Por: Antonia Fraser¹
Há alguns meses, quando eu estava revendo os papeis para o programa da Radio 4, Broadcasting House, numa manhã de domingo, fui confrontada com uma estória fulminante do Mail on Sunday sobre uma próxima série televisiva que retratava a vida de corte na Versalhes de Luís XIV, aparentemente, por causa da legenda “sexo gay, um príncipe travestido e uma rainha com uma propensão para anões”. Meus colegas painelistas sabiam que eu tinha escrito uma história séria, bem documentada, da vida em Versalhes e esperavam que eu condenasse esse sensacionalismo da história. Mas, em vez disso, eu tinha que informar-lhes de que era tudo verdade.
“Versailles” chega à BBC2 na próxima semana e eu estou surpresa de que tenha demorado tanto tempo para que um blockbuster² da TV usasse esse material. Meu livro, e parece que a série também, começa com sexo e termina com sexo, com direito a realeza, amantes, intrigas, filhos ilegítimos, sexo gay, casamentos de Estado felizes e infelizes, tudo centrado ao redor deste homem extraordinário, Luís XIV, o rei Sol, que subiu ao trono quando tinha quatro anos de idade, em 1643, e governou por aproximadamente 72 anos até sua morte, em 1715.

George Blagden interpreta Luís XIV, o rei Sol.
A estória do seu reinado, o mais longo da Europa, é em grande parte também a estória das mulheres na sua vida. Como era costume entre a sofisticada realeza europeia, a iniciação sexual de Luís foi confiada a uma dama mais velha da corte. Quando ele tinha 15 anos, a baronesa de Beauvais, conhecida como “Kate caolha”, de 39 anos, “o arrebatou ou surpreendeu”, no caminho de volta dos banhos. A experiência parece ter sido agradável o suficiente para ser repetida em muitas outras ocasiões.
Então, para tomar algumas das amantes conhecidas do rei, você poderia começar com Louise de La Vallière, uma doce e ingênua garota que se apaixonou por ele não por ambição, mas por amor. Ela acabou em um convento, mas não sem antes dar a luz a filhos, como muitas das amantes do rei fizeram. Em seguida temos Athénaïs, a famosa Madame de Montespan, uma mulher que amava os prazeres de todos os tipos e foi pródiga em tudo, inclusive consigo. Eu imagino que ela era bonita do mesmo jeito que Nigella (Lawson). Depois dela teve Angelique de Fontanges, de quem muitas pessoas disseram que era a mulher mais bonita que jamais houve em Versalhes.
A chegada de Madame de Mainenon – Mme Agora como ela era trocadilhamente chamada – marca uma ligeira mudança de direção. Se sexo era um tema importante, assim também era a religião. É na ligação entre os dois que eu acredito que o fascínio dos relacionamentos de Luís XIV reside. Ela era a jovem viúva do poeta e dramaturgo Scarron, não tida como uma grande beleza, que entrou como a governanta de muitas crianças reais. O rei nunca abandonou sua religião, mas se manteve um homem muito sensual – sempre uma combinação problemática. Ela não entrou por todo o seu materialismo sensual, mas de alguma forma ela pensou que era seu dever sagrado aceitá-lo como amante, para salva-lo de outras e, ao fazê-lo, ela conseguiu com que ele se interessasse na sua salvação. Pode ter havido um casamento morganático secreto – embora nenhum dos dois tenha declarado isso – de modo que não haveria outra forma de terem vivido em tal intimidade com a bênção da Igreja. Séculos mais tarde, algumas pessoas sugeriram que o príncipe Charles deveria se casar morganaticamente com Mrs Parker Bowles, mas as coisas, felizmente, mudaram.
Curiosamente, o último amor de sua vida não era uma amante em si. Adelaide de Saboia era a esposa-menina de seu neto e foi criada em Versalhes. Ela era uma garota adorável, alto-astral, que lhe deu o prazer de ser um avô, talvez o maior que ele já teve, e quando ela morreu jovem num parto, seu coração ficou partido. Luís, um homem de sorte, conseguiu ter uma vida maravilhosamente excitante e também acabou certamente penitente.
Quanto ao porquê de tais e vidas e estórias ainda serem interessantes hoje, precisamos esquecer a nossa própria família real, que vive atualmente de forma muito respeitável. Mas nós somos tão obcecados com celebridades – a verdadeira monarquia moderna – e os caprichos e excessos de suas vidas privadas, da mesma forma como a corte francesa era obcecada por Luís. Como a cunhada do rei, Liselotte, duquesa de Orleans, colocou, talvez antecipando de alguma forma a incredulidade com a qual os detalhes da vida em Versalhes seriam recebidos hoje: “acredito que as estórias que serão contadas sobre esta corte depois que todos desaparecermos serão melhores e mais interessantes que qualquer romance, e temo que as gerações futuras não sejam capazes de acreditar nelas e pensem que não passam de contos de fadas”.
Artigo traduzido do The Guardian por Renato Drummond Tapioca Neto
Confira abaixo o trailer da série Versailles:
Notas
¹ Antonia Fraser é uma das historiadoras inglesas mais famosas atualmente, autora de muitos livros sobre a monarquia europeia, entre os quais “As seis mulheres de Henrique VIII“, “Maria Antonieta” e “O amor e Luís XIV: as mulheres na vida do rei Sol”, todos publicados no Brasil pela editora Record.
² Expressão inglesa que se refere a filme ou série destinada ao grande público, visando altos lucros financeiros.
Adoro Antonia Fraser, uma verdadeira historiadora.
Obrigada pelo artigo, Renato!
Abraços!!
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Grande artigo mesmo, valeu Renato
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Muito bom! Parabéns, Renato!
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