Por: Renato Drummond Tapioca Neto
Entronizada aos 25 anos de idade, Elizabeth II ainda tinha muito o que aprender no exercício de suas funções como rainha constitucional. Para tanto, ela contou com o auxílio de homens experientes como Winston Churchill, e teve o suporte de sua mãe, a rainha Elizabeth Bowes-Lyon. É difícil para muitos de nós enxergar a imagem de uma soberana insegura por trás da fachada de austeridade transmitida em cédulas, moelas, selos e retratos oficiais. O Palácio de Buckingham sempre tentou esconder a mulher Elizabeth Mountbatten dentro da majestosa Elizabeth Regina. A turnê pela Comunidade de Nações foi um verdadeiro sucesso e agora era o momento de encarar a imensa responsabilidade que a rainha tinha pela frente. Enquanto lidava com a obstinação de Churchill, problemas no seio de sua própria família requeriam atenção. Um deles era o caso de sua irmã, a princesa Margaret, que estava de amores por Peter Townsend, antigo escudeiro de George VI[1]. Townsend, um homem em processo de divórcio, era considerado um pretendente inadequado para uma princesa de sangue real. Alguns anos antes, o rei Edward VIII abdicara do trono para viver seu romance com uma mulher duas vezes divorciada, provocando assim uma das maiores crises enfrentadas pela instituição.

Retrato comemorativo da rainha Elizabeth II, pintado em 1954 por William Dargie, depois da monarca ter visitado todos os países da Comunidade de Nações na sua turnê de coroação.
Em um regime como a monarquia, o jogo de aparências é fundamental para preservar a integridade do sistema. Para viver seu romance com Peter Townsend, Margaret deveria abandonar a realeza e todos os privilégios adquiridos com sua posição. A rainha, por sua vez, se viu obrigada a ficar do lado dos ministros e da Igreja. Entre o amor e o dever para com a Coroa, Margaret abaixou a cabeça diante das convenções e repudiou seu relacionamento com o homem por quem estava apaixonada. Na outra mão, Winston Churchill nutria sérias desconfianças com relação ao duque de Edimburgo e ao seu tio, Louis de Mountbatten. Figura bastante imponente e uma liderança destacada na Segunda Guerra Mundial, o Primeiro Ministro já tinha mais de 80 anos quando assumiu novamente o cargo em 1951. Sem o apoio da maioria dos membros do Partido Conservador, ele renunciou em 1955, depois de ser condecorado pela rainha com a Ordem da Jarreteira. Foi então substituído Anthony Eden. No ano seguinte, estourou a primeira grande crise do reinado de Elizabeth, provocada pela nacionalização do Canal de Suez. Eden utilizou uma estratégia imperialista, com o apoio da França e de Israel, para entrar em guerra contra o general Abdel Nasser, então presidente do Egito e impedir a nacionalização do canal, que era de primordial importância para a economia inglesa.
Ainda hoje, não se sabe até que ponto Elizabeth tinha conhecimento dos planos do Primeiro Ministro na questão do Canal de Suez. Mas, um dos aspectos mais interessantes do trabalho da rainha consiste no fato de que ela lê com atenção todos os documentos que lhe são enviados pelo Ministério das Relações Exteriores e pela Downing Street, de modo que ela deveria ter alguma noção dos planos de Eden. Em vários sentidos, ela é a perfeita corporificação do estabelishment, termo cunhado por Henry Fairley para se referir ao exercício social do poder na Inglaterra. O duplo-papel da soberana consiste em encabeçar o aparelho governativo, da administração, das Forças Armadas, da Igreja e da magistratura. Na outra mão, ela representa seu país no restante do mundo. Para cada lugar que a rainha viaja, tenta-se reproduzir a atmosfera do Palácio de Buckingham. É ela quem seleciona suas roupas, maquiagem e adereços, sempre de acordo com a cultura e o clima do seu destino. Tudo é combinado com bastante antecedência e nada lhe escapa, algo que o Primeiro Ministro Harald Wilson comprovaria na década de 1960. Em 1957, Anthony Eden renunciou ao cargo. A rainha consultou os membros do Partido Conservador e apontou Harold Macmillan como seu sucessor. Por volta dessa época, as primeiras críticas ao seu reinado começaram a surgir.
Nomes como John Crigg, Malcolm Muggeridge e Lorde Altrinchan enxovalharam Elizabeth por seus valores arcaicos e o conservadorismo da Casa Real. O príncipe Philip então se responsabilizou por reorganizar o funcionamento do palácio, enquanto a rainha se encarregou pessoalmente de fazer algumas mudanças, entre elas: abrir o palácio para almoços e jantares festivos, com uma gama sortida de convidados; acabar com o tradicional baile de debutantes, oferecido anualmente para as filhas da aristocracia; e, por fim, televisionar os discursos natalinos, que antes eram transmitidos apenas pelo rádio. Costume esse que até hoje é mantido pela soberana. Já no plano internacional, o governo enfrentava a possibilidade de Gana abandonar a Comunidade de Nações e se juntar a Moscou. Contra a vontade do Primeiro Ministro, Elizabeth viajou pessoalmente para a África Ocidental, onde se encontrou com o presidente Nkrumah. Em termos diplomáticos, sua visita foi um sucesso e impediu que o país passasse para o lado dos soviéticos (embora tenha se desligado da Comunidade alguns anos depois). Entre os anos de 1956 e 1957, o príncipe Philip também fez uma viagem pelos países da Comunidade, acompanhado de uma massiva cobertura da mídia. Boatos de que ele manteve relações com outras mulheres alimentaram os jornais de fofoca da época.

A polêmica foto da princesa Margaret, tirada em 1959.
Outro episódio que causou verdadeiro frisson nos meios de comunicação foi a foto de aniversário da princesa Margaret. Em 1959, a irmã da rainha completava 29 anos, mas em vez das tradicionais fotos, em que a princesa mais parecia uma boneca de porcelana, apareceu na imprensa uma imagem de Margaret com os ombros desnudos, numa pose 3×4 e com olhar provocativo. A ausência de qualquer peça de roupa sugeria que a jovem estava nua, o que causou certo desconforto na Casa Real. O profissional responsável pela fotografia foi Antony Armstrong-Jones, um jovem de ascendência galesa que trabalhava como fotógrafo nos campos da moda, do teatro e do designe. Ele e Margaret tiveram um affair, que logo evoluiu para uma relacionamento mais íntimo. Em 26 de fevereiro de 1960, eles anunciaram que estavam noivos[2]. Em 6 de maio, o casamento foi realizado com toda pompa e circunstância na abadia de Westminster, com a participação das câmeras de TV, transmitindo todos os detalhes da cerimônia para os telespectadores. O casal teve dois filhos: David, nascido em 1961, e Sarah, nascida em 1964. Entretanto, não foi uma união feliz e as tensões no casamento da irmã da rainha logo se tornaram objeto de interesse da imprensa.
A partir de então, a mídia cobriria sem restrições cada detalhe da vida íntima da família real. Um triste prelúdio para os anos agourentos das décadas de 1980 e 1990, quando Diana e Charles protagonizaram o maior escândalo do reinado de Elizabeth. O clima daquele período estava ficando cada vez mais tenso. Eram os terríveis anos da Guerra Fria. Intrigas sexuais, espionagens e mentiras (como o célebre caso Profumo), contribuíram para pôr término ao governo de Macmillan. Depois de uma cirurgia na próstata, ele renunciou ao cargo de Primeiro Ministro e indicou Douglas Home como seu sucessor. De acordo com a lei, a rainha pode apontar um Premiê em caso de renúncia ou morte. Seguindo o conselho de Macmillan, ela nomeou Home para o cargo. Contudo, esta foi a última vez em que Elizabeth usou seu direito constitucional para tal empreitada. Devido a um atrito no Partido Conservador, o Trabalhista Harold Wilson foi eleito em 1964. Mesmo sendo líder da oposição, ele conseguiu estabelecer uma boa relação com a soberana e foi Primeiro Ministro em duas ocasiões, de 1964 a 1970 e de 1974 a 1976. Elizabeth apreciava bastante as reuniões semanais com Wilson, ocorridas sempre às terças, e às vezes podiam passar horas discutindo os assuntos de Estado.
Na década de 1960, a Grã-Bretanha enfrentava uma forte recessão econômica e estava em vias de entrar em uma guerra nuclear com a URSS. Inclusive, havia um plano para evacuar a rainha em segurança caso isso acontecesse. A nova geração também era muito diferente da década passada. Embalada pelo movimento Hippie e pela contracultura, os jovens eram em sua maioria antimonarquistas e pró republicanos. Foi graças ao pragmatismo e ao apoio do Primeiro Ministro que o regime conseguiu permanecer de pé naqueles anos difíceis. Um dos mais ferrenhos opositores da monarquia, Wedgwood Benn, chegou a propor a revogação das prerrogativas reais, como a impressão da efígie da rainha nos selos de correio (entre outros privilégios, Elizabeth II não precisa de passaporte para viajar e seus automóveis são os únicos que não possuem matrícula). Muitos membros do Partido Trabalhista também criticavam o sistema de honrarias e o hábito de ter que beijar a mão da monarca. De sua parte, a rainha não vê distinções entre políticos de diferentes agremiações. Segundo Sir Godfrey Agnew, escriturário do Conselho de Estado, ela os enxerga como parte de uma mesma classe. Porém, não se deve confundir a sua polidez cautelosa com anuência.

A rainha Elizabeth II e o príncipe Philip no final dos anos 1960.
Por outro lado, fontes próximas à monarca garantem que ela não se sente confortável com toda a pompa e cerimonial da instituição. As mesmas fontes afirmam também que quando a rainha parece enfurecida, com sua clássica face carrancuda, ela na verdade está tentando reprimir o riso provocado por alguma coisa engraçada que viu ou ouviu. Ela já estava no cargo há 12 anos e perto de completar quatro décadas de vida, quando Harold Wilson venceu as eleições. Havia se tornado uma mulher mais astuta e confiante. Em 1960, ela deu à luz ao seu terceiro filho, batizado de Andrew. Em 1964, nasceu Edward. Para recuperar o prestígio da família real junto a população, era preciso que o povo britânico enxergasse novamente a rainha, seu marido e herdeiros como símbolos do orgulho nacional. Foi assim que o príncipe Philip teve a ideia de gravar um documentário, mostrando o dia-a-dia do trabalho da monarca e o cotidiano do palácio. Por 75 dias, entre 1968 e 1969, a BBC e a ITV tiveram permissão para fazer filmagens da família real, destinadas a um programa de 105 minutos. Na época, foi o documentário mais assistido da história da TV britânica, mas também trouxe consequências negativas para a Instituição. Afinal, parte do fascínio da realeza consiste no mistério que ela exerce perante as demais pessoas.
Com efeito, ver a rainha e seus filhos sentados diante de uma mesa, assistindo televisão, ou em um churrasco de fim de semana em Balmoral, como qualquer família de classe média, não é exatamente a imagem que se espera da realeza. Para manter a magia intacta, a pompa e o cerimonial são indispensáveis. Assim, Elizabeth nunca mais deu autorização para que o documentário fosse reprisado por qualquer emissora. No final do ano de 1969, em 9 de novembro, o príncipe Philip deu uma entrevista para a NBC americana, queixando-se da situação financeira da família real. Sua postura petulante gerou um interesse público sobre os gastos da monarquia. Afinal, quanto a Instituição custava ao bolso do contribuinte? Segundo as investigações feitas, a fortuna pessoal da soberana girava em torno de 12 milhões de libras. A mídia sensacionalista, porém, aumentou essa cifra para 100 milhões. O Primeiro Ministro tomou mais uma vez o partido da monarca e conseguiu fazer com que um subsidio de 980 mil libras anuais fossem concedidas a ela. Infelizmente, o apoio à causa do aumento do salário de Elizabeth custou a Harold Wilson seu cargo. A antiga deferência dos anos pós-guerra para com a rainha e a família real haviam ficado definitivamente para trás.
Referências Bibliográficas:
HOBSBAWM, Eric J. A era dos extremos: o breve século XX. 2ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
KELLEY, Kitty. Os Windsor: radiografia da família real britânica. Tradução de Lina Marques et. al. Sintra, Portugal: Editorial Inquérito, 1997.
MARR, Andrew. A real Elizabeth: uma visão inteligente e intimista de uma monarca em pleno século 21. Tradução de Elisa Duarte Teixeira. São Paulo: Editora Europa, 2012.
MEYER-STABLEY, Bertrand. Isabel II: a família real no palácio de Buckingham. Tradução de Pedro Bernardo e Ruy Oliveira. Lisboa, Portugal: Edições 70, 2002.
Notas:
[1] Os rumores sobre o romance começaram na semana da coroação da rainha.
[2] Dizem que a princesa Margaret, cujo estilo de vida contrastava com o dos outros membros da família real, só aceitou se casar com Antony depois de saber que Peter Townsend estava noivo de uma jovem belga.
É muito interessante este valor histórico já retratado em the crown.
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