Por: Renato Drummond Tapioca Neto
Sétimo filho de um duque falido, Leopold de Saxe-Coburgo era um homem ambicioso, talentoso e bonito. Ele apareceu em Londres pela primeira vez em 1815, acompanhando o séquito do imperador da Rússia após a derrota de Napoleão na batalha de Waterloo. Com suas habilidades, ele conquistou a simpatia de Edward, duque de Kent, o tio preferido de Charlotte. O duque serviu como intermediário para uma troca de cartas clandestinas entre o casal. O charme de Leopold logo conquistou a jovem. O desejo da princesa se intensificava à medida em que o príncipe recusava em fazer seu retorno para a Inglaterra, preferindo permanecer em Paris. Charlotte então levou a situação até seu pai, que convidou formalmente Leopold para comparecer na corte em janeiro de 1816. Para os olhos do público, aquele noivado representava a personificação ideal dos contos de fadas, muito semelhante ao que veríamos em 1981 com o príncipe Charles e a princesa Diana. Embora a noiva não fosse considerada tão bonita quanto a filha do 8° conde Spencer, ela também tinha seus atributos. Era alta, loira, com olhos de um azul profundo e um corpo levemente inclinado a corpulência, o que não era visto como demérito pela sociedade da época e sim como sinal de boa saúde.

“O noivado da princesa Charlotte e do príncipe Leopold”, por artista desconhecido (c. 1816).
Os detalhes do casamento, ocorrido em 2 de maio de 1816 na sala de estar da Carlton House, foram amplamente divulgados pela imprensa da época. A população se aglomerava do lado de fora da residência para ter um vislumbre do jovem casal. Com 20 anos, a princesa Charlotte estava deslumbrante em seu vestido de cetim branco, enfeitado com renda prateada, desenhando pela Sra. Triaud. O noivo, reconhecido como um dos homens mais bonitos da Europa, vestia o uniforme escarlate de general britânico, com várias comendas e medalhas pregadas no peito. A despeito da imagética dos contos, Charlotte não estava completamente apaixonada por Leopold quando o tomou por consorte, conforme ela confidenciou numa carta:
Eu me decidi perfeitamente e fiz minha própria cabeça em me casar, e a pessoa a quem escolhi me juntar é o príncipe Leopold… Sei que poderia estar em situação pior, mais infeliz e miserável da que me encontro agora e, afinal, se acabar me casando com o príncipe L., … me casei com o melhor de todos os que vi, e isso me dá certa satisfação (apud GILL, 2009, p. 20).
Tampouco Leopold estava apaixonado por ela, um príncipe que estivera na companhia das damas mais formosas de Paris. Por outro lado, embora ele não se sentisse atraído pela aparência de Charlotte, com certeza estava pelo status obtido pelo casamento com a segunda na linha de sucessão ao trono britânico. Portanto, ele trabalhou para garantir o afeto da herdeira através do seu charme e beleza. Quando o tempo chegasse e a princesa fosse coroada rainha, o príncipe esperava garantir influência sobre a monarquia, exercendo um papel de conselheiro e ajudante. É curioso que, 20 anos depois, Leopold usaria as mesmas táticas para instruir seu sobrinho, o príncipe Albert, a como conquistar o coração da prima de Charlotte.

O príncipe Leopold, por George Dawe (c. 1823).
Nos primeiros meses de casamento, o jovem par vivia em relativa harmonia, apesar das diferenças de temperamento. Enquanto Leopold tinha modos mais formais e controlados, Charlotte era impulsiva, gostava de fazer gracejos e batia o pé quando se sentia contrariada. Algumas desavenças acaloradas aconteciam de vez em quando, mas quase todas acabavam da mesma forma. A princesa se resignava para não magoar o marido: “Se você quiser, assim o farei”, retrucava ela a contragosto. “Não quero nada para mim”, respondia ele. “Quando eu a pressiono e tento lhe inculcar uma atitude, é com a convicção de que é no seu próprio interesse e pelo seu próprio bem”. Leopold desejava que Charlotte mantivesse o autocontrole necessário para uma pessoa na sua posição. Com a orientação de seu amigo e médico, o Dr. Christian Stockmar, o príncipe consorte aos poucos foi conseguindo ensinar a princesa a controlar seu temperamento. À medida em que as semanas se passavam, ela estava pronta para dizer ao mundo que tinha o mais perfeito dos maridos e que o idolatrava, elevando-o da patente de ajudante de ordens para a de general.
O casal mantinha residência em duas casas: Marlborough e Claremont, sendo esta última a sua preferida. Ali, os dois levavam uma existência simples e feliz, muito diferente do estilo de vida dispendioso do príncipe regente. Para completar o idílio de Charlotte e Leopold, só mesmo a chegada de uma criança. Depois de sofrer dois abortos, a princesa conseguiu sustentar sua terceira gravidez. Com essa certeza, o príncipe olhava confiante para o futuro. Ele não só tinha sido tornado rico e popular graças àquele casamento, como também seria pai do futuro rei ou rainha da Grã-Bretanha. “Eu não posso reinar sobre a Inglaterra exceto com a condição de que ele [Leopold] reine sobre a Inglaterra e sobre mim… Sim, ele será rei, ou eu nunca serei rainha”, declarou Charlotte. O Dr. Stockmar, por sua vez, reportou: “O meu senhor, é o melhor esposo que se pode encontrar nos cinco continentes. Quanto à sua esposa, sente por ele um amor cuja grandeza só pode ser comparada à dívida de Estado Britânica”. A ascendência do príncipe sobre tudo o que dizia respeito à vida da princesa parecia total, uma situação bem diferente daquela experenciada pela garota intrépida de anos atrás. No caso de a herdeira morrer jovem deixando filhos nascidos de seu casamento, Leopold seria nomeado regente.
Segundo as previsões médicas, o nascimento da criança estava previso para outubro. Mas, à medida em que os dias se passavam e as dores não vinham, os médicos começaram a ficar preocupados. A gestante foi então submetida a um tratamento que incluía sangrias, clisteres e dietas. A combinação dessa receita, em vez de fortalecer a princesa, acabou deixando-a com a saúde delicada e com um estado de espírito melancólico. Apenas na noite de 3 de novembro de 1817 foi que Charlotte entrou em trabalho de parto. O príncipe Leopold, por sua vez, esteve constantemente ao lado da esposa, segurando sua mão e murmurando palavras de carinho, enquanto ela fazia força para expelir o bebê. Passadas 27 horas, as contrações começaram a ficar mais espaçadas e a mãe foi perdendo sua energia. O Dr. Croft, médico que estava atendendo a princesas durante o parto, recusou-se a utilizar o fórceps, com medo de machucar sua paciente. Ele preferia deixar que a natureza agisse sozinha. Às 21h00 do dia 5, ela finalmente deu à luz um bebê do sexo masculino, bem-formado, mas que não sobreviveu. As tentativas de ressuscitar o principezinho foram em vão. Muitos biógrafos responsabilizam a causa da morte da criança a uma falha médica, que talvez pudesse ter sido evitada se o tratamento correto fosse aplicado.

Alegoria da princesa Charlotte, por George Dawe.
“Espero que tenhamos mais sorte da próxima vez”, foram as palavras da princesa diante do sofrimento de seu marido. Cansado depois de tantas horas de vigília e entristecido pela perda do filho, Leopold se retirou para seus aposentos, com a intenção de descansar um pouco. Próximo da meia noite, Charlotte foi acometida de fortes tremores e hemorragia interna. Na esperança de reanimá-la, o Dr. Croft lhe dá uma dose de vinho do Porto e colocou panos quentes em seu abdômen. O Dr. Christian Stockmar, chamado às pressas, assistiu a essa sequência de erros de seus colegas de medicina de queixo caído. A vida ia se esvaindo gradativamente do corpo da princesa e nada mais de podia fazer. Quando percebeu a presença de Stockmar no quarto, Charlotte disse: “Stocky! Embriagaram-me!”. Foram as suas últimas palavras. A herdeira do trono morreu às 2h00 da madrugada do dia 7 de novembro, aos 21 anos, devido a uma ruptura no útero. Quando Leopold foi avisado de que perdera filho e esposa em espaço de horas, correu desolado aos aposentos dela e abraçou o corpo inerte sobre o leito, banhando-o com suas lágrimas. A notícia também deixou o povo em estado de choque: “Esta encantadora princesa Charlotte, tão cheia de felicidade, de beleza, de magníficas esperanças, arrebatada pelo amor de uma nação inteira”, escreveu a princesa de Lieven, filha do embaixador russo.
A morte da princesa herdeira foi uma verdadeira tragédia para o país. Ela não só corporificava o conto de fadas, como também era admirada pela sua juventude, integridade, pureza e fidelidade. Muitas esperanças foram depositadas naquela futura rainha e, com sua morte, uma crise de sucessão se instaurou na Coroa. A princesa de Lieven disse:
É impossível encontrar na história dos povos ou das famílias um acontecimento que tenha causado tanto pranto e um desespero semelhantes. Viam-se populares a chorar pelas ruas, as igrejas constantemente cheias. E as lojas fechadas durante 15 dias, o que é ainda mais eloquente para uma população como esta, dependente do comércio. Enfim, todos, do primeiro ao último, numa consternação que é impossível de descrever (apud ALEXANDRE e DE L’AULNOIT, 2002, p. 29).
O luto nacional atingiu proporções nunca vistas na Inglaterra até 1997, quando Diana, princesa de Gales, faleceu em um trágico acidente em Paris. Diversas preces foram oferecidas nas igrejas, discursos feitos no Parlamento e poemas foram escritos em louvor da princesa, morta da flor da mocidade. Para o príncipe regente, a perda de sua única filha foi um grande golpe. Ele não assistiu ao seu funeral, ocorrido em grande pompa, preferindo se retirar para o Pavilhão de Brighton. O féretro seguiu à noite até a capela de São Jorge, no castelo de Windsor, com o príncipe Leopold numa carruagem coberta de tecidos pretos, acompanhado pelos tios da jovem. Em 1824, um magnífico monumento funerário fora erguido em memória da princesa, pago pelo dinheiro dos contribuintes. Por volta desse ano, as esperanças da nação recaíam sobre outra princesa, nascida quase dois anos depois da morte de Charlotte e que herdaria o trono antes destinado à sua prima: a filha do duque de Kent, Alexandrina Vitória de Hanôver, a futura rainha Vitória!
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Referências Bibliográficas:
ALEXANDRE, Philippe; DE L’AULNOIT, Béatriz. Victoria: a última rainha (1819 – 1901). Tradução de Fátima Gaspar e Carlos Gaspar. 2ª ed. Lisboa, Portugal: Bertrand, 2002.
LONGFORD, Elizabeth. Queen Victoria: born to succed. New Yor: Haper & Row, 1964.
MUHLSTEIN, Anka. Vitória: retrato da rainha como moça triste, esposa satisfeita, soberana triunfante, mãe castradora, viúva lastimosa, velha dama misantropa e avó da Europa. Tradução de Maria Lucia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
STRACHEY, Lytton. Rainha Vitória. Tradução de Luciano Trigo. Rio de Janeiro: Record, 2001.
Eu adoro ler as história das princesas!!!
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