Dos Tudor aos Windsor: exposição de retratos narra a história das casas reinantes da Inglaterra!

Por: Renato Drummond Tapioca Neto

Em 1917, quando a Europa era devastada pelos tiros de canhões da Primeira Guerra Mundial, a família real inglesa, os Saxe-Coburgo-Gota, enfrentava um grave problema: como nacionalizar a dinastia? Vista pelos próprios súditos como mais alemã do que como britânica, para sobreviver a realeza precisou se anglicizar. Assim, o rei George V varreu para debaixo do tapete suas conexões com o kaiser da Alemanha, com o czar da Rússia e o imperador da Áustria (monarcas destronados em decorrência do conflito). Para completar esse processo de identificação com os valores de seu país, era necessário adotar uma designação diferente para a casa real. Nomes de antigas dinastias como Plantageneta, Tudor e Stuart foram cogitados para substituir o sobrenome germânico da realeza, mas acabaram sendo recusados. No final, o conselheiro do rei, Lorde Stamfordham, sugeriu ao soberano que fundasse a casa de Windsor, como o castelo medieval que servia de morada para reis ingleses desde o século XI. Em 2021, a atual casa reinante completa 104 anos de existência e o Museu Marítimo Nacional em Greenwich organizou uma magnífica exposição de retratos, que abarca 500 anos de história da monarquia britânica, de Henrique VIII a Lady Di.

O famoso “retrato Ditchley” da rainha Elizabeth I, pintado por Marcus Gheeraerts, o Jovem (c. 1592).

Ana Bolena, por artista desconhecido (final do séc. XVI, com base em um original perdido de 1533).

Rei Henrique VIII, segundo retrato pintado por Hans Holbein, o Jovem (séc. XVI).

Intitulada “Dos Tudor aos Windsor: Retratos da Realeza Britânica”, a exposição reúne uma coleção incrível de telas pintadas e fotografias de personalidades que marcaram o imaginário popular através dos tempos, como Ana Bolena, a rainha Elizabeth I e sua homônima nos séculos XX e XXI, Lady Jane Grey, a rainha Vitória, Wallis Simpson, entre outras. Hoje em dia, estamos bastante familiarizados com a aparência da família real graças à internet, às redes sociais e a outros meios de comunicação, que veiculam informações e fotografias dos Windsor diariamente. Mas, no século XVI, durante o auge do reinado dos Tudor, a produção de retratos não era tão dinâmica assim. Além de ser um processo demorado e custoso, a circulação das telas era bastante limitada. Grande parte dos súditos estava mais acostumada a ver o perfil de seu soberano nas efígies cunhadas em moedas do que pessoalmente. Sendo assim, a pintura de quadros era uma prática mais elitizada e restrita a um determinado círculo social. Famílias nobres podiam encomendar em ateliês cópias dos retratos dos reis e rainhas para expor nas galerias de suas residências e com isso demonstrar sua lealdade para com o monarca reinante.

Soberanos como Henrique VIII e sua filha, Elizabeth I, utilizaram a arte como importante peça de propaganda política, no intuito de projetar uma ideia de grandeza para seus respectivos governos. Os Tudor elevaram o poder absoluto da monarquia inglesa à sua expressão máxima. Mas, a partir do século XVII com os Stuart, ocorreram uma série de revoluções que depuseram o despotismo da coroa e instituíram uma nova forma de governo, na qual o soberano exerceria apenas funções representativas. Quase quatro séculos se passaram desde então, chegando à fundação da dinastia de Windsor e sua atual chefe de Estado, a rainha Elizabeth II. No contexto político de 1917, nomes como Tudor e Stuart representavam um passado na história da realeza inglesa do qual o rei George V procurava se distanciar. Assim, ele pretendia criar uma espécie de monarquia popular, mais próxima de seus súditos e menos afeita à rede de conexões com outras dinastias do continente. Membros da família real também passaram a ter autorização para se casar com plebeus, algo visto anteriormente com maus olhos.

A exposição abarca 500 anos de história da monarquia britânica.

Além das tradicionais pinturas, há também uma exposição de medalhas, miniaturas, selos postais, estátuas e roupas, relacionadas com a Coroa.

Retrato da coroação da rainha Vitória, pintado em 1863 por George Hayter, com base em um original de 1838.

Durante todo esse longo processo, a produção de imagens esteve intimamente ligada aos propósitos políticos e familiares que a realeza pretendia traduzir para as pessoas. Grande parte da coleção real pode ser atualmente admirada nos Palácios Históricos ou na Galeria Nacional de Retratos, em Londres. Em parceria com essas instituições, o Museu Marítimo Nacional organizou a exposição que apresenta ao público os 500 anos da conturbada história da monarquia britânica, passando pelos Tudor no século XVI, os Stuart no XVII, os Hanôver nos séculos XVIII e XIX, os Saxe-Cobrugo-Gota e os Windsor no século XX. A amostra ainda contempla os anos mais recentes da monarquia, com a chegada de personalidades como Kate Middleton e Meghan Markle. Além das tradicionais pinturas, há também uma exposição de medalhas, miniaturas, selos postais, estátuas e roupas, relacionadas com a Coroa. Entre os destaques exibidos, temos o mais antigo retrato conhecido do rei Henrique VII, fundador da dinastia Tudor em 1485 – surgida após a derrota de Ricardo III na Guerra das Duas Rosas –; e o famoso “retrato Ditchley” da rainha Elizabeth I, pintado por Marcus Gheeraerts, o Jovem.

Entretanto, não apenas membros da realeza foram privilegiados pela exposição. Alguns nobres também, como Sir Robert Dudley, favorito da rainha Elizabeth I, entre outros, além dos retratos das muitas amantes do rei Charles II. Nesse período, a produção de imagens era mais restrita aos círculos aristocráticos, que podiam patrocinar artistas com seu dinheiro. Mas, com a invenção da máquina fotográfica no século XIX, esse processo se tornou mais dinâmico e de fácil circulação em álbuns e periódicos ilustrados. A chamada Era Vitoriana tinha um verdadeiro fascínio por essa forma de arte. A própria soberana era uma amante da fotografia e mandava registrar as fases de crescimentos dos seus muitos filhos e netos, além de posar constantemente ao lado do marido, o príncipe Albert, morto aos 42 anos em 1861. A partir de então, Vitória fez questão de exprimir seu luto em fotos e retratos pintados, ofuscando a imagem da jovem e apaixonada soberana das suas primeiras décadas de reinado. Outro membro da família real que nutria amor pela fotografia era Alexandra da Dinamarca, princesa de Gales e depois rainha consorte, com a ascensão de seu marido, o rei Edward VII, em 1901.

Com a invenção da fotografia no século XIX, a produção de imagens da realeza ficou mais dinâmica. Na parede, fotos de Alexandra da Dinamarca, princesa de Gales.

Rei George VI, por Meredith Frampton, 1929.

A rainha Elizabeth II e o príncipe Philip, duque de Edimburgo. Fotografia de Thomas Struth, tirada em 2011.

Em seu tempo de vida, Alexandra parecia o estereótipo da mulher bela e glamorosa, que estava na vanguarda da moda. Mesmo em idade avançada, ela recusava a ser retratada como uma mulher velha, exigindo aos fotógrafos que retocassem o negativo e apagassem de seu rosto os sinais do tempo. Nas suas fotos, também chama atenção o carinho com os filhos e seu instinto maternal. De muitas formas, ela pode ser considerada o protótipo para Diana, princesa de Gales. Existem algumas semelhanças nas histórias das duas que não podemos deixar de mencionar. Ambas eram primas em 14° grau, com cinco gerações de diferença. Elas descendiam de Sir Ralph Neville (c. 1364 – 1425), primeiro conde de Westmorland. Alexandra através da filha dele, Eleanor, condessa de Northumberland, e Diana por meio de outra filha, Cecily, duquesa de York. Aos 19 anos, elas se tornaram as futuras princesas de Gales: Alexandra por seu casamento com o príncipe Bertie, em 1863, e Diana por seu casamento com o príncipe Charles, em 1981. Sua principal função: gerar herdeiros para a Coroa. Contudo, as princesas eram muito mais do que meras reprodutoras. Foram bastante queridas pelo povo britânico, adoradas por sua beleza e gentileza e consideradas ícones de sua geração.

Infelizmente, cada uma enfrentou problemas familiares com as suas respectivas cunhadas e, em certa fase da vida, até mesmo com suas sogras, as rainhas Vitória e Elizabeth II. Como não bastasse esse paralelo, as duas mulheres sofreram com as infidelidades de seus maridos. Afinal, uma das amantes mais famosas do príncipe Bertie foi Alice Keppel, bisavó de Camilla Parker-Bowles, a atual esposa do príncipe Charles. Mas as semelhanças terminam por aí. Alexandra levou uma existência bastante infeliz e foi forçada a aceitar a presença de Alice até mesmo durante o funeral do rei. Todavia, a mulher aristocrática do século XIX não encontra correspondente nas mulheres da segunda metade do século XX. Mais independentes, elas enfrentavam os problemas conjugais em vez de reprimirem suas emoções. De 1980 a 1997, a princesa Diana evoluiu do arquétipo de Cinderela triste para o de uma mulher moderna, mais madura e confiante. Ela começou seguindo as regras do jogo, tornando-se em seguida senhora e autora de sua própria história. Nunca chegou a usar a Coroa, como Alexandra, mas a posteridade lhe reservou um título muito mais ilustre, o de princesa do povo.

Primeiro retrato oficial de Lady Di como princesa de Gales, pintado em 1981 por Bryan Organ.

O príncipe William (duque de Cambridge) e o príncipe Harry (duque de Sussex), por Nicola Jane (‘Nicky’) Philipps, 2009.

A exposição termina com uma foto da rainha Elizabeth II tirada por Chris Levine. A imagem muda conforme o visitante se move pela sala, em um surpreendente efeito stop-motion, pensado para representar o mais longo reinado da história britânica, que em 2022 completa 70 anos.

Na exposição organizada pelo Museu Marítimo Nacional, encontra-se um retrato até então pouco conhecido da princesa Diana, pintado por Bryan Organ em 1981, ano em que ela se casou com o príncipe Charles e entrou para a família real. Se trata do primeiro retrato oficial de Lady Di, que havia sido anteriormente danificado por simpatizantes do IRA (Exército Republicano Irlandês) e agora foi restaurado. Ao lado deste, podem-se ver as belíssimas fotografias da princesa de Gales tiradas por Mario Testino, que ajudaram a redefinir sua imagem em 1997, pouco antes do trágico acidente que lhe ceifou a vida aos 36 anos. Diana Spencer foi um marco divisor de águas na história da monarquia britânica. A forma humana e calorosa como ela se relacionava com as pessoas inspirou as futuras gerações de membros da Casa Real. A exposição termina com a exibição de retratos de outros integrantes da realeza, como o príncipe Charles, a princesa Anne, o falecido duque de Edimburgo, os príncipes William e Harry, finalizando com uma foto da rainha Elizabeth II tirada por Chris Levine. A imagem muda conforme o visitante se move pela sala, em um surpreendente efeito stop-motion, pensado para representar o mais longo reinado da história britânica, que em 2022 completa 70 anos. A exposição vai até o dia 28 de outubro de 2021.

Referências:

COPE, Rebecca. ‘Tudors to Windsors: British Royal Portraits’ exhibition explores how art has shaped our understanding of monarchy. 2021 – Acesso em 27 de junho de 2021.

From Tudors to Windsors – a history in portraits. 2021 – Acesso em 27 de junho de 2021.

KELLEY, Kitty. Os Windsor: radiografia da família real britânica. Tradução de Lina Marques et. al. Sintra, Portugal: Editorial Inquérito, 1997.

MARR, Andrew. A real Elizabeth: uma visão inteligente e intimista de uma monarca em pleno século 21. Tradução de Elisa Duarte Teixeira. São Paulo: Editora Europa, 2012.

MEYER-STABLEY, Bertrand. Isabel II: a família real no palácio de Buckingham. Tradução de Pedro Bernardo e Ruy Oliveira. Lisboa, Portugal: Edições 70, 2002.

McDONAGH, Melanie. Tudors to Windsors at National Maritime Museum review: power portraits from Anne Boleyn to Kate Middleton. 2021 – Acesso em 27 de junho de 2021.

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