A noiva triste – Conto sobre uma princesa estrangeira

Por: Renato Drummond Tapioca Neto

Era ainda cedo quando a jovem princesa despertou do sono, com a luz do Sol a atravessar as janelas e a atingi‑la no rosto. Tendo adormecido por entre muitas preocupações, não podia deixar de se perguntar o que o futuro lhe reservava. Aquele seria o grande dia da sua vida e tudo dependia de si. Lentamente, levantou‑se da cama, enquanto o alvoroço das criadas lhe aumentava o estado de tensão. Desde que chegara à nova corte, não havia tido sequer um momento de privacidade e, agora, todos pareciam estar a enlouquecer à sua volta. Afinal, volvidas algumas horas, a jovem atravessaria a nave da igreja rumo ao altar, onde encontraria o seu destino.

Como uma boneca, foi vestida pelas aias, maquilada, penteada e perfumada. Depois de pronta a noiva contemplou o seu reflexo no espelho e foi forçada a admitir que não era uma mulher bonita. Assim que o marido tivesse oportunidade, arranjaria uma amante, pois, ao contrário dos contos de fadas, com as suas histórias de belos príncipes e princesas que viveram felizes para sempre, a realidade era muito pouco encantadora. O casamento fora arranjado por questões políticas, para selar uma aliança entre dois reinos através do matrimônio. Nesse negócio, os noivos nada mais eram do que peões, sacrificados em prol da diplomacia intercontinental.

Royal Wedding

Com graça e resignação, a princesa avançou em direção ao seu futuro marido, o herdeiro do trono, um jovem bastante apático. Ao lado dele estava o rei e o bispo que iria presidir à cerimônia. Pouco depois, o novo casal foi conduzido para o leito nupcial por toda a corte. Despidos diante de todos, foram, então, abençoados pela autoridade religiosa e deixados a sós para consumarem a união. As cortinas do dossel da cama foram fechadas, fazendo cair a escuridão.

Na manhã seguinte, a vida que a princesa tivera na casa dos seus pais, a sua infância dourada, os seus irmãos e amigos haviam ficado definitivamente para trás. Ao sentar‑se novamente diante do espelho, viu diante de si a imagem de uma nova mulher. Em apenas um dia a sua condição mudara drasticamente e, com o novo status, novas preocupações: “e se eu falhar com o país, os meus pais e o meu marido?”; “O que farei se não conseguir gerar um herdeiro varão para o trono?”; “Serei enviada, em desgraça, de volta para casa?”. Tantas perguntas e nenhuma resposta…! Aliadas às incertezas do futuro, vinham as suas novas obrigações: deveria ser um modelo de virtude e retidão para todas as mulheres do reino, uma vez que os seus atos se repercutiam diretamente na pessoa do marido. A mínima falha e o mínimo deslize seriam observados. A sua figura estaria exposta tanto à apreciação quanto ao vitupério.

Quadro-MA

Ainda olhando para o espelho, com todos esses pensamentos a passarem pela sua cabeça, a princesa começou a chorar. “Como poderei ser feliz, deste modo?”. Mas a felicidade era algo com que não podia contar. Daquele momento em diante, o mundo à sua volta seria um teatro no qual o drama da sua vida seria continuamente encenado. De repente, surgiu uma ideia na mente da jovem: deveria ser a protagonista da sua própria peça, e não mera coadjuvante, pois um dia a coroa iria cingir‑lhe‑ia a fronte e, então, todos estariam a seus pés. Perante essa conclusão, as lágrimas cessaram e um sorriso tímido surgiu nos lábios da mulher refletida no espelho. “Sim, serei rainha e, como tal, pretendo mostrar do que sou capaz!”.

Confiante nessa certeza, esperou que as criadas entrassem novamente no quarto e a vestissem para a missa e para o pequeno‑almoço. De jovem tímida, em alguns minutos, transformou‑se em atriz consumada, disposta a jogar o jogo da corte com apenas um objetivo: ser uma vencedora. Assim, a princesa transpôs as portas do quarto, disposta a transgredir a ordem e a lutar pelo poder com as armas de que dispunha.

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A continuação desse conto você confere na conclusão do livro “Rainhas Trágicas: quinze mulheres que moldaram o destino da Europa” (2016), publicado em Portugal pela Vogais Editora.

 

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