As esposas do rei: resenha do livro “As seis mulheres de Henrique VIII”

FRASER, Antonia. As Seis Mulheres de Henrique VIII. Tradução de Luiz Carlos Do Nascimento E Silva. 2ª edição. Rio de Janeiro: BestBolso, 2010

Durante a idade moderna, o papel desempenhado pelas mulheres era o de zelar pela honra de seus maridos, fornecendo-lhes descendentes, de preferência do sexo masculino. Mas imagine que você seja um rei e que para garantir a estabilidade da dinastia precise desesperadamente de um sucessor varão, a ponto de casar-se repetidas vezes até consegui-lo? No contexto dessa hipótese, é preciso escolher bem a rainha certa para ajuda-lo a alcançar tal desígnio. Esse caso já é particularmente conhecido entre os estudantes da reforma protestante na Europa do século XVI, quando Henrique VIII da Inglaterra rompeu com a Igreja Católica para divorciar-se de uma consorte estéril, desencadeando assim uma série de acontecimentos que se mostrarão irreversíveis para aquele país. No total, o segundo monarca Tudor desposou seis mulheres, das quais obteve três herdeiros, incluindo o tão desejado menino. Quem eram essas senhoras é um ponto chave nesta presente discussão. Retraçar seus passos é uma tentativa empreendida por ninguém menos que Antonia Fraser, que ao longo de seu livro estabelece um parâmetro de desconstrução dos principais estereótipos femininos daquele tempo.

Antonia Fraser.

Antonia Fraser.

“Divorciada, decapitada, morreu… Divorciada, decapitada, sobreviveu”. É com esse verso que uma das maiores biógrafas da atualidade inicia sua obra, relembrando a ordem de sucessão das esposas de Henrique VIII. Sua perícia nesse campo histórico e literário já vem de muitos anos atrás, quando lançou o mega seller “Mary, Queen of Scots” em 1969, que até hoje se constitui em referência indispensável para qualquer compêndio a posteriori sobre a vida de Maria Stuart. Não obstante, em sua extensa bibliografia, podemos encontrar entre romances históricos e livros historiográficos, mais algumas pérolas que merecem ser destacadas, como “Marie Antoinette, The Journey”, que teria influenciado Sofia Copola a desenvolver um dos filmes mais apaixonantes sobre a vida da última rainha da França. Além desse, que foi publicado no Brasil pela editora Record, encontramos também “A Conspiração da Pólvora”, “Oliwer Cromwell” e “O amor e Luís XIV”. Seu conhecimento sobre a história inglesa já havia sido evidenciado pelo livro “The Lives of the Kings and Queens of England”, de 1975. Mas foi em 1992 que publicou um de seus mais notórios trabalhos: “As seis mulheres de Henrique VIII”, que será o foco desta presente análise.

Fraser, à semelhança de outros autores de livros do mesmo gênero, divide sua obra em cinco partes, cada uma das quais abordando a vida das esposas do rei. Todavia, faz-se necessário ressaltar que esta não se trata de uma biografia de Henrique VIII, mas sim de suas rainhas, destacando-se a importância destas em um universo predominantemente machista. Ao longo de vinte capítulos, a autora estará retraçando a trajetória de seis personalidades distintas, mas ao mesmo tempo tão imprescindíveis para se analisar os acontecimentos do período. Não obstante, é demonstrado o porquê dos casamentos e separações do rei terem se sucedido de forma tão rápida. Por exemplo: Jane Seymour era aia de Ana Bolena antes de suplantá-la como consorte, assim como a própria Ana antes dela prestara serviço a Catarina de Aragão. Catarina Howard, outrora subordinada a Ana de Cleves, viu a seu comando Ana Parr, irmã da última das mulheres de Henrique, Catarina Parr. Sendo assim, é possível presumir que todas elas estabeleceram um tipo de relação, seja ela de maneira direta, ou indireta. Uma a uma, estiveram ligadas pelo seu destino biológico, que, por sua vez, foi o responsável pela desgraça das mesmas.

Na primeira parte do livro, intitulada “Catarina de Aragão”, o leitor facilmente se deixará envolver pela infância da filha do poderoso Fernando de Aragão e Isabel de Castela, em um palco repleto de guerras para unificar o território espanhol. Catalina (nome pelo qual era conhecida em sua terra natal) teve uma educação esmerada e desde cedo foi criada na certeza de que um dia se tornaria rainha da Inglaterra. Em 1501, partiu para o norte do continente para cumprir o acordo de casamento com o doente príncipe Arthur, que morre pouco tempo depois, fazendo com que muitas dúvidas acerca da virgindade de sua esposa se levantassem. Eis um ponto essencial de discussão nesse primeiro momento da obra, na qual a autora defende, com convicção e clareza, os argumentos da primeira consorte de Henrique VIII ao concluir que ela possivelmente falava a verdade quando dizia que saíra do primeiro casamento da mesma forma que viera ao mundo. Catarina, que não deu um sucessor masculino saudável para o irmão mais novo de seu falecido marido, passaria a ser conhecida pela alcunha de “A mulher Traída”, diante das infidelidades de um rei que tencionava renega-la por ela ter envelhecido antes dele.

Enrique VIII, em 1535, por Joos Van Cleve.

Enrique VIII, em 1535, por Joos Van Cleve.

O objeto dos interesses de Henrique seria ninguém menos do que “a tentadora” Ana Bolena, que empresta o nome à segunda parte da obra. Ao introduzir o capítulo seis, “Uma jovem e Viçosa Donzela”, Antonia Fraser atenta para o fato de que muito do que se conhece da vida da segunda esposa não passa de especulações. Sua juventude nas cortes de Margarida da Áustria e de Claudia de Valois foi particularmente responsável pelo contato que teve com os principais nomes do protestantismo. Quando retornou para a Inglaterra, postando-se a serviço da rainha, era vista como francesa em tudo, menos no nascimento. Ao descrevê-la, a autora estabelece um parâmetro entre os atributos físicos da jovem e os padrões de beleza do século XVI, ressaltando assim que Ana tinha uma aparência bastante singular em relação às suas conterrâneas. Seu caso com o rei foi um fator essencial para que este tomasse a atitude de se separar do papado, que não queria anular o casamento com a filha dos reis católicos. Porém, na opinião de Fraser, o principal motivo por trás das atitudes de Henrique era sua vontade de ter um filho homem, o que Ana Bolena não conseguiu cumprir.

Diante disso, a autora nos chama atenção para um aspecto curioso acerca das crenças masculinas do período: se um indivíduo não conseguia produzir filhos saudáveis, a culpa recaía nos ombros de suas mulheres. Assim como Catarina, Ana foi responsabilizada pelos insucessos do rei, mas ao contrário da primeira, que tinha fortes aliados em sua defesa, ela estava sozinha no meio de uma toca de leões prontos para devorá-la. Após sua queda, fora então sucedida por Jane Seymour, uma modesta dama que passaria a ser conhecida pelo rótulo de “a boa esposa”. O próximo casamento de Henrique é o tema da terceira e menor das partes do livro, marcada por relatos de levantes políticos contra a autoridade real. Jane foi à única das seis esposas que conseguiu dar ao marido o tão esperado príncipe, porém com custos fatais para sua saúde. Tendo cumprido sua tarefa como rainha consorte, tornara-se por Henrique VIII na mais adorada de suas mulheres. Possivelmente, especula Antonia Fraser, se Catarina ou Ana tivessem sido bem sucedidas na realização dos objetivos do rei, de certo nunca teriam caído em desfavor.

Com a morte de Jane, Henrique VIII passaria os primeiros dois anos de sua vida sem uma rainha do lado, até que entra em negociações para um casamento de estado com uma princesa estrangeira. Ao contrário de suas mulheres anteriores, casou-se com a quarta sem conhecê-la, e se decepcionou com o que viu. Ana de Cleves, chamada de “A irmã feia”, teve uma curta duração no trono (seis meses), já que seus costumes não agradaram ao rei. Tendo se desiludido, o monarca desposaria uma dama muito mais jovem que sua filha mais velha, com idade para ser neta de Catarina de Aragão. Catarina Howard era prima de Ana Bolena, e com uma trajetória tão duvidosa quanto. A autora aponta para o fato de que muito do que se sabe sobre a vida da “malvada”, se baseia mais no inquérito que fora levantado de adultério contra sua pessoa. A quarta e a quinta esposa de Henrique Tudor, respectivamente, são o tema da penúltima parte do trabalho. Mas enquanto a filha de Cleves teve um destino mais cômodo, aceitando os termos de separação do rei, a Catarina (acusada de adultério) foi reservada o mesmo fim da segunda esposa: a morte por decapitação.

As Seis Mulheres de Henrique VIII

As Seis Mulheres de Henrique VIII.

Todas essas atitudes para com suas rainhas valeram a Henrique uma reputação de “barba azul” em toda a Europa. Entretanto, em 1542 já estava velho e doente, precisando de alguém ao seu lado. É quando entra em cena Catarina Parr, “a figura materna”, uma mulher com fortes crenças protestante e que ao lado de Catarina de Aragão e Ana Bolena, seria uma das esposas mais eruditas do monarca. Parr foi de extrema importância pra uma reaproximação do rei com suas filhas mais velhas, readmitindo-as na linha sucessória após o filho Edward. Quando Henrique morreu em 1547, sua última esposa assumiu todos os direitos e privilégios que a posição de rainha viúva poderiam lhe conceder. É a ela que se dedica a quinta e última parte de um livro repleto de sentimento, sexo e intrigas na corte. De forma inteligível, Fraser consegue trazer à luz da reflexão contemporânea, personalidades que marcaram os anos de 1509 a 1547, sem deixar de mostrar, contudo, como elas forma vítimas dos interesses de um homem que, com o passar dos anos, foi se tornando cada vez mais egoísta e consciente do poder de majestade que lhe era justificado pela teoria do direito divino.

Porém, no epílogo do livro, retornamos mais uma vez para o verso popular com o qual ela inicia a obra, relembrando a ordem das seis mulheres de Henrique VIII. Submetendo o comportamento delas a minuciosa análise, Fraser ressalta as trágicas circunstâncias de suas mortes como uma baliza indispensável para que se tornassem mais populares que o próprio esposo: Ana Bolena e Catarina Howard, enterradas na Capela real de São Pedro ad Vincula, foram como duas traças guiadas pelo fogo. Para muitos, inclusive a autora, a primeira é inocente de adultério, enquanto a segunda, culpada; Jane Seymour terminou seus dias assim como começara, de forma muito modesta; Ana de Cleves , que faleceu por último das seis, encontra-se sepultada em um túmulo que pouco chama a atenção na abadia de Westminster; Catarina Parr passara por muitas turbulências ligadas ao seu enterro, mas felizmente encontrou repouso eterno no castelo de Sudeley; Por fim, Catarina de Aragão foi a que teve o sepulcro mais honroso, reverenciada ainda hoje pela população. A ela Antonia Fraser direciona sua admiração. Uma mulher de caráter leal e compassivo que com toda certeza triunfara na morte assim como malograra em vida.

Renato Drummond Tapioca Neto

Graduando em História – UESC

3 comentários sobre “As esposas do rei: resenha do livro “As seis mulheres de Henrique VIII”

  1. Excelente resenha, realmente maravilhosa! Parabéns pelo trabalho!

    Pobre Catarina Howard, foi executada por ser uma criança e agir como tal, obviamente não estava preparada para a vida de uma Consorte do Rei e sim para a vida de uma fútil menina rica…

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