “Isso foi um sinal absoluto ao fato de que Henrique agora tinha ambições imperiais. Ele estava tentando suplantar a autoridade do Papa, promovendo-se como uma espécie de imperador, em vez de apenas um rei”. Essas informações estarão incluídas no novo livro de Tracy, chamado Crown & Scepter (“Coroa e Cetro”), sobre a história da monarquia britânica.

Para a historiadora: “A ironia é que Ana Bolena é a mais popular das seis esposas e provavelmente é a que tem menos evidências sobreviventes… porque foram obliteradas por Henrique”, declarou ela ao Observer. “Então aquilo [o falcão] se torna realmente muito especial e obviamente estou muito animada com isso. Quando percebi como ele absolutamente se encaixava no esquema decorativo, tive um arrepio na espinha”. Embora os vestígios da mãe de Elizabeth I tenham sido quase completamente apagados, alguns conseguiram sobreviver às mãos dos carpinteiros do rei. Borman complementa que “o falcão provavelmente fazia parte do esquema decorativo encomendado por Henrique VIII em homenagem a Ana Bolena, na preparação para que ela se tornasse rainha em 1533”. Não obstante, ele “fez várias alterações no Palácio para a organização deste evento, mas ordenou que todos os vestígios dela fossem removidos após sua queda em desgraça em 1536”. Depois das pesquisas laboratoriais feitas com o objeto, descobriu-se ainda a presença de pigmentos de tinta, o que indica que ele era originalmente pintado nas cores do emblema real. Na opinião do Sr. Fitzsimmons, é  algo realmente “maravilhoso” que a peça “tenha sobrevivido por quase 500 anos até os dias de hoje”.

Fontes: BBC News, CNN, Smithsonian Magazine – Acesso em 24 de dezembro de 2021.

2 comentários sobre “O falcão coroado: emblema de Ana Bolena esculpido em madeira é encontrado!

  1. Sim! É um texto maravilhoso sobre um símbolo soberano de uma Rainha, que acabou por cair em desgraça. Ainda bem que, aparecem estes achados, porque assim ficamos mais enriquecidos com estes apontamentos históricos.

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