YOUSAFZAI, Malala. Longe de casa: minha jornada e histórias de refugiadas pelo mundo. Tradução de Lígia Azevedo. São Paulo: Seguinte, 2019.
Nos últimos tempos, a questão da imigração ilegal tem chamado bastante a atenção da mídia para um fenômeno que tem atingido muitos países do globo. O assunto se tornou mais problemático quando leis que dificultavam a entrada de imigrantes foram sancionadas por nações como os Estados Unidos e a Alemanha. Perseguidos por grupos terroristas, cujas facções aterrorizam principalmente países do oriente médio e da América do Sul, os chamados refugiados buscam asilo em terras estrangeiras, na esperança de permanecerem vivos, quando todo o resto já lhes foi tirado. Há alguns anos, porém, nossos olhos se voltaram para o drama de uma garota paquistanesa, que quase foi assassinada enquanto voltada para casa em um ônibus escolar. A luta de Malala Yousafzai e sua trajetória política ultrapassou barreiras geográficas e virtuais e nos tocou de diversas formas, com seu otimismo, perseverança e a crença de que é possível sonhar com dias melhores.

Malala Yousafzai
Após vencer o prêmio Nobel da paz em 2014, por seu ativismo contra o Talibã, em prol da educação das garotas, Malala Yousafzai se tornou uma das personalidades mais influentes do mundo contemporâneo. Viajando o mundo com o seu documentário, Malala, ela conheceu diversas garotas com histórias parecidas com a sua, que tiveram de abandonar seus sonhos, sua terra natal, para tentar a sorte num país estrangeiro, lutando contra preconceitos e acalentando o sonho de um dia voltar para casa. Todas essas experiências foram acrescentadas no livro Longe de Casa, publicado recentemente no Brasil pela editora Seguinte, que costura de forma emocionante e envolvente as desventuras de garotas como Zaynab e sua irmã, Sabreen, Muzoon, María, entre outras. Ao dar voz a essas refugiadas, Malala costura as histórias delas com a sua própria, oferecendo assim um testemunho contundente de como manter as esperanças em meio das adversidades.
Em 2017, a jovem lançou seu primeiro livro, Eu sou Malala, espécie de autobiografia, na qual a autora defende a educação das garotas e denuncia as atrocidades cometidas pelo Talibã no vale Swat, lugar que ela cresceu e de onde foi obrigada a se exilar após receber um tiro que quase lhe custou a vida. A partir de então, Malala se tornou uma ativista dos direitos femininos, rompendo assim com muitas das barreiras de gêneros impostas às mulheres paquistanesas. Em Longe de Casa, além de a autora destacar as experiências das refugiadas com as quais estabeleceu contato, seja ele direto ou indireto, ela também dá voz à luta pela igualdade, pelo respeito e empatia para com aqueles que estão vivenciando situações bem menos confortáveis que a do leitor ou leitora. Conforme a própria autora explica no prefácio da obra, “o que os diferencia [os refugiados] é o fato de que se viram em meio a um conflito que os forçou a deixar seu lar, as pessoas que amavam e a vida que conheciam. Arriscaram muito no caminho, e por quê? Porque quase sempre é uma questão de vida ou morte” (2019, p. 11).
Apesar de não ser considerada uma refugiada, a autora compartilha com as entrevistadas a experiência de estar longe de casa por razões de sobrevivências. Segundo ela:
Muita gente acha que refugiados deveriam sentir apenas duas coisas: gratidão ao país que lhes ofereceu asilo e alívio por estarem a salvo. Acho que a maior parte das pessoas não compreende o emaranhado de emoções que surge ao deixar para trás tudo o que você conhece. Não se está apenas fugindo da violência – que é o motivo pelo qual tantos são forçados a ir embora e é aquilo que os jornais mostram –, mas também deixando seu país, sua amada casa (2019, p. 56).
Para Malala, esse detalhe parece se perder nas discussões que a mídia levanta acerca dos refugiados e outros deslocados internos. Preferem focar na situação do lugar para onde foram e não sobre aquilo que elas deixaram para trás.

“Longe de Casa”, novo livro de Mala Yousafzai.
Das histórias contidas em Longe de Casa, duas chamam mais a atenção do leitor e da leitora, especialmente pela riqueza de detalhes que possuem. A primeira delas é a das irmãs Zainab e Sabreen, que foram separadas e, desde então, nunca mais puderam se reencontrar. Naturais do Iêmen, as duas perderam sua família e tiveram que se refugiar no Egito. Anos depois, Zainab conseguiu um visto para os Estados Unidos, para morar com a mãe, enquanto sua irmã não. Vivendo em m Minessota, a jovem primeiro teve que lidar com a barreira linguística, motivo pelo qual não conseguia se comunicar com os demais, e depois com a xenofobia dos colegas de sua escola. Uma vez transpostos esses limites, Zainab se tornou uma ativista dos direitos das mulheres refugiadas. Sabreen, por sua vez, não teve o mesmo desfecho. O visto de saída lhe foi negado várias vezes, quando ela então decidiu optar pela migração clandestina para a Itália. A descrição do trajeto percorrido, em vãs abafadas com vidros pintados de preto, e depois em barcos de pesca que navegaram pelo mediterrâneo por quase 10 dias, nos faz indagar acerca das condições que a espécie humana é obrigada a se submeter para conseguir sobreviver. Atualmente, Sabreen mora na Holanda com a filha e o marido.
O segundo relato é o de Marie Claire. Natural do Congo, quando criança ela e sua família fugiram para Zâmbia, um país hostil, para tentar a vida fora. Ela e sua irmã assistiram à cena horrível de sua mãe sendo assassinada com facadas na cabeça, enquanto podiam fazer nada. É quando entra em cena Jennifer, da Pensilvânia, que, ao tomar conhecimento do drama da família de Marie Claire, se disponibilizou a ajuda-la com a migração segura para outro continente. Hoje, a jovem termina a graduação de enfermagem e já foi convidada para discursar na assembleia geral da ONU. São histórias como essa nos enchem de esperança e demonstram o quanto pessoas como Malala e Marie Claire têm a nos ensinar. Longe de Casa, é, dessa forma, um livro que deveria ser lido não apenas como complemento à primeira obra da autora, mas, principalmente, como testemunho de fé e solidariedade. Duas coisas de que tanto necessitamos nesses tempos de crise existencial!
Renato Drummond Tapioca Neto
Graduado em História – UESC
Mestre em Memória: Linguagem e Sociedade – UESB