“Em 1528 uma praga assola a Inglaterra: a doença do suor. Seus sintomas são tão obscuros que toda a população entra em pânico, pois ninguém estava imune a tal peste. Na corte, as pessoas se dispersam, visto que a enfermidade mal se instalara dentro dos muros do palácio e já fizera inúmeras vítimas. Mas como escapar daquilo que não se pode ver? Como impedir que a morte carregasse até mesmo os membros da família real? Sendo assim, fugir parecia à melhora saída, mas, em muitos casos, nem sempre uma boa escolha…”.
A palavra de ordem que dita o sétimo capítulo da primeira temporada de “The Tudors” é “pânico”. Na maioria das cenas, os espectadores verão nada além da morte, provocada por uma das pragas mais poderosas que dizimaram o povo no reinado de Henrique VIII. Consumido por seu amor a Ana Bolena (Natalie Dormer) o rei quase nada percebe do caos que se instala em Inglaterra, até que a doença atinge seu próprio círculo de amizades: William Compton (Kris Holden-Ried), e também a mulher deste, morrem acometidos de febre do suor no início do episódio. Sobre esse aspecto, é interessante notar o temor que o soberano tinha diante da enfermidade. Essa característica, contudo, ficou muito bem explícita na atuação de Jonathan Rhys Meyers, cuja eloquência e temor ele conseguiu transparecer maravilhosamente para aquele que o assiste.

Em cena, Catarina de Aragão (Maria Doyle Kennedy) informa ao embaixador Mendoza que confia sua causa ao sobrinho, o Imperador Carlos V.
O medo do rei de se contagiar era tão poderoso, que ele se recusa inclusive a permanecer do lado de sua amada, especialmente após ela ter entrado em contado com pessoas que estavam contaminadas. Assim como na história original, Ana Bolena contraiu a doença do suor e por um tempo os médicos acreditaram que ela poderia morrer (o que não significa dizer que Henrique desistiria da anulação do casamento real, caso ela viesse a óbito). Mas quis o destino que aquela moça sobrevivesse, para infortúnio do cardeal Wolsey (Sam Neill), certamente. A atuação de Dormer é muito marcante nesse capítulo também, especificamente na cena em que ela conversa com o novo embaixador de Francisco I em ótimo francês. Não obstante, suas expressões de duplicidade na mesa com Wolsey ficaram bem intrigantes: ali temos uma moça, outrora taxada pelo pomposo cardeal de tola, inverter o jogo diante dos próprios olhos dele, e ainda assim continuando a agir pelas aparências, como se nada houvesse acontecido.
A dissimulação, por sua vez, já fora apontada como uma das características de Ana Bolena. Ela sabia se envolver no jogo da corte como ninguém, protegendo-se nas horas certas, e atacando seus oponentes quando fosse o momento. De certa forma, isso ela tinha em comum com a Rainha Catarina, embora esta última procurasse outras armas para lutar por seus direitos, como ficou exposto na cena em que ela conversa com o embaixador imperial e diz ao mesmo que confiava acima de tudo (exceto Deus) no seu sobrinho, Carlos V, para que ele fizesse o possível a fim de impedir a anulação do casamento. Para a soberana, ela ocupava o trono não pela vontade dos homens, mas sim pela divina, e isso fica claro na postura de Maria Doyle Kennedy, que atua da mesma forma obstinada como seu personagem outrora fizera no palco político da Inglaterra, na primeira metade do século XVI.

Cena em que Ana Bolena (Natalie Dormer) presenteia o embaixador francês com um cão chamado “Wolsey”.
Enquanto isso, Wolsey mandava a Orvieto (Itália) dois emissários (Fox e Gardner) para pleitearem a causa do rei junto ao Papa Clemente VII (interpretado por Ian McElhinney). Com efeito, ao se acercarem da situação em que o Vigário de Cristo vivia, eles percebem que seria nada fácil arrancar uma resolução dos lábios do mesmo, exceto por meio de ameaças. Por outro lado, a reconstrução do palacete em ruínas no qual o papa estava residindo ficou bastante simbólica, de modo a representar com clareza as condições precárias em que se encontrava a Igreja católica, não apenas por causa da ameaça imperial, como também pela difusão do luteranismo, que conquistava cada vez mais adeptos na Europa. Essa situação, por sua vez, é enfatizada na série pela fala do personagem Thomas More (Jeremy Northam), que aos 45 minutos do capítulo, diz: “Uma doença se espalha… infectando milhares. Ela se espalha entre os pobres. Entre aqueles que veem a Igreja como rica, corrupta e decadente”. A praga a que Sir Thomas se refere, todavia, e nada além do protestantismo.
É interessante ver como Michael Hirst resolveu explorar um lado mais obscuro do autor de Utopia, bastante diferente de produções como “A Man For All Seasons” (1966). O Thomas More interpretado por Northam parece mais com um fanático religioso do que como um intelectual. Isso fica evidente já no primeiro capítulo desta temporada, no qual ele aparece em cena cometendo o autoflagelo (prática em que o indivíduo machucava o próprio corpo para expurgar seus pecados). No entanto, neste episódio o personagem fala de outro método para extirpar o pecado da heresia: o fogo, algo que ficará mais nítido em cenas futuras. Por agora, ele apenas se recolheu com a família em sua propriedade de Chelsea para fugir da febre, julgando, assim como o próprio rei, que aquela epidemia era um castigo divino.

Após quase morrer da doença do suor, Ana Bolena (Natalie Dormer) retorna para os braços do rei Henrique (Jonathan Rhys Meyers).
Em geral, esse episódio foi um dos mais interessantes até agora. Dentre os aspectos que merecem ser levados em conta, chama a atenção o talento de Henrique VIII (Meyers) para a farmacêutica, algo que também era compartilhado pelo personagem histórico. Poucas foram às produções que enfatizaram esse lado do rei, e não obstante era algo com que ele sempre se preocupou, especialmente nos anos em que estava com a perna ulcerada. Outra cena legal, e que consta nos registros, é a protagonizada por Ana Bolena e o novo embaixador francês, onde ela lhe oferece de presente um cão a quem batizara de “Wolsey”. Essa atitude sarcástica, porém, é uma das marcas do caráter daquela jovem, que foi muito bem ilustrado por Natalie Dormer. Quanto à Catarina de Aragão, vemos neste capítulo ela desafiando abertamente o rei, jogando na cara dele o quão egoísta era, ao pensar primeiramente na própria segurança, em detrimento da família e da mulher que amava.
Com efeito, “The Tudors” deixa claro para o telespectador um coisa a que muitos não sabem, ou preferem ignorar: o fato de que Ana não era mante de Henrique. Isso o personagem do rei deixa claro em sua fala à Catarina, ao dizer que ele jamais fizera amor com mademoiselle boullan e que estava esperando até que o matrimônio dos dois se realizasse para, assim, consumar a união. Algo que, pelo menos de acordo com as perspectivas do monarca, não estava longe de acontecer, pois o Papa finalmente concordara em delegar os cardeais Campeggio e Wolsey para julgarem a validade do casamento real na Inglaterra. Desse resultado, contudo, não dependia apenas o destino do rei, mas também o de vários agentes nessa presente trama.
Renato Drummond Tapioca Neto
Graduando em História – UESC
Esse ep é realmente muito bom (na época me fez pesquisar sobre a doença),o desespero de todos com a doença do suor foi palpável em todos os atores, e o JRM foi fantástico em mostrar toda a paranoia do Henrique VIII com doenças. Adoro a cena com o embaixador francês e finalmente a Natalie pode mostrar o quão fluente é em francês, assim como a Ana, e adoro a cara dela quando ela diz q o cachorro se chama Wolsey,kkkkkkk! Mas realmente o protagonista desse ep foi a temida doença do suor, n sei se estou errada (pode me corrigir), mas The Tudors é uma das poucas (se n a única) q deu ênfase nesse período negro da Era Tudor. Bjs ótima análise!
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Olá, Camila. Muito Obrigado! Realmente, The Tudors é uma das poucas produções que enfatizaram a doença do suor, assim como o filme “Henry VIII” de 2003. Abraço!
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