Imperatriz da Moda: o esplendoroso estilo de Elisabeth “Sissi” da Áustria!

Por: Renato Drummond Tapioca Neto

Em 1865, a imperatriz Elisabeth da Áustria posou para aquele que seria o mais icônico de todos os seus retratos. Pintada pelos habilidosos pincéis de Franz Xaver Winterhalter, a tela apresenta Sissi em um vestido de cetim branco sobre crinolina, coberto por uma fina camada de tule salpicado de estrelas em folhas de prata. O traje, possivelmente confeccionado pela Casa Worth (fundada pelo estilista inglês Charles Frederick Worth), segue os padrões da moda de meados da década de 1860, embora com características singulares. Do topo de seu cabelo trançado até a barra da saia, a roupa da soberana era coberta por estrelas reluzentes, que denotavam seu status imperial. O quadro, um dos quatro que Winterhalter pintaria de Sissi, acabou eternizando a imagem da retratada como uma das maiores beldades do século XIX. Na época em que o artista concluiu seu trabalho, Elisabeth tinha 28 anos e já havia dado à luz três filhos, incluindo o herdeiro do trono, Rudolf. Sendo assim, a obra tinha como intuito político a solidificação de sua posição como imperatriz da Áustria e rainha da Hungria e da Boêmia, além de mãe do futuro monarca. Algo que pode ser compreendido a partir das fotografias feitas do quadro e distribuídas entre a nobreza local e outras cortes da Europa.

O icônico retrato da imperatriz Elisabeth da Áustria, pintado em 1865 por Franz Xaver Winterhalter.

Uma das famosas estrelas de diamantes, que a Imperatriz Sissi utilizou para posar para o icônico retrato pintado por Franz Winterhalter. A soberana possuía 27 dessas estrelas, distribuídas ao longo de sua vida como presentes às suas damas de companhia. Em 1902, a arquiduquesa Elisabeth, filha do príncipe coroado Rudolf, usou algumas delas no cabelo em seu casamento.

Retratos informais da imperatriz Elisabeth da Áustria, pintados por Winterhalter a pedido do imperador Francisco José.

Elisabeth da Áustria se tornou uma das figuras mais romantizadas pela ficção contemporânea, graças aos elementos dramáticos de sua biografia: a xenofobia de uma corte estrangeira; o desenvolvimento de anorexia nervosa, que desencadeou para uma rejeição da sexualidade; problemas conjugais e a vivência afastada do marido; o assassinato do cunhado Maximiliano, no México, e o suicídio do filho; a morte da irmã Sophie Charlotte em um incêndio no Bazar da Caridade em Paris, no ano de 1897. Diante de tantas perdas, problemas conjugais, transtornos físicos e psicológicos, a imperatriz desenvolveu um quadro de depressão. O desfecho de sua existência ocorreu em 10 de setembro de 1898, quando ela foi assassinada em Genebra por um anarquista italiano. O mais intrigante nessa trajetória, contudo, é o fato de que Elisabeth usou a moda não apenas como mera expressão de sua vaidade, mas como uma forma de manifestação de seu estado emocional. Para além de ser recordada como uma das mulheres mais atraentes de seu tempo, Sissi também esteve na vanguarda das tendências. Assim sendo, tecidos de seda, cetim e veludo, joias, crinolina, laços, chapéus, leques e luvas foram mais do que simples acessórios aplicados na composição de sua aparência.

Voltando agora para o célebre quadro pintado por Winterhalter, ele foi encomendado pelo imperador Francisco José para fazer par com um retrato do próprio monarca. Existem ainda outras telas da soberana assinadas pelo artista, com apelo mais informal. Fazendo uso do estilo romântico pelo qual seu trabalho ficou tão caracterizado, Winterhalter representou Elisabeth em trajes mais despojados e com uma expressão serena no rosto. O destaque da produção ficou para sua basta cabeleira castanha de fios longos e grossos, que chegavam aos seus pés. Depois de prontas, as duas telas foram penduradas no escritório do imperador. É bastante raro encontrar outras representações de Sissi com os cabelos soltos. Na maioria dos retratos, eles são trançados e enrolados no topo de sua cabeça, criando uma espécie de diadema natural, que era enfeitado com flores ou joias. O penteado de Elisabeth acabou se tornando sua “marca registrada”, reproduzido em uma série de periódicos de moda como o Les Modes Parisiennes. Na sua edição de abril, o Godey’s Mgazine batizou o arranjo em forma de cocar com o nome de “imperatriz”, recomentando às suas leitoras que o decorassem com lilases persas brancos e/ou miosótis azuis. Como nem todas as mulheres do período tinham essa quantidade de cachos para fazer o penteado, elas geralmente recorriam ao uso de apliques.

Foto digitalmente colorida da imperatriz Elisabeth da Áustria (Sissi), tirada nos anos 1860, quando seu casamento com o imperador Franz Joseph já não ia tão bem. A foto faz parte de uma sessão feita por Angerer de Viena e nela é possível constatar a infelicidade na expressão da soberana. Colorização: Klimbim

Fotografia da Imperatriz Elisabeth da Áustria, usando um vestido sobre crinolina, tirada em 1863-4 por Ludwig Angerer.

Fotografia da imperatriz Elisabeth da Áustria (Sissi), tirada em 1864-5.
Colorização: Klimbim

Outro elemento de vestuário feminino muito famoso em 1865 era a crinolina, que começou a ficar mais reta na frente e larga ao fundo. No retrato pintado por Winterhalter, Sissi usa um modelo duplo sob suas saias. O Journal des demoiselles recomendava que a crinolina fosse especificamente vestida em trajes de bailes. Estes, por sua vez, deveriam apresentar um decote profundo com mangas bufantes caindo dos ombros, para valorizar o busto. Já nas roupas diurnas, o decote deveria ser menos generoso. Mãos calçadas com luvas e um leque decorado também eram muito apreciados entre as damas aristocráticas do período. Os corantes artificiais eram cada vez mais aplicados ao tecido e as técnicas de alvejamento foram aprimoradas. O branco passou a ser uma cor extremamente valorizada por sua ideia de leveza, em contraste com o preto do luto. “Nada é mais bonito e mais elegante do que o branco”, publicava o Journal des demoiselles na sua coluna de moda. Dessa forma, a roupa de Sissi na famosa tela de Winterhalter estava em completa conformidade com o espírito das tendências da década. As estrelas em formato de flor Edelweiss do seu vestido agrupavam-se perfeitamente com suas similares em diamantes, aplicadas no cabelo da soberana.

 Outros tecidos apreciados na moda feminina, além da seda e do cetim, eram a musselina, a gaze e o tule, pois emprestavam uma combinação de transparência e beleza às roupas. Entre as mulheres da aristocracia, o uso de vestidos ricamente costurados servia como um espelho para a posição social de seus maridos. Assim, quanto mais joias e enfeites elas utilizavam, mais evidente ficava o status econômico do casal (talvez tenha sido por isso que a casa Worth salpicou a roupa de Sissi com estrelas de folha de prata, em arranjo com seus adereços de diamante). Felizmente, a vida da imperatriz coincidiu também com a ascensão da fotografia, que dinamizou a produção de retratos na segunda metade do século XIX. Através delas, podemos ter uma ideia mais acurada de como a soberana usou a moda como um ato de expressão. Um bom exemplo disso são as imagens produzidas por ocasião de sua coroação como rainha da Hungria, em 1867. Tanto em fotos quanto em telas, ela aparece utilizando um vestido em seda branca com corpete de veludo preto costurado na frente com fios de pérolas. A peça foi desenhada por ninguém menos que Charles Frederick Worth, considerado o “pai da alta costura” e um dos estilistas favoritos de soberanas como Sissi e Eugénia de Montijo.

Réplica de vestido que pertenceu à Imperatriz Elizabeth (Sissi) da Áustria, atualmente exposto no Sisi Museum (Hofburg, Viena).

Réplica de vestido que pertenceu à Imperatriz Elizabeth (Sissi) da Áustria, atualmente exposto no Sissi Museum (Hofburg).

Botas forradas em seda branca e renda, que pertenceram à imperatriz Elisabeth da Áustria, mais conhecida como Sissi. Atualmente, o par se encontra em exposição no Sisi Museum, localizado no Palácio Hofburg, em Viena.

Até hoje, alguns especialistas se debatem sobre a cor exata do vestido, uma vez que o modelo original não sobreviveu e as fotografias do período não permitem discernir corretamente se a seda seria branca, marfim ou azul-bebê. O acabamento da peça segue a moda tradicional húngara do século XV, com uma espécie de avental franzido na saia. Ao longo dos anos, cada pintor atribuiu uma característica extra à roupa, de modo que as réplicas existentes em museus são releituras aproximadas e não fidedignas. Outro exemplo é o vestido de casamento da soberana, usado em agosto de 1853. Nesse caso, não existem imagens contemporâneas do modelo. Então, só podemos imaginar como ele seria com base nas ilustrações póstumas e nas partes sobreviventes do tecido. Seguindo o costume da época, Sissi o doou para a Igreja após a cerimônia. O bordado de prata com guirlandas de flores foi recortado para a confecção de um manto sacerdotal. A peça pode ser vista atualmente no Sisi Museum, em Viena. Há também a cauda de seda branca, bordada em ouro. Concebida como uma parte independente do vestido de noiva, ela foi guardada pela filha da imperatriz, Maria Valéria, e em 1989 foi vendida por seus descendentes para o Kunsthistorisches Museum.

Sissi tinha uma verdadeira compulsão pela magreza. Fazia constantemente exercícios com o trapézio e caminhadas diárias de até 3 horas, o que deixava suas damas de companhia bastante extenuadas. Em algumas ocasiões, ela chegava a recusar a ingestão de alimentos, contribuindo assim para o desenvolvimento de uma possível anorexia nervosa, conforme esclarece sua biógrafa Brigitte Hamann (1986). Suas roupas preservadas desse período apresentam um corte extremamente delgado na região da cintura, que podia ficar ainda mais fino com o uso de espartilhos. À medida em que envelhecia, ela se recusava a posar para novas fotografias e geralmente saia com um véu cobrindo o rosto. Quando algum fotógrafo aparecia furtivamente durante suas cavalgadas, a imperatriz rapidamente abria um leque diante da face, impedindo assim que sua expressão foi capturada pelas lentes da câmera. A maioria dos retratos de suas últimas décadas de vida são montagens feitas em estúdios de como a soberana se pareceria perto da casa dos 50 anos. Com a progressiva perda do desejo sexual, agravada por problemas com a sua autoestima e a hostilidade da corte de Viena, ela começou a passar cada vez mais temporadas viajando pela Europa de forma incógnita.

Cauda do vestido de casamento de Sissi, ao lado de um retrato da soberana em que ela supostamente estaria usando o adereço em outra composição.

Trajes mais informais que Sissi costumava utilizar quando estava na Ilha de Corfu, na Grécia. Acervo do Kunsthistorisches Museum.

Vestido que pertenceu à imperatriz Elisabeth da Áustria, mais conhecida como Sissi. A peça foi confeccionada na década de 1880, em seda preta com detalhes de renda e ricos bordados de miçangas de azeviche. Foi doada ao Museu Kunsthistorisches em 1962.

Aos poucos, Sissi foi perdendo também o desejo de estar na vanguarda da moda. Seus vestidos, antes tão suntuosos, passaram a ter um acabamento mais simples. Quando em visita à Ilha de Corfu, na Grécia, ela gostava de usar um traje de chenile azul, muito mais simples do que as roupas formais da corte vienense e húngara. A informalidade passou a ser um traço marcante na vida da imperatriz. Quando ela esteve na Ilha de Wight, na Inglaterra, em agosto de 1874, Victoria, princesa coroada da Prússia, fez uma descrição bastante precisa sobre o estado de ânimos, a aparência e a rotina de Elisabeth. Em carta para a mãe, a rainha, ela disse:

A imperatriz da Áustria também veio aqui ontem – ela não aceitou quaisquer dos refrescos que lhes oferecemos. Mas depois disso nós ouvimos que ela foi para um hotel em Snowdon e jantou por lá, o que achamos muito estranho. Ela não estava na sua melhor aparência, e acredito que sua beleza desapareceu um bocado desde o último ano, embora ela ainda continue linda! Tampouco estava vestida de forma agradável. […] mas a imperatriz é mais impressionante do que qualquer dama que eu já conheci. A bela imperatriz é uma pessoa muito estranha, tanto quanto sua programação diária permite. Na maior parte da manhã ela fica dormindo no sofá. Ela almoça por volta das 4 e caminha bastante sozinha a noite toda e nunca por menos de três horas, ficando furiosa quando alguma coisa é planejada. Ela não quer ver ninguém ou ser vista em qualquer lugar (apud HAMMAN, 1986, p. 218).

De sua parte, Sissi achava esses encontros bastante maçantes e os evitava a todo custo, conforme disse em carta ao marido na mesma ocasião: “Eu fui sempre muito cortês, o que parece ter surpreendido a todos. Mas agora chega. Dão-se perfeitamente conta de que quero ficar em paz, e evitam pôr-me em embaraços…” (apud CORTI, p. 158).

Com efeito, a última vez em que a soberana foi vista usando roupas coloridas foi por ocasião do casamento de sua filha mais jovem, a arquiduquesa Maria Valéria, no Natal de 1888. Cinco semanas depois, em 30 de janeiro de 1889, seu filho, o arquiduque Rudolf, teria se suicidado na companhia da amante. A partir de então, Elisabeth usaria apenas o preto em ocasiões formais, em sinal de luto pela perda do príncipe herdeiro. Embora ela tivesse vestido essa cor em outros eventos, já que estava muito em voga desde os anos anteriores, na última década de sua vida o preto se tornou sinônimo do seu estado de tristeza, intensificada pela trágica morte de sua irmã favorita em um incêndio. Por outro lado, quando estava em seu retiro sossegado na Ilha de Creta, onde adquiriu o belo palácio de Achilleion, Sissi se permitia o uso de algumas de suas roupas mais simples, como seus vestidos de chenile rosa e azul. As belíssimas joias, como as estrelas de diamantes que ela usou no retrato pintado por Winterhalter, foram distribuídas entre suas filhas e damas de companhias. Foi dessa forma, despojada de adornos opulentos e com seu vestido simples de cetim preto, que a soberana foi assassinada em 10 de setembro de 1898, enquanto caminhava de volta para o navio ancorado em Genebra. Morria a mulher e nascia o ícone, eternizado na literatura e nas telas de cinema.

Referências Bibliográficas:

CASSANO, Zorya Serra di. Franz Xaver Winterhalter, Empress Elisabeth of Austria. 2018 – Aceddo em 12 de maio de 2021.

CORTI, Egon Conte. A imperatriz Elisabete (Sissi). Tradução de Mário e Celestino da Silva. Rio de Janeiro: Casa Editora Vecchi, S/A.

HAMANN, Brigitte. The reluctant empress: a biography of empress Elisabeth of Austria. 4ª ed. New York: Ullstein, 1997.

PALACES OF EUROPE. Sisi’s dresses. – Acesso em 12 de maio de 2021.

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