A Imperatriz do Novo Mundo: entrevista exclusiva com o Paulo Rezzutti, autor de “D. Leopoldina: a história não contada”

Por: Renato Drummond Tapioca Neto

Em março deste ano, chegou às livrarias do país uma nova biografia sobre a imperatriz Leopoldina, assinada pelo arquiteto e pesquisador em história do Brasil, Paulo Rezzutti. Já tendo publicado anteriormente três livros sobre os protagonistas de um dos casos extraconjugais mais famosos do nosso passado, Domitila de Castro e D. Pedro I, (um dos quais lhe rendeu o prêmio Jabuti na categoria Biografia), Rezzutti agora fecha um ciclo iniciado em 2010, dedicando à primeira imperatriz consorte do Brasil uma obra à altura da biografada. Das páginas de “D. Leopoldina: a história não contada”, emerge uma visão diferenciada e intimista da primeira mulher a governar o nosso país, desde sua independência política, em 1822. A obra, publicada pela editora LeYa, ainda acompanha um posfácio, assinado pelas pesquisadores Claudia Witte e Viviane Tessitore.

Conforme fiz por ocasião do lançamento de “Domitila: a verdadeira história da marquesa de Santos” (2013) e “D. Pedro: a história não contada” (2015), entrei em contato com o Paulo Rezzutti, para saber se ele poderia responder a algumas perguntas sobre o processo de pesquisa para o livro e quais suas impressões sobre Dona Leopoldina. Sempre muito solícito, Rezzutti respondeu às questões de forma direta e, em alguns momentos, divertida, revelando detalhes muito interessantes da escrita do livro. O resultado dessa conversa você confere abaixo:

 

Renato Drummond: Quando surgiu o projeto de escrever uma biografia sobre a primeira imperatriz consorte do Brasil?

Paulo Rezzutti: Desde o final de 2014 eu já vinha com esse interesse, mas ter achado o material da Kuhnburg no final de 2015 me respaldou melhor para apresentar o projeto para a editora.

Renato Drummond Quanto tempo durou a pesquisa para o livro?

Paulo Rezzutti: Posso dizer que durou 6 anos. Afinal, estou mergulhado na história do D. Pedro, da Marquesa de Santos e de D. Leopoldina desde 2010, quando achei as cartas do imperador para a Domitila. Venho coletando informações sobre os três desde essa época.

Renato Drummond: Durante o processo de pesquisa, sua visão sobre Dona Leopoldina passou por alguma alteração?

Paulo Rezzutti: Passou e muito. Eu achava ela um pouco sem noção das coisas no início. Como alguém se cala perante o caso público do marido? Pensava que as cartas que ela escrevia eram as de uma doida, pois, para cada um ela falava uma coisa diferente: chorava de saudade para a irmã e dizia para tia mil maravilhas sobre o Brasil. Só com aproximação maior com da biografada é que entendi o quanto D. Leopoldina era complexa, assim como somos todos. A dificuldade do biógrafo é entender o biografado e respeitá-lo, não julgá-lo além de lhe dar diversos benefícios. Afinal, não se pode olhar com os nosso olhar contemporâneo para atitudes, pensamentos e ações ocorridas há 200 anos.

Renato Drummond: Como você qualificaria a atuação política de Leopoldina no movimento de emancipação política do Brasil?

Paulo Rezzutti: Acho de uma preponderância enorme. Sua educação permitiu a ela se imiscuir no futuro do Brasil, deu-lhe uma visão mais aprofundada dos acontecimentos do que ao marido. Enquanto D. Pedro ainda estava pensando em ser o mais fiel às Cortes, com medo de elas deserdá-lo do trono português, d. Leopoldina já via que o trono de Portugal pouco valia se perdessem o Brasil. As cartas para o secretário dela são muito reveladoras e mostram o quanto ela estava empenhada na causa autonomista brasileira.

Renato Drummond: Conte-nos um pouco mais sobre a descoberta das fontes iconográficas para o livro. De que forma as aquarelas de Franz Joseph Frühbeck contribuem para um outro olhar sobre essa história?

Paulo Rezzutti: Os guaches do Frühbeck são curiosíssimos. A cena da cozinha do navio é fantástica, pois nunca havia sido visto antes o dia a dia de um navio que cruzava o Atlântico. Ainda mais uma viagem tão atípica como a da chegada de uma princesa europeia para se casar com o herdeiro da coroa portuguesa no Brasil. É como olhar pelo buraco da fechadura. Tem desde os marinheiros jogando, comendo, fazendo música, até as festividades a bordo, um ofício religioso. E a Leopoldina, quando aparece, está sempre distante, mostrando a seriedade da etiqueta da corte portuguesa. No navio, Frühbeck sempre vê a princesa, mas de longe. Ele provavelmente nem deve ter chegado muito próximo dela durante a travessia, pois haviam limites traçados pela etiqueta.

Renato Drummond: Além das aquarelas de Frühbeck, você também trabalhou com fontes praticamente inéditas sobre Dona Leopoldina. Como você chegou até esse material?

Paulo Rezzutti: Pesquisando muito! O Oberacker¹ fala a respeito desse material, da condessa Ana Maria von Kuhnburg, em sua obra sobre D. Leopoldina e resolvi ir atrás para ver se ele o tinha usado completamente, e não tinha. Mas a história de como eu cheguei nesse material é tão complicada como a história da minha descoberta das cartas do D. Pedro para a Marquesa de Santos, pra variar! Um pesquisador amigo da Claudia Witte², sabendo que eu procurava os diários da Kuhnburg, avisou que eles estavam no Brasil e haviam sido adquiridos por um colecionador, que também comprara da mesma família um álbum com desenhos do Fruhbeck, que pertencera à condessa. Esta, por sua vez, deve tê-lo comprado do desenhista como uma lembrança da viagem. O colecionador já havia falecido, mas soube que os desenhos do Fruhbeck tinham sido adquiridos pelo Instituto Moreia Sales (o restante está na Hispanic Society, em Nova Iorque). Entrei em contato com o instituto para saber dos desenhos e em busca de informações a respeito dos diários da condessa. Lá me informaram que o lote havia sido desmembrado. Os desenhos ficaram com o Moreira Sales e os documentos manuscritos com o Instituto Hercule Florence, em SP.

Renato Drummond: Acerca da última carta de Dona Leopoldina, você sugere que ela poderia ser falsificada. Acredita que esse tenha sido um documento forjado?

Paulo Rezzutti: Esse documento é estranho e já me pôs em confusão. Uma vez quase apanhei de uma senhora no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro por “ousar” contestá-lo (risos). Não se pode provar que algo não existe, logo não tenho como provar que a carta é falsa. Ela existe e está lá no arquivo histórico do Museu Imperial. Porém, até eu chegar perto, tirando uma pálida insinuação do escritor Alberto Rangel na obra Textos e Pretextos nos anos 20, ninguém nunca pegou o documento a unha e o estudou corretamente. Todos que reproduzem essa carta, muitos fazendo cópia da cópia sem nunca olhar para o documento primário, omitem, por ignorância ou propositalmente, o registro que informa que a carta é uma cópia de cartório feita em 1834. Agora, me debruçando sobre os boletins médicos de D. Leopoldina, vi que era impossível a carta ter sido ditada as 4 horas da manhã do dia 8 de dezembro. Segundo os boletins médicos e as pessoas que estavam ao lado dela entre os dias 7 e 8, ela não teria condição alguma de ditar nada, uma vez que estava sofrendo com febre fortíssima, que só baixaria um pouco depois das 4h30 do dia 8 e que a levou a um estado de exaltação e de delírios. Fora isso, o modo como ela trata a irmã na carta, informando a respeito do “horroroso atentado” que sofrera e das dívidas que deixava, não são em nada parecidos com o restante da correspondência entre elas. A carta é suspeitíssima e eu acredito sim que tenha sido forjada.

Renato Drummond: Sobre a marquesa de Santos, podemos considera-la uma das responsáveis pelo estado melancólico da imperatriz, a partir de 1824?

Paulo Rezzutti: Uma das, até sim, mas o principal culpado é o D. Pedro. Domitila pode tê-lo manipulado, mas ele se prestou ao papel e desrespeitou terrivelmente a esposa diante de todo o Brasil.

Renato Drummond: Leopoldina foi a primeira mulher a governar o Brasil independente. Mas não foi a única que participou do processo de independência do país. Como você avaliaria a participação feminina nesse quadro?

Paulo Rezzutti: Ela é o grande nome, mas outras mulheres também participaram. Temos os grupos das “senhoras baianas” e das “senhoras paulistas”, que peticionam junto a ela. Temos Soror Angélica na Bahia, uma das mártires do movimento autonomista e temos também outra baiana, Maria Quitéria, que foi servir no exército para lutar contra os portugueses, durante a independência. Ainda são poucas, se comparadas aos homens, mas acredito que devam existir muitas outras que ainda precisam ser descobertas. A própria Maria Quitéria entra na história do Brasil porque outra mulher se ocupa dela, a inglesa Maria Graham, que faz o seu desenho. Se conhecemos hoje a Maria Quitéria, seu rosto e como ela se vestia com o uniforme brasileiro, devemos a outra mulher. Esse processo da mulher apagada e esquecida na história do Brasil é o tema do meu próximo livro.

Renato Drummond: Poderia falar um pouco dos seus projetos para o futuro?

Paulo Rezzutti: São vários projetos. Eu fechei com a editora LeYa uma série, onde sou o curador e o escritor. Chama-se “História não contada”. D. Pedro é o primeiro livro da série, depois o D. Leopoldina, o próximo será o “Mulheres do Brasil”, que sairá ano que vem. Os demais (tem mais três), prefiro falar a respeito só quando chegar mais próximo dos lançamentos. Mas já adianto que envolvem mais duas biografias.

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Paulo Rezzutti e Viviane Tessitore no lançamento de “Domitila” (2013).

Renato Drummond: Paulo, o livro é dedicado à memória da historiadora Viviane Tessitore, que assina um posfácio maravilhoso ao livro. Poderia dedicar algumas palavras às contribuições dessa pesquisadora para o estudo da vida de Leopoldina?

Paulo Rezzutti: Ninguém conhecia D. Leopoldina mais do que a Viviane Tessitore. Eu conheci a Viviane, por telefone, três dias antes do lançamento do “Titília e o Demonão”, no final de março de 2011. Enquanto aguardava o lançamento, continuava as pesquisas para a minha biografia sobre a Marquesa de Santos. Fui na Biblioteca Monteiro Lobato, que possui alguns arquivos que pertenceram ao escritor, em São Paulo, onde esperava achar algo a respeito de uma peça sobre a Marquesa. Achei a informação dessa peça tanto em cartas de Lobato para um amigo quanto em notícias antigas de jornal. No fim, nunca consegui encontrar a peça, mas, conversando com uma senhora que trabalhava fazia anos lá, eu falei que estava escrevendo a biografia da Marquesa e ela me disse que havia tido aulas na USP com uma pessoa que era apaixonada pela D. Leopoldina. A pessoa em questão era a Viviane. Chegando em casa procurei na internet pelo telefone dela e liguei. A mãe da Viviane atendeu e disse que ela estava na PUC, trabalhando. Joguei novamente no google “Viviane Tessitore” + “PUC” e veio o telefone do CEDIC. Liguei e a própria Viviane atendeu. Começamos a conversar, com ela muito séria e reticente. Afinal, um louco caindo de paraquedas dizia ter achado 94 cartas inéditas do D. Pedro para a Marquesa de Santos, que ia lançar uma obra contendo essa documentação, e estava fazendo uma biografia sobre a Domitila. Justo ela que odiava a Domitila por tudo o que a marquesa havia feito a imperatriz passar!!!! Mas, depois de alguns meses conversando por telefone e mostrando a minha seriedade, nos conhecemos pessoalmente. Quem conseguiu juntar os dois foi a Claudia Witte e, desde então, os três, nos tornamos grandes amigos. A Viviane era uma pessoa inteligentíssima e que tinha uma paixão absurda por D. Leopoldina. Ela estudou a nossa primeira imperatriz por mais de 40 anos e recitava o Oberacker de cor!!! Quando eu achei o diário e as cartas da Kuhnburg, ela me disse que se eu fosse fazer algo, queria participar, mas acho que ela nunca pensou que eu ia querer fazer uma biografia sobre a Leopoldina. Então nos encontramos e conversamos. Quis sentir o “clima” antes de enviar a proposta para a editora. Ela sabia que, por mais que publicasse sua futura tese de doutorado dela sobre D. Leopoldina, a publicação não teria o alcance de público que esse posfácio maravilhoso dela está tendo. Mas, infelizmente, o destino não permitiu que ela visse o nosso livro publicado. Ela faleceu em 7 de dezembro de 2016. Eu fiz questão de manter o agradecimento que fiz a ela no final do livro, no tempo presente, pois ela leu todo o texto antes de ser editado e havia visto a dedicatória que havia lhe feito antes de morrer. Essa biografia da D. Leopoldina, para mim, é duplamente importante, pois, além de coroar, com toda a pompa e circunstância, um trabalho que desenvolvo desde 2010, vai guardar pra sempre a lembrança dessa nossa amizade e mútua admiração.

Renato Drummond: Você já publicou quatro livros muito bem escritos e pesquisados sobre o primeiro reinado. Quais conselhos você daria para aqueles que estão iniciando ou pretendem ingressar na carreira de escritor? 

Paulo Rezzutti: Muita perseverança, paciência, estudo e seriedade. E evitem, quando estiverem escrevendo uma história, de acharem que todos sabem sobre o que você está falando, mas também não achem que os leitores são retardados (risos). Empáfia, arrogância e outras demonstrações de superioridade, guardem para ferir certos egos acadêmicos, e não atordoar os leitores. Outra questão é, ao escrever sobre história, não confiar cegamente no que já foi dito. O que mais se vê hoje dia é informação velha sendo embalada como se fosse novidade.

Notas:

¹Carlos H. Oberacker Jr., autor de “A Imperatriz Leopoldina: sua vida e sua época” (1973).

²Biógrafa da imperatriz Dona Amélia de Leuchtenberg e autora do posfácio à biografia escrita pelo Paulo Rezzutti, sobre Dona Leopoldina.

Imagem da capa: Martina Mombelli

2 comentários sobre “A Imperatriz do Novo Mundo: entrevista exclusiva com o Paulo Rezzutti, autor de “D. Leopoldina: a história não contada”

  1. Maravilhosa reportagem. Mais um livro para a lista dos muitos q necessito. Adoro Leopoldina. Frágil, densa, marcante, quase invisível, mas presente sempre. Li outra biografia dela, tb maravilhosa.

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