Por: Renato Drummond Tapioca Neto
Em 15 de novembro de 1889, findava-se o Império do Brasil e com ele todo o seu universo de nobres, príncipes e imperadores. O novo regime republicano procurou varrer para debaixo do tapete qualquer referência simbólica ao seu passado monárquico, num esforço de exaltação do modelo de governo recém-implantado. Embora certas práticas e costumes tenham resistido a essa ação de damnatio memoriae, décadas se passariam até que personalidades como D. Pedro I, a imperatriz Leopoldina, D. Pedro II e a princesa Isabel voltassem a ser assunto nos principais círculos de debates, gerando novos estudos e publicações. Com efeito, há mais de 130 anos que não temos imperadores ou príncipes governando no país. Porém, existe uma “brasileira de coração”, nascida na Alemanha, que atualmente ocupa o posto de rainha consorte da Suécia: Silvia Renata Sommerlath. Em 1976, ela se casou com o rei Carl XVI Gustaf, com quem teve três filhos, incluindo a herdeira do trono, Vitória. Muito carismática em entrevistas e no contato com o público, a rainha Silvia é patrona de diversas instituições de caridade, como a Childhood Brasil, que tem como objetivo a proteção à infância e à adolescência, combatendo o abuso e a exploração sexual de menores.

Retrato da jovem rainha Silvia da Suécia, usando a famosa Tiara de Bragança.
Nascida em Heidelberg, em 23 de dezembro 1943, Silvia Renata Sommerlath veio ao mundo em uma época marcada pelo predomínio do regime nazista na Alemanha. Filha da brasileira Alice Soares de Toledo com o alemão Walther Sommerlath, a futura rainha da Suécia viveu seus dois primeiros anos num país destruído pela Segunda Guerra, partindo em seguida com a família para o interior do estado de São Paulo. Seus pais haviam se casado no Brasil em 1925 e passaram cerca de 13 anos na América do Sul até retornarem para Heidelberg, terra natal de Walther. Alice, uma mulher criada sob os auspícios da religião católica apostólica romana e seu marido, um protestante. Fruto dessa união entre culturas e religiões tão diferentes, Silvia foi a única filha – caçula de três irmãos –, nascida do casamento entre Walther e Alice. Ela tinha apenas quatro anos quando seus pais retornaram ao Brasil, em 1947. Aqui, o Sr. Wather assumiu, entre outros cargos, o de presidente da Uddeholm, empresa sueca com filial em São Paulo. Foi a partir dessas relações de trabalho que a futura rainha da Suécia entrou pela primeira vez em contato com pessoas sobre as quais reinaria um dia.
De sua infância no interior do Brasil, ela diz se recordar com muito carinho. Em entrevista à jornalista Leila Ferreira, em 1998, Silvia afirmou que “no coração sou bem brasileira”. Em suas reminiscências, ela disse:
A família da minha mãe, que também é a minha família, tem um lugar muito especial para mim. O carinho que eu sinto por eles, pelas paisagens que eu me lembro muito bem, o tempo nas fazendas, no colégio, os meus amigos de escola, até os professores também… a gente se lembra e me dá muito carinho. É muito esquisito, pois cada vez que eu volto ao Brasil, que infelizmente eu não estive tanto tempo quanto eu queria, mas as vezes em que volto é como se eu estivesse lá ontem, apesar, de vez em quando, passar alguns anos. Mas, a relação com os meus primos, com a minha tia, é muito unida.
Com efeito, Silvia viveu no Brasil dos 4 aos 14 anos de idade, frequentando uma escola bilíngue, o colégio Visconde de Porto Seguro, fundado no século XIX por imigrantes alemães. Mas, entre seus irmãos, o idioma sempre utilizado era o português, principalmente durante as brincadeiras. “Nós, crianças, sempre vivemos nessas duas culturas, o que foi muito interessante, mas também muito bonito porque o respeito da outra cultura, da outra religião, sempre foi muito presente em casa”, disse ela em uma entrevista para a EPTV. Refletindo sobre essa experiência cultural, ela disse que “isso me ajuda muito agora também aqui na Suécia, nós temos agora muitos que chegam de outros países e esse respeito por outras culturas sempre está vivo”.
Assista à entrevista da rainha Silvia com a jornalista Leila Ferreira:
Embora com um ligeiro sotaque, a atual rainha da Suécia é fluente na língua do país natal de sua mãe, onde ela viveu uma infância dourada, até retornar para a Europa, em 1957. De volta à Alemanha Ocidental com sua família, em um contexto político marcado pela Guerra Fria, Silvia se matriculou na escola de Düsseldorf, onde completou o ensino médio em 1963. Em seguida, ela frequentou a Escola de Interpretação de Munique, obtendo ao final do curso o diploma de nível superior com especialização em espanhol, no ano de 1969. Uma vez formada, ela arrumou um emprego no Consulado da Argentina, em Munique. Relembrando sobre essa fase, a atual rainha disse: “Isso agora me ajuda muito, porque muitas mulheres na Suécia trabalham hoje em dia – as mulheres modernas –, e quando falo com elas eu acho que elas sentem que eu sei do que estou falando”, uma vez que “eu mesma trabalhei seis anos, eu sei o que é ganhar a vida, pagar impostos, pagar a eletricidade, as contas de água, essas coisas. Eu sei o que isso significa”. A partir dessa experiência no mercado de trabalho, Silvia se diz mais próxima do povo sueco, especialmente das mulheres, pois conhece “os problemas que uma mulher hoje em dia tem, porque eu mesma passei por isso também. Eu sinto que elas [as suecas] têm respeito, porque sabem que eu entendo dos problemas que elas têm”.

Fotografia de casamento da rainha Silvia com o rei Carl XVI Gustaf.
Em 1971, a então Srta. Sommerlath começou a trabalhar como treinadora de anfitriãs para o Comitê de Organização dos Jogos Olímpicos de Munique, que aconteceriam no ano seguinte. Dada à sua fluência em diversos idiomas, como o português, o alemão, o espanhol e o francês, ela era a pessoa ideal para assumir essa função. Futuramente, ela se tornaria Vice-Presidente de Protocolos do Comitê de Organização das Olimpíadas de Innsbruck, na Áustria, em 1976. Foi enquanto trabalhava como treinadora de anfitriãs que Silvia conheceu o príncipe Carl Gustaf da Suécia, neto do rei Gustaf VI Adolf e próximo na linha de sucessão ao trono sueco. A partir desse primeiro encontro, os dois engatariam um romance discreto. De sua parte, o rei jamais havia permitido a união de um príncipe da casa real com uma plebeia, a menos que o herdeiro renunciasse a seus títulos e a quaisquer pretensões ao trono. O que o monarca talvez não soubesse é que a mãe de Silvia, Alice, descendia diretamente do rei Afonso III de Portugal, que governara durante o século XIII. Isso certamente dava um incremento à árvore genealógica da Srta. Sommerlath, dotando-a com alguma gotas de sangue real. Em 15 de setembro de 1973, o rei Gustaf VI Adolf morreu, deixando a coroa para seu neto e com isso o caminho livre para propor casamento à esposa que desejava.
O romance entre Silvia e Carl começou de forma tímida, com algumas visitas dela a Estocolmo. Em 1974, ela se mudou definitivamente para a capital da Suécia, ocupando um apartamento que pertencia à irmã do novo rei, a princesa Cristina. Dois anos depois, assim que Silvia concluiu seus trabalhos nos Jogos Olímpicos de Inverno, na Áustria, ela e Carl anunciaram seu noivado em 12 de março de 1976. Três meses depois, no dia 19 de junho, eles se casavam na Catedral de Estocolmo, em uma belíssima cerimônia que reuniu muitos representantes da nobreza europeia. A noiva estava deslumbrante em um vestido de seda com corte simples, assinado por Marc Bohan para a Christian Dior. O design do traje, sem muitos adornos, foi especialmente projetado para não desviar a atenção do véu de renda de Bruxelas, usado pela primeira vez pela rainha Sofia de Nassau, no seu casamento com o rei Oscar II da Suécia em 1857. Na cabeça, a belíssima tiara de camafeus, que havia originalmente pertencido a Joséphine de Beauharnais, primeira esposa de Napoleão I. Após sua morte, em 1814, a joia (que inclui um conjunto de colar e pulseira seguindo o mesmo design), passou para as mãos de seu filho, Eugênio, duque de Leuchtenberg, casado com a princesa Augusta da Baviera.
A tiara, que possui base de ouro com pérolas incrustadas e camafeus que narram o mito de Cupido e Psiquê, foi herdada pela princesa Joséphine de Leuchtenberg, mais tarde rainha consorte da Suécia. Desde então, a joia se encontra em posse da família real sueca e pode ser vista ocasionalmente adornando a fronte da rainha Silvia e mais recentemente da princesa coroada, Vitória, que a usou no dia do seu casamento com Daniel Westling, em 2010. Não só a tiara de camafeus, como muitas joias ligadas à primeira esposa de Napoleão Bonaparte acabaram parando na Suécia graças à herança da neta desta. Já outras peças da coleção real, a exemplo da belíssima tiara de Bragança, foram legadas em testamento pela imperatriz-viúva do Brasil, Dona Amélia de Leuchtenberg, duquesa de Bragança, para sua irmã, a rainha Joséphine. Naquele dia 19 de junho de 1976, Silvia estava radiante, enquanto acenava de sua carruagem para cerca de 150.000 suecos, que se apinhavam nas ruas da capital para ver sua nova rainha desfilar ao lado do rei. Um ano depois do casamento, nasceu a primeira filha do casal, a princesa herdeira Vitória. Em seguida, vieram Carl Philip, nascido em 13 de maio de 1979, e a princesa Madeleine, nascida em 10 de junho de 1982.

A rainha Silvia usando a famosa tiara de Camafeus e o conjunto que pertenceu à imperatriz Joséphine.
Na qualidade de rainha consorte da Suécia, Silvia acompanha o marido em seus deveres oficiais, como viagens pelo país e ao exterior. Ela também faz visitas a instituições nacionais e municipais, como escolas e universidades, para obter informações e estreitar os laços da coroa com o povo, que passou a nutrir grande admiração pela esposa de seu soberano. Sua presença é frequente em comemorações oficiais, aniversários, festas civis, inaugurações, conferências e simpósios. Como é fluente em seis idiomas, a rainha pode servir como intérprete em missões diplomáticas. Já nos momentos de lazer, Silvia e o rei Carl XVI Gustaf possuem muitos interesses em comum, como seu amor pela natureza. No início de sua vida de casada, ela aprendeu a amar cenário bucólico das montanhas suecas, praticando esqui nos arredores da casa de campo da família real, em Storlien. Quando a família se encontra no Palácio de Solliden, a rainha gosta de passar o tempo se dedicando ao seu jardim, plantado no belíssimo parque da residência real pela rainha Vitória da Suécia. A ópera e o teatro se constituem em outras de suas paixões. Sempre que possível, ela vem ao Brasil para visitar os primos e os amigos em São Paulo e tratar de outros assuntos ligados ao Palácio.
Com efeito, o amor pela terra natal de sua mãe, onde viveu durante a infância, não esmoreceu durante todos esses anos. “Eu acho que sou a única que tem um pé de jabuticaba fora do Brasil e que dá frutinhas. Ano passado deu 120, contei. É gostosa, doce. A minha célebre jabuticabeira está na estufa, mas no verão está no jardim. É uma delícia!”, contou a rainha Silvia numa entrevista à EPTV. Refletindo sobre as relações entre o Brasil e a Suécia, ela disse:
O Brasil é uma parte da minha vida, uma parte da vida dos meus filhos, da família, que também gostam de jabuticaba, que também visitam o Brasil. O Brasil não é só a imperatriz Amélia que deixou os seus traços aqui, porque ela era irmã da rainha da Suécia, Josefina. Brasil e Suécia tem muita coisa junta. Uma parte minha é naturalmente brasileira.
Em 1999, a rainha Silvia fundou no país a Childhood Brasil, uma instituição que acolhe crianças e adolescentes e combate a exploração e o abuso sexual de menores. O projeto faz parte da World Childhood Foundation, que possui escritórios na Suécia, na Alemanha e nos Estados Unidos. Atualmente, ela é patrona de aproximadamente 40 instituições, sendo a fundadora da World Childhood Foundation; da Mentor (voltada para o combate ao uso de drogas); da Global Child Forum (um fórum de debates sobre a conscientização dos direitos das crianças); do The Silvia Home (lar para pessoas portadoras de necessidades especiais); do Research Funds (que angaria fundos de pesquisa para cuidado e tratamento de pessoas com necessidades especiais); e do Hearing Impaired (voltado para o estudo e aprendizado da linguagem de sinais com deficientes auditivos). Silvia considera o Brasil um país muito importante devido à sua formação multiétnica: “Há famílias brasileiras, mas de origem japonesa, tem famílias brasileiras de origem sueca, mas [que] em primeiro lugar são e se sentem como brasileiros apesar de ter outra cultura”. Refletindo sobre seu passado em vários países, ela diz: “Eu tenho um coração brasileiro, uma mente talvez mais alemã, mas o todo agora é sueco. Eu reúno todas essas três nacionalidades e culturas.”
Referências:
AQUINO, Gabriel. Before they were royal: The life of Queen Silvia of Sweden. 2018 – Acesso em 30 de julho de 2021.
HOBSBAWM, Eric J. A era dos extremos: o breve século XX. 2ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
Queen Silvia’s Royal Wedding Jewels (1976). 2021 – Acesso em 30 de julho de 2021.
Rainha da Suécia tem laços com 3 países: ‘Coração brasileiro, mente alemã, mas o todo agora é sueco’. 2019 – Acesso em 30 de julho de 2021.
Sites:
Childhood Brasil: clique aqui!
Site oficial da Casa Real Sueca: clique aqui!
Fiquei entusiasmada ,maravilhada com o relato da entrevista da Rainha Silvia . Sempre gosto e aprecio voltar a ler e relembrar suas falas. Para eu brasileira é um orgulho muito grande ter a Rainha da Suécia Nossa conterrânea, grande e ilustre Majestade Silvia .Irmã brasileira. Com muito carinho.
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Ela é muito especial,linda maravilhosa e, caridosa! Pensa num mundo melhor para todos!
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A Rainha Silvia é uma pessoa super simpática e simples adorei conhece-la!
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A sempre admirada querida e generosa rainha Silvia da Suécia que tem raízes no Brasil e ama nosso país…
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