O encontro de dois ícones: o dia em que a rainha Vitória conheceu a imperatriz Sissi!

Por: Renato Drummond Tapioca Neto

Dois dos maiores ícones femininos do século XIX, a rainha Vitória do Reino Unido e a imperatriz Elisabeth “Sissi” da Áustria são personagens bastante referenciadas pelo imaginário popular, seja atrás de filmes e séries que retratam suas vidas, romances e/ou biografias. Embora vivendo em locais separados e com modos e costumes bastante diferentes, ambas mantiveram acesa a curiosidade na mente uma da outra. A fama da beleza mitológica de Sissi atravessou oceanos e a definiu como um símbolo de graça e encanto para os povos europeus. Já Vitória, se consolidou como a maior soberana de seu tempo, reinando sobre uma extensão de terras que perfaziam quase 1/6 do mundo. De muitas formas, a rainha da Inglaterra corporificou e deu sentido ao período que se convencionou chamar de Era Vitoriana, ao passo em que a imperatriz Sissi transcendeu gerações, com seu perfil de sílfide inteligentemente capturado pelos pincéis de Franz Xaver Winterhalter. Mas, quando as duas tiveram a oportunidade de se conhecer, nem tudo saiu como esperado!

Montagem dos retratos da rainha Vitória (quando jovem) e da imperatriz Sissi, pintados por Franz Xaver Winterhalter. A soberana inglesa era 18 anos mais velha que a esposa do imperador da Áustria.

Ao longo de seu reinado de mais de 63 anos, a rainha Vitória conheceu diversos monarcas e chefes de Estado do continente europeu e além. Esteve com a rainha Dona Maria II de Portugal quando ainda eram meninas e visitou a família do rei Luís Felipe de Orleans na França. Quando a família real francesa foi deposta em 1848, ela lhes deu asilo na Inglaterra, o que não a impediu, contudo, de manter bons termos com Napoleão III e principalmente com a esposa deste, a imperatriz Eugénia de Montijo (beldade tão louvada pelos pintores quanto a imperatriz Elisabeth). Os filhos e filhas da rainha contraíram matrimônio com importantes casas reinantes de países como a Prússia e a Rússia, incluindo principados menores como o de Hesse-Darmstadt. Essa rede de conexões permitiu com que a soberana estabelecesse parentesco com pelo menos 9 famílias reais da Europa. Além disso, em suas digressões pelo continente ela também entrou em contato com soberanos de terras mais longínquas, como xeiques árabes e até mesmo o nosso imperador D. Pedro II do Brasil.

Mulher bastante dinâmica e de espírito intrépido, a rainha Vitória nutria interesse em conhecer a famosa imperatriz da Áustria, de cuja beleza ela tanto ouvira falar. O encontro finalmente aconteceu em 1874, quando a soberana inglesa tinha 55 anos e sua aparência em pouco lembrava a da jovem rainha da época em que Winterhalter produziu a maioria dos seus retratos oficiais de Estado. Mais corpulenta, Vitória abandonou as vestes coloridas pelo preto do ludo em memória do marido morto 12 anos antes; os belíssimos diamantes foram distribuídos entre as suas filhas e um simples toucado branco lhe emoldurava o rosto. Já Sissi, que na época tinha 36 anos de idade, estava casada com o imperador Francisco José há 20 anos (a quarta e última filha do casal, Maria Valéria, nasceu em 1868). Por volta de 1873, ela planejava fazer uma viagem à Grã-Bretanha, oferecendo assim uma oportunidade para que ela e Vitória se conhecessem. Não obstante, sua filha mais jovem precisava tomar banhos medicinais em água do mar e a Ilha de Wight, localizada na costa sul da Inglaterra, em Southampton, oferecia o locai ideal para isso.

Osborne House, residência de verão da rainha Vitória, localizada na Ilha de Wight. Ela passava suas férias na propriedade quando se encontrou com a imperatriz Elisabeth pela primeira vez.

Em contraste com a morbidez de Vitória, Sissi adorava fazer caminhadas longas e montar a cavalo. Sua cintura delgada era mantida com uma rotina rigorosa de exercícios, que deixavam suas damas de companhia bastante exasperadas. Fascinada pelos relatos e pinturas dos campos britânicos, a imperatriz insistiu junto ao marido para passar uma temporada lá. O imperador Francisco aproveitou então o ensejo para organizar uma pequena reunião entre sua esposa e a rainha. Sissi partiu na companhia de Maria Valéria no verão de 1874 e se fixou no castelo de Steephill, na Ilha de Wight (construção demolida na década de 1960), no dia 2 de agosto. Para evitar o protocolo referente a uma recepção exigida para um membro da realeza, ela viajou incógnita sob o título de condessa von Hohenmbs. Durante sua estadia, a imperatriz fez uma série de visitas a Vitória nas proximidades de Osborne House, onde a monarca passava suas férias de verão, participando também de uma caçada no castelo Belvoir, em Melton.

O encontro, porém, não ocorreu conforme o desejado e foi marcado por nada além de um tratamento glacial e cortês. Embora se tratassem com respeito, a imperatriz não ficou impressionada com a soberana inglesa e teria feito comentários um pouco desdenhosos sobre sua postura. Por outro lado, a notícia da chegada inesperada de Sissi pegou a rainha de surpresa. Em uma carta para sua filha, Vitória escreveu:

A imperatriz insiste em me ver hoje. Todos nós estamos desapontados. Eu não posso chamá-la de uma grande beldade. Ela possui uma bela pele, um porte magnífico, pequenos olhos perfeitos e um nariz não tão perfeito assim. Eu devo dizer que ela fica muito melhor in grande tenue [com seus trajes de Estado], quando ela pode ser admirada com seus belos cabelos, que são o seu atributo. Eu acho que Alix [a princesa de Gales] é muito mais bonita que a imperatriz (apud HAMMAN, 1986, p. 218).

Existe uma falácia (não comprovada) de que Sissi achou Vitória “uma matrona velha, gorda e presunçosa, sem qualquer senso de humor”. Embora outras fontes indiquem que fora a filha da imperatriz, Maria Valéria, a verdadeira autora de tal comentário, duvidamos da veracidade de tais palavras. O certo é que houve alguma falta de entendimento entre as duas. Acostumada com a franqueza e cheia de comentários mordazes, Vitória teria visto em Sissi uma “bonequinha de luxo mimada”, que negligenciava o marido e era irresponsável em seus deveres como imperatriz. Dizem que a reunião foi pontuada por comentários irônicos por parte de Sissi, proferidos sempre em voz baixa, algo que irritava demasiadamente a rainha, que tinha dificuldade de audição.

Litogravura do século XIX, representando a rainha Vitória e a imperatriz Elisabeth.

Com efeito, a princesa coroada da Prússia, Victoria, filha mais velha da rainha, também estava na Ilha de Wight na ocasião da visita da imperatriz Elisabeth e compartilhou com sua mãe o mesmo desapontamento. Em carta à soberana, a princesa disse:

A imperatriz da Áustria também veio aqui ontem – ela não aceitou quaisquer dos refrescos que lhes oferecemos. Mas depois disso nós ouvimos que ela foi para um hotel em Snowdon e jantou por lá, o que achamos muito estranho. Ela não estava na sua melhor aparência, e acredito que sua beleza desapareceu um bocado desde o último ano, embora ela ainda continue linda! Tampouco estava vestida de forma agradável. […] mas a imperatriz é mais impressionante do que qualquer dama que eu já conheci. A bela imperatriz é uma pessoa muito estranha, tanto quanto sua programação diária permite. Na maior parte da manhã ela fica dormindo no sofá. Ela almoça por volta das 4 e caminha bastante sozinha a noite toda e nunca por menos de três horas, ficando furiosa quando alguma coisa é planejada. Ela não quer ver ninguém ou ser vista em qualquer lugar (apud HAMMAN, 1986, p. 218).

Devido à conhecida timidez da imperatriz, sua passagem pela Inglaterra foi motivo de preocupação na corte. Aparentemente, ela demonstrou gentileza para com John Brown, o antigo criado escocês do príncipe Albert que se tornou o favorito da rainha Vitória. De sua parte, Sissi escreveu ao marido sobre sua única visita em caráter oficial à Ilha de Wight, que ela classificou como “o dia mais fatigante de toda a sua viagem”. Sobre seu encontro com Vitória, ela disse o seguinte:

A rainha foi muito gentil, não disse nada de desagradável, mas não me é simpática. O príncipe de Gales mostrou-se amável, bonito e surdo como uma porta; a princesa herdeira, que reside a uma hora e meia da mãe, portou-se como sempre. Têm uma casa muito pequena, mas graciosa, e demoram-se ainda aqui. Amanhã ela virá visitar-me. Eu fui sempre muito cortês, o que parece ter surpreendido a todos. Mas agora chega. Dão-se perfeitamente conta de que quero ficar em paz, e evitam pôr-me em embaraços… (apud CORTI, p. 158).

Já para a duquesa Ludovika, Sissi confessou que “algumas coisas me aborreceram”. Para tentar causar uma melhor impressão na convidada, Vitória fez um novo convite após a primeira visita da imperatriz, mas esta o recusou através de uma carta muito polida, na qual dizia que a rainha ficaria satisfeita por ser poupada daquele enfado.

Todavia, ela e Vitória se encontraram novamente no dia 11 de agosto, na presença da sobrinha da imperatriz, Marie Louise von Larisch-Wallersee, que deixou para a posteridade o seguinte registro: “Elisabeth usava um vestido de veludo azul escuro com acabamento de pele, uma criação da Rue de la Paix, e seu chapéu era um caso requintado carregado com penas iridescentes suavemente cintilantes”. Sobre a rainha Vitória, ela escreveu que era uma mulher pequena e “um pouco gorda”, não poupando comentários mordazes à sua vestimenta: “um vestido volumoso de seda preta parcialmente coberto por um lenço indiano agressivo”. Ela também usava um “enorme chapéu branco de viúva”, que se elevava sobre sua cabeça. Pelas descrições de Marie Louise nas suas Memórias, o contraste entre as duas mulheres era gritante. Desde os tempos de juventude, a forma como Vitória se vestia era algo que preocupava a sua camareira-mor, devido ao gosto peculiar da soberana para a moda. Apesar disso, a rainha nunca pretendeu estar na vanguarda das tendências.

Aparência da rainha Vitória quando ela conheceu a imperatriz Elisabeth, em 1874.

Em março de 1876, a imperatriz viajou novamente à Inglaterra para uma temporada de caça e demonstrou interesse de se encontrar com a rainha Vitória. Mas, dessa vez, foi a monarca quem recusou o convite, “por estar muito ocupada”, conforme lhe disseram. Ultrajada, Sissi escreveu ao marido: “Fosse eu tão impertinente! Mas todos aqueles aos quais faço minhas visitas estão envergonhados; pois eu fui amável e já estive em toda parte” (apud CORTI, p. 170). A reunião então foi marcada para Windsor, em 12 de março, um domingo, dia em que a família real geralmente não concede audiências para visitantes. Sissi chegou exatamente no momento em que a soberana tomava parte no serviço religioso, fazendo com que Vitória deixasse a igreja para lhe dar atenção. A despeito do inconveniente, a monarca achou a imperatriz “muito elegante, de preto, com peles”. Percebendo a situação embaraçosa que havia causado, Elisabeth disse que havia mudado de planos e que não pretendia tomar mais o tempo de Vitória, recusando-se a participar do almoço. Essa visita desconcertante durou exatamente 1/4 de hora e pouco fez para estreitar as relações entre as casas dinásticas da Áustria e do Reino Unido. Após esses encontros pontuais, a rainha e a imperatriz mantiveram um relacionamento distante, marcado apenas pela cortesia.

Referências Bibliográficas:

ALEXANDRE, Philippe; DE L’AULNOIT, Béatriz. Victoria: a última rainha (1819 – 1901). Tradução de Fátima Gaspar e Carlos Gaspar. 2ª ed. Lisboa, Portugal: Bertrand, 2002.

BAIRD, Julia. Vitória, a rainha: a biografia íntima da mulher que comandou um império. Tradução de Denise Bottman. Rio de Janeiro: Objetiva, 2018.

CORTI, Egon Conte. A imperatriz Elisabete (Sissi). Tradução de Mário e Celestino da Silva. Rio de Janeiro: Casa Editora Vecchi, S/A.

HAMANN, Brigitte. The reluctant empress: a biography of empress Elisabeth of Austria. 4ª ed. New York: Ullstein, 1997.

Sites:

Bunte.de – Acesso em 8 de abril de 2021.

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