Por: Renato Drummond Tapioca Neto
A imperatriz Catarina II da Rússia entrou para a história como uma das maiores monarcas de seu tempo. Amante das ciências, era amiga de importantes pensadores como Voltaire e Diderot, além de procurar aplicar os ditames do Iluminismo na sua forma de governar. Mas, o que poucos sabem, é que a soberana foi uma das maiores defensoras da vacinação contra doenças infecciosas, especialmente a varíola. Desde tempos muito antigos, a varíola foi a causa da morte tanto de reis quanto de plebeus, ceifando as vidas de milhares de pessoas em todo o mundo. No final da década de 1760, uma pandemia se alastrou por muitos reinos europeus, fazendo vítimas na Rússia, na Áustria, na Prússia, na França, entre outros países. Amedrontada pela possibilidade de ela ou seu filho e herdeiro, Paulo, serem contaminados, Catarina tomou uma decisão corajosa. Ela havia ouvido falar sobre um método de inoculação, ministrado a partir do conteúdo extraído das pústulas de um indivíduo contaminado, que causava no paciente uma versão mais leve da doença e depois lhe conferia imunidade. Cansada de se esconder, a imperatriz enfrentou a enfermidade e se submeteu ao procedimento, servindo assim de exemplo para muitas pessoas do período.

Perfil de Catarina II da Rússia em 1763, por Fyodor Rokotov.
Durante o seu reinado de 36 anos, Catarina deu provas suficientes de como se sentia política e socialmente responsável pelo povo. Além de dar para a Rússia um novo código de leis, ela estava atenta às altas taxas de nascimento e mortalidade da população. Esses números, por sua vez, a deixavam bastante preocupada. Em 1763 (apenas um ano após ascender ao trono), ela criou a primeira Faculdade de Medicina do Império, para formar médicos, cirurgiões e farmacêuticos. Não obstante, a czarina contratou profissionais da saúde de outros países da Europa ocidental, para prestar atendimento aos seus súditos. Um hospital para crianças foi construído, com o propósito de receber infantes abandonados e proteger suas mães. A instituição acabou servindo de modelo para outras do gênero em São Petersburgo e nas demais províncias. No ano de 1755, ela lançou um decreto ordenando que todas as capitais do país tivessem um hospital geral e que postos de saúde com clínicos, cirurgiões, farmacêuticos e assistentes fossem montados em cada condado. Apesar de não conseguirem dar conta do grande número de casos que apareciam anualmente, a atitude de Catarina foi considerada como um primeiro passo para melhorar a qualidade de vida dos russos.
Pessoalmente, a soberana fazia troça de seus médicos, como o jovem escocês Dr. John Rogerson, formado na Universidade de Edimburgo. A princípio, ela acreditava que exercícios físicos, como uma boa caminhada, acompanhados de uma alimentação balanceada eram mais eficazes do que qualquer tratamento. Mas, quando a pandemia de varíola surgiu novamente, Catarina ficou realmente assustada. Algumas décadas antes, em 30 de janeiro de 1730, a doença havia levado embora o jovem imperador Pedro II, assim como o noivo da imperatriz Elizabeth (antecessora de Catarina). Seu marido, Pedro III, também havia contraído a infecção quando jovem, sobrevivendo com o rosto completamente desfigurado. Entre a família imperial austríaca, a imperatriz Maria Teresa e sua nora, Maria Josefa, também contraíram a doença em maio de 1767. Embora a imperatriz tenha sobrevivido, sua nora não resistiu. Cinco meses depois, em outubro, a filha da soberana, outra Maria Josefa, faleceu de varíola depois de rezar junto ao caixão mal lacrado de sua cunhada. Mais duas filhas da imperatriz também foram contaminadas e ficaram terrivelmente marcadas pela doença. Devido a essa sucessão de mortes, a soberana austríaca decidiu vacinar seus três filhos menores.

O escocês Thomas Dimsdale, médico que vacinou Catarina II contra a varíola.
Na primavera de 1768, a noiva de Nikita Panin, importante político do reinado de Catarina, foi atacada pela varíola. Em decorrência disso, o próprio Panin foi colocado em quarentena por duas semanas. Com medo, a imperatriz ordenou que seu filho, Paulo, fosse trazido a Tsarskoe Selo para permanecer ao lado da mãe. “Estou muito preocupada”, disse Catarina, “e incapaz de me concentrar em nada melhor, pois tudo é horrível nesta situação crítica”. A noiva de Panin, condessa Ana Sheremeteva, infelizmente não sobreviveu. Foi nessas circunstâncias que Catarina decidiu procurar um método que salvasse a si, seu herdeiro e a seu povo. A vacinação, ou inoculação (como era melhor conhecida no século XVIII), ainda era um método bastante controverso, considerado perigoso na Europa Continental. Sua aplicação, contudo, vinha obtendo sucesso na Inglaterra e nas colônias inglesas na América do Norte. Em 1766, por exemplo, Thomas Jefferson foi vacinado. A mente por trás desse processo era o médico escocês Thomas Dimsdale, formado pela Universidade de Edimburgo e autor do livro The Present Method of Inoculating for the Small Pox (O Atual Método de Inoculação para a Varíola). A convite de Catarina, Dimsdale chegou à Rússia em agosto de 1768.
O método desenvolvido pelo médico deixou a imperatriz bastante intrigada. Segundo ele, ela queria ser vacinada o quanto antes. Apesar disso, Dimsdale tinha receio de que algo desse errado e causasse a morte da soberana. Depois de muito tergiversarem, eles concordaram com a data de 12 de outubro para a vacinação. Dez dias antes, Catarina havia parado de tomar vinho e de comer carne. Ela também começou a tomar um emético tartárico, pó de pata de caranguejo e calomelano, na crença de que isso fortaleceria seu organismo. No dia 12, Thomas fez um corte em cada braço da imperatriz e injetou material extraído das pústulas quase secas de um menino camponês, chamado Alexander Markov. Na manhã seguinte, ela dizia se sentir saudável, “exceto por um leve mal-estar”. Um número moderado de pústulas apareceu pelo seu corpo, mas foram embora em uma semana. Depois do sucesso da empreitada, Catarina fez de Dimsdale Barão do Império Russo, com uma pensão vitalícia de 500 libras anuais, e deu ao jovem Alexander um título de nobreza. Em seu discurso para o Senado, a soberana respondeu: “Meu objetivo foi, através do meu exemplo, salvar da morte meus muitos súditos que, não conhecendo o valor dessa técnica, amedrontados, estavam em perigo”.

Retrato de Catarina II da Rússia, pintado por Fyodor Rokotov (c. 1770).
No dia 2 de novembro, o herdeiro do trono, Paulo, foi vacinado sem complicações. 140 nobres de São Petersburgo seguiram o exemplo da imperatriz e também se submeteram ao procedimento. Depois disso, Thomas Dimsdale foi para Moscou, onde inoculou mais 50 pessoas. Postos de vacinação foram então criados em várias cidades do império e uma versão do tratado do médico escocês foi publicada em russo pela primeira vez. Até o ano de 1780, cerca de 20 mil pessoas já tinham sido vacinadas e em 1800 mais de 2 milhões. Catarina II foi elogiada em toda a Europa por sua coragem e disposição, quando outras cabeças coroadas se recusavam a passar pelo processo. A imperatriz os chamava de “estúpidos, ignorantes, ou simplesmente maldosos”, por permitirem que as vidas das pessoas corressem perigo. Em 1774, o rei Luís XV da França morreu depois que contraiu a doença de uma camponesa. Imediatamente, seu sucessor, Luís XVI, foi inoculado, incentivando assim outros nobres franceses a seguirem o exemplo. Com sua confiança no progresso das ciências, Catarina mostrou para seus colegas quais era as verdadeiras qualidade de um chefe de Estado, dando assim mais uma prova para a posteridade de porquê ficou conhecida como A Grande.
Referências Bibliográficas:
COPE, Rebecca. Catherine the Great was an early champion of vaccinations. 2021. – Acesso em 15 de janeiro de 2021.
FOUSSIANES, Chloe. Catherine the Great, Vaccine Queen. 2021. – Acesso em 15 de janeiro de 2021.
_. Os Románov: 1613-1918. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.