Por: Renato Drummond Tapioca Neto
Elizabeth I da Inglaterra e Mary I da Escócia são dois perfis femininos diferentes entre si que ainda hoje não foram totalmente desmitificados pela historiografia. Na visão romântica de alguns pesquisadores, a primeira delas é geralmente enxergada como uma mulher firme e imperiosa, a rainha que derrotou a armada e governou uma era de ouro, enquanto a segunda era uma mulher que se deixou seduzir pelas paixões e foi capaz de sacrificar seu próprio reino para se casar com o homem que queria. Essa impressão simplista é principalmente trabalhada por alguns autores¹ de escola mais tradicional, que procuram exaltar as qualidades da soberana inglesa, em detrimento da rainha escocesa. Contudo, no século XXI uma revisão das razões políticas de Mary Stuart tem sido elaborada, de forma a explicar seu comportamento à luz do cenário da época, especialmente seu envolvimento com a prima, Elizabeth. O conturbado relacionamento entre essas duas mulheres acabou por desenvolver movimentos próprios, mantendo as suas protagonistas sempre presas uma à outra. Apesar de nunca terem se encontrado pessoalmente, na falta de contato físico, a imaginação criou uma imagem, ora de grandeza, ora de vulnerabilidade, na mente de cada uma das duas.

Mary Stuart, atribuído a François Clouet.
Quando Mary Stuart decidiu retornar para a Escócia após a morte do marido, Elizabeth sentiu que sua segurança e seu trono poderiam estar ameaçados. Mary pretendia retornar para a Escócia navegando pelo canal da Mancha e para isso precisava da autorização de sua prima, o que lhe foi negado². A desconfiança que Elizabeth nutria pela outra rainha se intensificaria quando se deram início às negociações de casamento da rainha da Escócia. A rainha inglesa temia, por exemplo, que Mary se aliasse à Espanha, uma das maiores potências da época, e assim subjugasse politicamente a Inglaterra. Além disso, no quesito físico, quem comparasse as duas rainhas não tinha dúvidas de que Elizabeth não era possuidora de grande beleza, ao contrário de sua prima. Porém, há quem ainda hoje considere Elizabeth I uma soberana muito mais preparada para governar do que sua prima, que era considerada uma mulher impulsiva, do tipo que preferia viver a intensidade do momento. Tinha forte inclinação para a aventura, era alta (cerca de 1,80 m), esbelta e uma talentosa dançarina. Todos esses atributos, aliados a um coquetismo francês, chamavam a atenção dos homens, fazendo de Mary um dos partidos mais interessantes no jogo de alianças diplomáticas da Europa.
Depois de 13 anos passados na França, a rainha da Escócia era quase uma desconhecida para os seus conterrâneos. Os súditos escoceses, compostos em sua maioria por protestantes, temiam que a chagada da soberana católica, “pois jamais aprovará o rigor e a singularidade desta religião” (STEPANEK, 1988, p. 23), como disse um representante de Edimburgo por ocasião da viagem de Mary Stuart. Outros súditos, como o pregador John Knox, eram muito mais severos no seu julgamento, se referindo à rainha com palavras como “prostituta” e a “nova Jezebel”. Por outro lado, como explica a biógrafa de Mary, Jane Dunn:
A juventude, a beleza e a atitude graciosa de Mary não deixaram de comover a todos. Ela chegara com uma pequena comitiva e sem armas, e a vulnerabilidade e confiança em seu povo estimularam sua condição protegida. Também havia uma fascinação sobre sua história pessoal. O pathos da história, junto com sua atração física, bastaram para enfraquecer até os caudilhos forjados na batalha. Ela também mobilizava a atenção pelo patriotismo em todos os peitos escoceses, pois era uma monarca escocesa que voltava à terra de seu nascimento. Um inegável glamour em Mary atraiu os homens e realçou o orgulho da Escócia, ao menos durante algum tempo (DUNN, 2014, p. 221-2).
Mesmo o meio-irmão Mary, Jaime Stuart, conde de Moray, um filho bastardo de Jaime V que por algum tempo foi cogitado como herdeiro do trono até o nascimento da soberana, se colocava contra ela. As maiores forças europeias, como a Igreja Católica, os protestantes, a França, a Espanha e a Inglaterra prestavam meticulosa atenção aos passos que a jovem monarca pretendia dar. Sua recusa em ratificar o tratado de Edimburgo, pelo qual deixava de se considerar herdeira do trono inglês, deixou Elizabeth bastante enfurecida, a ponto de negar à prima o salvo-conduto que ela precisava para navegar de volta para a Escócia. Quando Mary finalmente chegou no porto de Leigh, nenhuma delegação oficial estava esperando-a para lhe prestar as boas-vindas, o que foi um grande insulto à sua dignidade de rainha.

Retrato de Elizabeth I, pintado no início da década de 1560.
A recém-chegada rainha da Escócia viveria no palácio de Holyrood, onde tantos outros reis residiram antes dela. As acomodações em pouco lembravam os luxuosos apartamentos que um dia ocupou na corte francesa. Não obstante, os hábitos e costumes da soberana em muito a distanciavam de seus súditos. Ela tentou uma reconciliação com o líder protestante John Knox, mas sem grande sucesso³. Mary desejava que as duas religiões coexistissem de forma pacífica no reino, o que desagradou a Knox, que não tolerava a permanência da soberana católica dentro de um país cujo protestantismo já havia fincado raízes. Mary tampouco encontrou maior apoio no seu Conselho, composto por membros das duas facções. Em seu isolamento, a rainha se consolava ao som da melodia de David Rizzio, seu criado italiano que mais tarde exerceria grande influência sobre a monarca. Para manter um contato mais estreito com a população, Mary decidiu empreender viagens pelo reino, indo de castelos a catedrais, no intuito de derreter o gelo entre ela e os seus súditos. O sucesso dessa empreitada criou na rainha a ilusão de que tinha iniciado um reinando de paz, até que a questão do seu casamento voltou a ser assunto de conflito entre ela e a rainha da Inglaterra.
Mary Stuart era uma mulher jovem, atraente e o estado de celibato certamente não combinava consigo. É provável que seu primeiro casamento, com Francisco II, não tenha sido consumado, de modo que as segundas núpcias não só satisfariam seus desejos femininos como também eram necessárias para o surgimento de um herdeiro para o trono. Elizabeth I sabia de tudo isso e precisava agir antes que sua prima escolhesse um marido por conta própria. Quando Mary demonstrou interesse em contrair casamento com algum nobre inglês, Elizabeth prontamente sugeriu Robert Dudley, recém-titulado conde de Leicester. Segundo relato do embaixador espanhol, bispo Quadra, ao rei Felipe II da Espanha, Elizabeth I e o embaixador escocês teriam conversado sobre o casamento de Mary nos seguintes termos::
ELIZABETH: “Se sua ama aceitasse o conselho dela e quisesse casar-se com segurança e satisfação, ela lhe daria um marido que garantiria as duas coisas, e este era lorde Robert [Dudley], em quem a natureza implantara tantas graças que, se ela desejasse casar-se, teria preferido ele a todos os príncipes do mundo…”
LEITHINGTON: “Era uma grande prova de amor que ela guardava por sua Rainha, pois estava disposta a dar-lhe uma coisa tão preciosamente estimada por si mesma, e ele achava que a Rainha sua ama [Mary], mesmo se amasse com tanto fervor Lorde Robert como ela [Elizabeth] o amava, não ia casar-se com ele e priva-la de toda a alegria e consolo que recebia de seu companheirismo.”
ELIZABETH: “Ela pedia a Deus que o conde de Warwick, seu irmão, tivesse a graça e a beleza de Lorde Robert, para que cada [rainha] pudesse ter um… [embora] o conde de Warwick não fosse tão feio e desgracioso, suas maneiras eram meio rudes e ele não era tão gentil quanto Lorde Robert. Quanto ao resto, contudo, era valente, liberal e magnânimo que era verdadeiramente digno de ser marido de qualquer grande princesa.” (apud DUNN, 2005, p. 258).
O candidato, porém, deixou Mary bastante enfurecida, pois rumores de que Robert foi amante da rainha inglesa eram bastante conhecidos. Então, no outono de 1564, Elizabeth conseguiu com que Matthew Stuart, conde de Lennox, fosse readmitido na Escócia após ter sido banido de lá por ter se aliado qo governo inglês. Junto com ele ia seu filho, Henry Stuart, Lorde Darnley. Assim como Mary, Darnley também era neto de Margaret Tudor, através do segundo casamento desta, com Archibald Douglas. Aquele jovem de 19 anos logo agradou a rainha da Escócia, especialmente por sua pretensão ao trono inglês.

Lorde Darnley, por artista desconhecido (c. 1564).
O que teria levado Elizabeth I a permitir a união entre dois jovens com direito de sucessão à sua coroa? As razões da soberana podem parecer um tanto obscuras, mas certamente para ela era preferível que Mary desposasse um inglês, cujo pai podia ser controlado, do que um príncipe estrangeiro, como Dom Carlos, presuntivo herdeiro do trono Espanhol. Ao embaixador francês, De Foix, Elizabeth teria dito que “Darnley não passa de um peão; mas ele pode me dar um xeque-mate se for promovido” (apud DUNN, 2004, p. 251). Os membros do Conselho Privado, como o conde de Moray, desaprovavam a união, por não considerarem o pretendente digno da coroa da Escócia. Mas, nesse caso a palavra final coube à Mary Stuart, que ficou encantada com a elegância e a educação de Darnley. Rizzio também a encorajou a tomar o jovem como marido. Não obstante, Mary estava cansada do jogo de alianças matrimoniais, movido por interesses diplomáticos. Aqui, a mulher que havia dentro de si falou muito mais alto do que a rainha e então ela decidiu de casar com quem quisesse. O erro dessa escolha, como os futuros eventos mostrariam, seriam bastante danosos para o futuro do reino. Em 29 de julho de 1565, Mary Stuart, rainha da Escócia, se casou com o primo, Henry, Lorde Darnley, numa cerimônia simples, realizada no palácio de Holyrood. A união com um católico, porém, desagradou a muitos dos súditos.
Entre os nobres que não apoiavam o casamento da rainha e se recusavam a reconhecer Darnley como rei estava o próprio irmão da soberana, o conde de Moray. Ele esperava conseguir o apoio de Elizabeth numa rebelião contra a irmã para assumir o trono. Para defender sua coroa contra “certos rebeldes” que “em nome da religião nada mais pretendem do que a inquietação e a subversão da Comunidade” (STEPANEK, 1988, p. 38), Mary Stuart convocou todos os seus aliados, especialmente entre os camponeses. Em 26 de agosto de 1565, ela comandou um exército composto de 800 homens. À medida que avançavam, passando por lugares como Stirling e Linlithgow, mais pessoas foram se juntando. Quando as tropas chegaram a Glasgow, já somavam mais de 5000 soldados. Na opinião de Jane Dunn:
Foi uma drástica mudança de atitude em relação à rainha inglesa. Na dinâmica entre elas, Mary tomara a iniciativa. Embora sempre se houvesse orgulhado de seu status de rainha e cuidado de manter seu lugar na hierarquia dos monarcas europeus, Mary fora insegura na afirmação da sua própria vontade política. Antes do momento em que decidiu casar-se com Darnley, contra os desejos de Elizabeth e da maioria dos nobreza europeia, ela assumira a atitude de uma parceira inferior que desejava agradar, uma suplicante em busca de favor, alguém cujo poder era condicional à caridade dos outros. A outrora diplomaticamente dócil e contemporizadora rainha dos escoceses achava-se agora tomada de uma irreprimível confiança, nascida da força do recém-descoberto amor sexual, ou do alívio por adquirir um marido para dividir os augustos fardos, ou na verdade uma expressão estouvada energia de um distúrbio maníaco-depressivo “DUNN, 2004, p. 298).
Sentindo que estava encurralado, Moray partiu para o sul, onde implorou pela ajuda de Elizabeth. Como não obteve apoio ali, suas tropas logo se dispersaram e ele se refugiou na Inglaterra. Sendo assim, Mary tinha motivos para comemorar: não só demonstrou ser uma poderosa líder militar, arregimentando vários homens para defender seu casamento, como também provou sua força para Elizabeth. Em janeiro de 1566, ela finalmente anunciou que estava grávida e aquela criança que estava gerando teria direitos às coroas escocesa e inglesa.
Leia a segunda parte, clicando aqui!
Notas:
¹ Um exemplo seria Jacques Chastenet, autor de “A vida de Elizabeth I da Inglaterra” (1976), para quem Mary era uma mulher desqualificada para ocupar o cargo de monarca reinante.
² Quando Elizabeth finalmente cedeu, a autorização chegou tarde demais, pois Mary já havia partido.
³ Em 1558, Knox havia publicado seu livro “Primeiro Soar de Trombeta Contra o Monstruoso Regimento das Mulheres”, pelo qual criticava o governo feminino.
Referências Bibliográficas:
DUNN, Jane. Elizabeth e Mary: primas, rivais, rainhas. Tradução de Alda Porto. – Rio de Janeiro: Rocco, 2004.
FRASER, Antonia. Mary Queen of Scots. – New York: Delta, 2001.
LOADES, David. As Rainhas Tudor – o poder no feminino em Inglaterra (séculos XV-XVII). Tradução de Paulo Mendes. – Portugal: Caleidoscópio, 2010.
STEPANEK, Sally. Maria Stuart. Tradução de José Carlos Barbosa dos Santos. – São Paulo: Nova Cultural, 1988.
WEIR, Alison. The life of Elizabeth I. – New York: Ballantine Books, 2008.
ZWEIG, Stefan. Maria Stuart. – Tradução de Alice Ogando. 12ª edição. Porto: Livraria Civilização, 1969.
Claro que mar y no estaba tan cualificada como elizabeth ,elizabeth si tuvo una educación de reina reinante mientras mary tuvo de reina consorte .Pero aun así la reina escocesa mostró en varias ocasiones una gran fuerza de carácter y hay que destacar que ella en persona iba con sus apoyadores a la guerra incluso si al final no hubo ninguna , esto mismo paso cuando embarazada de 5 meses junto a sus nobles fieles para exiliar a los que mataron a su secretario . Realmente admiro la astucia política de elizabeth pero creo que para ser educada como reina consorte mary stuart le hizo frente a muchas cosas y hizo lo mejor que pudo con lo que tenia y trato de lidiar con la complicada situación de su país . Desgraciadamente las dos reinas tenían enemigos por todos lados , por ser mujeres sufrieron mas de lo que deberían y como actualmente pasa con todas las personas , el que esta mas preparado para afrontar los problemas es el que que sobrevive .
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