Por: Renato Drummond Tapioca Neto
A noticia de que o governo do presidente russo Vladimir Putin pretendia trazer de volta a família imperial Romanov, imbuída do status de instituição histórica, correu o mundo e impressionou tando partidários da monarquia quanto do presidencialismo. A partir daí, observou-se uma campanha massiva de reabilitação da imagem do czar Nicolau II, executado pelos bolcheviques em 17 de julho de 1918, juntamente com sua esposa, filhos e alguns criados. Nicolau, que na Rússia Soviética era comumente conhecido como “o sanguinário” (alcunha que ainda é mantida entre alguns grupos), passou a ser conhecido como “o czar mártir”, tendo sido canonizado pela Igreja Ortodoxa em 2000. Desde então, igrejas, capelas e santuários têm sido erguidas no país em homenagem aos chamados “santos mártires imperiais”.
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A imagem de Nicolau II tem passado por um profundo processo de reabilitação, jamais experimentado por nenhum outro governante russo. Seguindo o costume ortodoxo, ícones e imagens devocionais dos agora “santos” Romanovs, em poses diferentes, foram produzidas em massa, desde cartões laminados até artigos de luxo. Os antigos palácios em que a família outrora residiu, os locais para onde foi exilada ou mesmo executada se tornaram lugares de peregrinação. É curioso o fato de que um século atrás, em 1916, a família imperial era alvo constante de ataques da população e repudiada como “os opressores do povo”. Hoje, porém, o atual governo incentiva as pessoas a adorá-los.

O governo do presidente Putin tem investido na reabilitação da imagem do czar Nicolau II e sua família.
Dentro da Catedral de Cristo Salvador, em Moscou, pode-se ver um ícone dos “imperiais portadores da paixão”, que romantiza a vida na corte russa pré-revolucionária. Na imagem, Nicolau II e seu filho Alexei usam uniformes militares, enquanto a imperatriz Alexandra e suas filhas usam vestidos elegantes. Do outro lado da nave, há um ícone ainda maior, representando a “assembléia dos novos mártires e confessores da Rússia”, onde podemos ver o czar e a czarina com seus cinco filhos no centro de uma grande quantidade de bispos, padres, monges e freiras, mortos durante os anos de 1918 a 1941. À direita da família imperial, também está a grã-duquesa Elizabeth, irmã de Alexandra Feodorovna, que foi executada um dia após seu cunhado e sobrinhos.
Não obstante, na borda da imagem central, o observador poderá ver no ícone da “assembléia” as mortes daquelas pessoas através de um ciclo de pequena imagens, que incluem os bolcheviques atirando no czar e sua família e outra dos soldados lançando a grã-duquesa Elizabeth dentro de uma mina. No início desse ano, o State Historical Museum manteve uma exibição por quatro meses sobre o estilo de vida da irmã da czarina, que ficou viúva em 1905 após o assassinato do seu marido, o grão-duque Sergei Alexandrovich. Elizabeth se tornou freira e fundou uma casa de apoio a mulheres pobres e crianças desamparadas, que foi reaberta recentemente por ação do Patriarca de Moscou e do Ministério da Cultura. Dentro dela, pode-se ver um busto da grã-duquesa.
Além disso, existem os livros, que misturam liturgia e história, como “A infância do czar Nicolau II”, “Lhes dê amor’: as cartas da imperatriz Alexandra”, “As crianças imperiais” ou “As causas de caridade da família Romanov”, Em Moscou e São Petersburgo, é possível encontrar para venda em livrarias os títulos mais controversos, como “O imperador que sabia o seu destino e da Rússia”, “Imperador Nicolau II e a conspiração de 1917”, “Cercado por traição: engano e covardia – a verdadeira história da abdicação de Nicolau II”, “Deus, abençoe minhas decisões’ – Nicolau II como comandante-em-chefe e os generais”, entre outros.

“Assembléia dos novos mártires e confessores da Rússia”.
Contudo, será que tanto idealismo e adoração ultrapassa os muros do Kremlin? Matthew Dal Santo, em matéria para o The Interpreter, conversou com um editor do Moscow daily, que disse que “Putin não quer ser visto como um mero continuador da URSS”. Ele teria dito que “A União Soviética falhou e para ele isso indica que existe algo errado com isso”. O informante disse que Putin “não quer ser lembrado como algum tipo de secretário geral do Partido Comunista, Ele pensa em si mesmo como uma espécie de De Gaulle ou Franco russo, líder de um auto-consciente ‘regime de transição’, destinado a restabelecer parte da tradicional ordem política e social”. Nesse caso, o plano dele incluiria a monarquia.
“O retorno dos Romanov pode ser parte de um papel histórico, um jeito de tricotar a história do país novamente, de declarar que, finalmente, a revolução terminou”. A pedra no caminho para o plano do presidente, porém, é a própria casa imperial. Como todos os filhos de Nicolau II morreram com ele, não existe hoje nenhum sucessor direto. Dois ramos da família Romanov disputam pela liderança, um lado representado pela grã-duquesa Maria Vladimirovna e o outro príncipe Nikolai Romanovich (ambos visitaram a Crimeia para dar suporte à reivindicação russa na península e, claro, afirmar seus direitos a um trono que não mais existe). O plano de Putin para a restauração da família imperial como instituição cultural da Rússia tem divido opiniões, especialmente após essas tentativas do governo junto com a igreja de passar uma borracha nos erros cometidos pelos Romanov no passado.