Por: Renato Drummond Tapioca Neto
“Aqui está o material em que os contos de fadas são feitos. Mas os contos de fadas geralmente terminam neste ponto, com a frase: ‘Eles viveram felizes para sempre’. Conforme marido e esposa vivem seus votos, amando e estimando um ao outro, compartilhando esplendores e misérias da vida, conquistas e contratempos, eles se transformam no processo. Nossa fé enxerga o dia do casamento não como o ponto de chegada, mas como o lugar em que a aventura realmente começa”. Com essas palavras, o reverendo Robert Runcie, arcebispo de Canterbury, abençoava o matrimônio do príncipe e da princesa de Gales há exatos 40 anos, em 29 de julho de 1981. Em seu discurso, ele procurar fazer um contraponto entre os entraves da vida conjugal com a imagética das história infantis e suas soluções mágicas para problemas surgidos no decorrer da narrativa, que garantiam aos mocinhos seu desfecho encantado. Porém, o que a mídia chamou amplamente de “o casamento do século”, acompanhado desde o início pelos olhos ávidos do público, acabou evoluindo para um relacionamento tóxico, marcado por abusos, pressões psicológicas, traições e um trágico término, que em nada lembrava as histórias de Charles Perrault ou dos irmãos Grimm, transmitidas de geração para geração.

Fotografia oficial de noivado de Diana e Charles, em 24 de fevereiro de 1981.
Quatro décadas já se passaram desde o glorioso dia em que Lady Diana Spencer subiu os degraus da Catedral de St, Paul, usando um volumoso vestido de tafetá marfim desenhando pelos estilistas David e Elizabeth Emanuel. Naquele dia 29 de julho, o casamento real foi transmitido para aproximadamente 750 milhões de televisores ao redor do mundo. As pessoas acamparam nas ruas dias antes para ver a carruagem da noiva fazer seu percurso até a Catedral, que foi escolhida especialmente por sua capacidade para acomodar mais convidados. A cerimônia foi assimilada pelos ingleses como um lenitivo para a difícil situação econômica que o país enfrentava, marcada por desemprego, depressão galopante e o colapso da lei de ordem. Revoltosos protestavam continuamente contra as medidas do governo Thatcher e contra a monarquia, enxergada por muitos como uma instituição ultrapassada. Foi nesse cenário caótico que surgiu a figura de Lady Di, a filha de 19 anos de Johnnie, 8° conde Spencer. Ela e o príncipe Charles se conheceram melhor a partir de 1977, quando ele namorou a irmã mais velha de Diana, Lady Sarah. Embora esse relacionamento não tenha engatado, o príncipe de Gales ficou encantado com a vivacidade da Spencer mais jovem.
Apesar de não ser considerada realeza, os Spencer eram uma família aristocrática muito importante, com membros de destaque na sociedade, como Georgiana, duquesa de Devonshire, e o ex-primeiro-ministro, Winston Churchill. Após uma dúzia de encontros no final do ano de 1980, a mídia começava apontar Diana como a eleita do príncipe de Gales. Aos 32 anos, Charles ainda era um homem solteiro, que havia passado por uma série de namoros que não resultaram em um compromisso formal. Ele vivia constantemente sob pressão de seus familiares para arrumar uma esposa e acabar de vez com os rumores publicados nos jornais da época. “O sentimento geral era de que o príncipe Charles deveria acelerar o passo e chegar a uma definição. A rainha estava cheia de tudo aquilo”, disse Diana ao seu biógrafo, Andrew Morton, em 1991. Seguindo o conselho de seu tio, Lorde Louis de Mountbatten (assassinado em 1979 pelo IRA), Charles precisava encontrar uma noiva aceitável para os padrões da monarquia. Uma esposa que fosse cândida, aristocrática e, acima de tudo, com um passado sem máculas. Lady Diana Spencer, por sua vez, atendia a todos os pré-requisitos. Aliado esses atributos, ela era considerada uma jovem bastante atraente. Nela, o ideal dos contos de fadas parecia sair das páginas amareladas dos livros encadernados e ganhar vida.
Durante esse período, o cerco da mídia começou a se fechar em torno de Diana. Paparazzis vigiavam seu apartamento em Coleherne Court dia e noite, perseguindo-a quando dirigia seu mini metro para a creche Young England, onde trabalhava como auxiliar. Ela recebia cada vez mais convites para frequentar as residências reais de Balmoral e Sandringham, onde era muito bem recepcionada pelos membros da família real e pelos amigos do príncipe. Os Spencer e os Windsor mantinham uma relação de longa-data. As duas avós de Diana serviram como damas de companhia da rainha-mãe, Elizabeth Bowes-Lyon, e seu pai fora escudeiro tanto do rei George VI quando de sua filha, a rainha Elizabeth II. Em 1994, quando o príncipe de Gales lançou sua biografia e um documentário em parceira com o jornalista Jonathan Dimbleby para explicar sua versão dos fatos sobre o fracasso do casamento real, o texto afirmava que ele teria sido pressionado pelo pai, o duque de Edimburgo, a tomar uma postura mais decisiva sobre Diana. Caso contrário, ele provocaria danos irreparáveis na reputação da jovem, assim como acontecera com suas ex-namoradas. O príncipe Philip teria colocado diante do filho apenas duas opções: ou ele se casava e agradava toda a família, ou terminava seu flerte com a filha do conde Spencer de uma vez por todas.
Colocando o dever em primeiro lugar, o herdeiro do trono optou pela primeira alternativa. Em seguida, o príncipe ligou para Lady Diana, convidando-a para uma visita ao castelo de Windsor, onde gostaria de lhe fazer uma pergunta. “Meu instinto feminino sabia o que era”, recordou-se a princesa tempos depois. Uma vez no castelo, Charles pediu para que Diana se sentasse e lhe disse:
“Senti muito a sua falta.” Mas ele nunca me tocava. Era surpreendente, mas não sabia como me comportar porque nunca tivera um namorado. Sempre os afastei, pensava que me trariam problemas – e não conseguia lidar emocionalmente com aquilo, eu me achava muito problemática. De todo modo, ele perguntou: “Casa Comigo?” E eu ri. Lembro-me de pensar, “Isso é uma piada”, e respondi: “Sim, está bem”. E ri. Ele estava muito sério e continuou: “Você entende que algum dia será rainha?” E uma voz dentro de mim me disse: “Você não será rainha, mas terá um papel difícil.” Então pensei: “Tudo bem.” E disse: “Sim. Eu te amo muito, te amo muito.” E ele disse: “Seja lá o que o amor signifique.” (apud MORTON, 2013, p. 40).

Príncipe Charles e Lady Diana em Balmoral, em maio de 1981, antes de seu casamento.
Para Charles, a perspectiva de um casamento com Lady Diana atendia apenas a uma exigência da família real, visto que a continuidade da dinastia dependia de herdeiros legítimos produzidos a partir de seu corpo. Nas palavras do editorial do The Times, o príncipe estava cumprindo nada além de uma “obrigação de Estado”. Seu noivado, portanto, tinha o efeito “prático” de reforçar a sucessão, “potencialmente dando seguimento à linhagem real direta”, uma vez que nada era “mais adequado do que o príncipe ingressar na vida de casado, quando se leva em conta até que ponto a monarquia é representativa, agora, de uma vida familiar exemplar” (apud DIMBLEBY, 1994, p. 174).
O noivado foi oficialmente anunciado no dia 24 de fevereiro de 1981. A noiva recebeu um rico anel de compromisso, com aro de ouro branco e uma enorme safira no centro, cravejada de pequenos diamantes. Numa entrevista concedida nesse mesmo dia, ele declarou: “Estou definitivamente encantado e francamente surpreso que Diana esteja preparada para me aceitar”. Quando questionados pelo entrevistador se estavam apaixonados, a noiva respondeu prontamente que “sim”, enquanto a reação de Charles foi extremamente dúbia: “O que quer que ‘apaixonado’ signifique”. Olhando em retrospecto, podemos entender pela resposta do príncipe que ele não estava tão entusiasmado com a perspectiva das bodas com uma mulher 12 anos mais jovem, com quem estivera sozinho poucas vezes. Embora casamentos na família real nunca tivessem sido arranjados com base em reciprocidade de afeto, muitas expectativas eram colocadas sobre o casal, que carregava consigo a promessa de uma nova fase para a monarquia. Até mesmo o governo Thatcher tirou proveito da situação, na esperança de desviar o foco dos protestos das massas de desempregados contra a inflação. Na noite anterior ao anúncio do noivado, Lady Diana deixou seu apartamento em Coleherne Court e se mudou para a Clarence House, onde vivia a rainha-mãe, e depois para o Palácio de Buckingham.
Entre o noivado e o casamento, Charles não abandonou seus compromissos como príncipe de Gales, viajando em caráter diplomático para a Austrália e a Nova Zelândia. Enquanto o avião decolava, as câmeras fotografaram Diana vestida em um casaco vermelho, chorando. “Não tinha nada a ver com a partida. Uma coisa horrível aconteceu antes dele viajar.”, disse ela em 1991. “Eu estava no escritório dele quando o telefone tocou. Era Camilla, logo antes de ele ficar fora por cinco semanas. Pensei: ‘Devo ser simpática ou simplesmente ficar sentada aqui?’ Então, decidi ser simpática e deixá-los em paz. Aquilo me partiu o coração” (apud MORTON, 2013, p. 46). Poucas semanas antes, Diana havia descoberto no escritório de Charles uma pulseira de ouro com um disco em esmalte azul, contendo as iniciais entrelaçadas “G” e “F”, de “Gladys” e “Fred”, os apelidos pelos quais Camilla e Charles costumavam se tratar. “Ódio, ódio e ódio!”, disse Diana em seu depoimento. “Por que ele não consegue ser honesto comigo? Mas não, ele não me deu a maior bola”. Na época do noivado, a presença de Camilla Parker-Bowles era uma constante na vida do casal. Charles tentou explicar a Diana que a pulseira era um presente de adeus, mas ela não ficou muito convencida.
Durante os meses que antecederam ao casamento, a aparência da noiva foi mudando drasticamente. Ela perdeu muito peso e os costureiros precisavam constantemente diminuir o número do seu vestido de noiva, que caiu de 67 para 57. Teria sido nessa fase que ela começou a manifestar os primeiros sinais da bulimia, transtorno alimentar que a acompanharia por muitos anos. A visão que ambos tinham do casamento era diametralmente oposta. Para Charles, toda aquela situação provocada pela mídia parecia ridícula. “Quero demais fazer o que for melhor para o meu país e para a minha família… porém, sinto-me aterrorizado em fazer uma promessa e passar o resto da minha vida me arrependendo dela”, declarou ele. Anos antes, ele havia expressado ao público sua opinião a respeito do casamento:
Muitas pessoas têm uma ideia errada do que seja realmente o amor. É basicamente uma amizade muito forte. Em muitos casos, existem interesses partilhados e ideias em comum, além de uma profunda afeição. E eu acho que seria muita sorte encontrar uma pessoa atraente no sentido físico e intelectual. Para mim, o casamento, que poderá durar por cinquenta anos, parece ser o passo maior e o mais importante de toda uma vida. […] Casamento é algo que se deve construir. Talvez eu esteja muito enganado, mas, quando me casar, pretendo trabalhar nessa direção (apud DIMBLEBY, 1994, p. 175-6).

Foto oficial do casamento do príncipe e da princesa de Gales, em 29 de julho de 1981.
A maioria dos biógrafos reais, contudo, parece acreditar que, no início da relação entre Diana e Charles, ele estava realmente empenhado em fazer o casamento dar certo, até que a união se tornou irremediavelmente insustentável, como o próprio diria em 1994. Contudo, naquele ano de 1981, ele chegou a declarar que “estava descobrindo como é bom ter alguém próximo a mim com quem partilhar as coisas… a felicidade e o entusiasmo das outras pessoas diante do fato são um elemento extremamente ‘encorajador’”. Por fim, ele dizia estar orgulhoso ao ver “tanta gente demonstrando admiração e afeição por minha noiva”.
A felicidade da multidão diante da perspectiva do casamento deixou Diana bastante animada e ansiosa. Todavia, olhando em retrospecto dez anos depois, ela achava “que não estava realmente feliz”. Na segunda-feira, dia 27 de julho, durante o último ensaio para a cerimônia, ela disse que chorou muito: “Desabei por vários motivos. A história com Camilla acontecendo durante todo o noivado, e eu desesperadamente tentando agir de forma madura naquela situação, mas não tinha estrutura para fazê-lo e não podia falar com ninguém sobre aquilo” (apud MORTON, 2013, p. 48). Na noite anterior ao dia da celebração, enquanto Charles permanecia junto a uma janela no Palácio de Buckingham, observando o Mall com suas bandeiras e barricadas compostas por pessoas acampadas nas calçadas e sob as árvores, Diana passava por uma crise séria de bulimia. Momentos antes, ela havia recebido um anel com o sinete do príncipe de Gales e um cartão com os dizeres: “Estou muito orgulhoso de você, e quando vier, estarei lá no altar esperando. Simplesmente olhe nos olhos deles e eles ficarão deslumbrados”. A futura princesa de Gales seguiu o conselho do noivo e, quando caminhou em direção ao altar, não deixou de reparar na presença de Camilla entre os convidados, vestida de cinza claro, com chapéu sem aba e um véu, na companhia de seu filho Tom.
Em suas reminiscências, a princesa disse que estava bastante calma na manhã do casamento, a despeito da crise de ansiedade vivenciada horas antes. Caminhando pela nave da Catedral de braços dados com pai, ela se recordou: “Me lembro terrivelmente de ficar preocupada em fazer reverência à rainha. Lembro-me de estar tão apaixonada por meu marido que não conseguia tirar os olhos dele. Simplesmente pensava que era a moça mais sortuda do mundo”. Em seus devaneios de adolescência, adquiridos através da leitura assídua dos romances água-com-açúcar de Barbara Cartland, Diana acreditava que Charles tomaria conta de si pelo resto da vida. “Bem, não podia estar mais enganada nesse aspecto.”, declarou ela em 1991. Ao término da cerimônia, ela falou que o povo estava muito feliz do lado de fora da Catedral. Sentimento esse que também foi compartilhado por Charles na ocasião. “Jamais esquecerei essa quarta-feira”, escreveu ele a um de seus amigos dias depois:
Foi um dia inacreditável e que passou depressa demais. Não pude saborear tudo o que queria e fiquei completamente tocado e feliz ao ver que todos no país pareciam ser os convidados especiais do casamento. A maneira como gritaram quando nós dissemos “Sim”, e depois jogando confetes sobre nós enquanto nos dirigíamos até Waterloo… Foi uma das experiências mais comoventes que já tive… uma revelação descobrir o verdadeiro coração e a alma da nação, expondo-se, por um momento, através de uma alegria boa, tradicional e inocente… (apud DIMBLEBY, 1994, p. 186-7).
Com efeito, Charles parecia estar mais extasiado com a popularidade que o casamento lhe granjeara do que com a noiva em si. Quanto a Diana, ela afirmou que um grande ponto de interrogação se formou na sua cabeça: “Entendi que assumiria um papel importantíssimo, mas não fazia a menor ideia em que estava me metendo – nenhuma mesmo”. Embora essa declaração possa parecer exagerada, uma vez que sua família sempre fora próxima aos Windsor, é quase certo afirmar que ela nutria demasiadas expectativas em um casamento fabricado pela mídia e pela realeza, com o propósito maior de dar continuidade à dinastia.

Os recém-casados desfilando de carruagem após a cerimônia.
De volta ao Palácio de Buckinghan, ela e Charles posaram para várias fotografias, que mais tarde seriam publicadas nos mais diversos veículos, como televisão, jornais e revistas. Aqui no Brasil, a divulgação desse material ficou por conta da Revista Manchete e da Revista Veja, que corroboraram para a criação do ideal encantado dos contos. Pouco depois, o casal seguiu para a grande sacada do Palácio, onde acenou para uma multidão eufórica e selou o dia com um beijo, criando assim um precedente para outros casamentos reais. Ao final, estavam tão exaustos que quase não conseguiram interagir um com o outro durante o café oferecido pela rainha, que mais se assemelhava a uma verdadeiro banquete. 10 anos depois do apoteótico evento, Diana sentiu necessidade de contar sua versão dos fatos (parcialmente citados nessa matéria), descontruindo muito da visão romântica criada em torno do matrimônio. Quando os primeiros capítulos do livro de Andrew Morton foram publicados em 1992, o “casamento do século” revelou-se de fato no “embuste do século”. Diana se referiria mais tarde a esse período de sua vida como a “época das trevas”. A versão da princesa até hoje é a mais aceita entre o público, em detrimento das explicações do príncipes Charles feitas dois anos depois, que só contribuíram para desprestigiar ainda mais a monarquia nos turbulentos anos 1990.
Abaixo, confira a gravação do casamento de Diana e Charles, transmitido para mais de 750 milhos de televisores em 29 de julho de 1981:
Referências Bibliográficas:
BROWN, Tina. Diana: crônicas íntimas. Tradução de Iva Sofia Gonçalves e Maria Inês Duque Estrada. Rio de Janeiro: Ediouro, 2007.
DIMBLEBY, Jonathan. O príncipe de Gales. Tradução de Vera Dias de Andrade Renoldi. São Paulo: Editora Best Seller, 1994.
KELLEY, Kitty. Os Windsor: radiografia da família real britânica. Tradução de Lina Marques et. al. Sintra, Portugal: Editorial Inquérito, 1997.
MARR, Andrew. A real Elizabeth: uma visão inteligente e intimista de uma monarca em pleno século 21. Tradução de Elisa Duarte Teixeira. São Paulo: Editora Europa, 2012.
MEYER-STABLEY, Bertrand. Isabel II: a família real no palácio de Buckingham. Tradução de Pedro Bernardo e Ruy Oliveira. Lisboa, Portugal: Edições 70, 2002.
MORTON, Andrew: Diana – sua verdadeira história em suas próprias palavras. Tradução de A. B. Pinheiros de Lemos e Lourdes Sette. 2ª ed. Rio de Janeiro: Best Seller, 2013.