Por: Renato Drummond Tapioca Neto
Por muitos anos a imagética de inferioridade da mulher esteve ligada à crença de superioridade do homem, um ser a quem elas deveriam recorrer em busca de proteção. O fator masculino, ao longo dos séculos, representou um aspecto dominante na política mundial, enquanto o outro gênero representava a função de viver para eles e não por si mesmas. Acreditava-se que para uma mulher era muito difícil separar as suas paixões de seus deveres para com a pátria. Sendo assim, quando uma rainha subia ao trono, a acompanhava o medo de que ela misturasse o coração com a razão. Na França, pela lei sálica que data do século XIV, uma princesa jamais poderia herdar a coroa do pai, passando-a diretamente para o parente do sexo masculino mais próximo, aquele que pelo sangue tinha maior direito de ocupar tal cargo. Já em outras monarquias, como as da Inglaterra e Espanha, uma mulher subia ao trono quando o rei não tinha filhos homens e/ou herdeiros do sexo masculino. Com efeito, podemos extrair no decorrer da história alguns modelos de rainhas reinantes que se destacaram no período em que viveram.
No contexto europeu temos, como exemplo, duas rainhas que se deixaram levar pela paixão e arriscaram a segurança da nação: Maria I de Inglaterra (1516-1558) e Mary Stuart (1542-1587) da Escócia. No primeiro caso, a filha de Henrique VIII (1491-1547) e Catarina de Aragão (1485-1536) enfrentaram muitos desafios para obter o cetro e a coroa. Em 1553, seu meio-irmão, Edward VI, enquanto falecia, tentou exclui-la da linha sucessória por ser uma católica convicta. Porém, com a ajuda do povo, ela conseguiu reconquistar sua herança. Infelizmente, Maria I escolheu, como marido, alguém não muito bem quisto pelos ingleses, Felipe II de Espanha (1527-1598). A necessidade de agradar o esposo fez a rainha tomar medidas arbitrárias que fragilizaram o reino em inúmeros aspectos. Não obstante, suas tentativas de reinstaurar o catolicismo no país, com a consequente instalação dos autos de fé (fogueiras inquisitoriais), valeram-lhe o cognome de “a sanguinária” (algo que muitos historiadores não concordam).
Um caso semelhante ao de Maria I da Inglaterra é o de sua prima, a soberana dos escoceses. Quando Mary Stuart retornou à Escócia, depois de passar longos anos na França, era uma rainha praticamente estrangeira para seus súditos. Em um reino dividido por facções e clãs, Mary constantemente precisava levantar um exército para defender sua autoridade, saindo-se vitoriosa em suas primeiras batalhas. Porém, a escolha de seu primo, Lorde Darnley (1545-1567), um rapaz fútil e inconsequente, como marido, não agradou a população e o posterior assassinato do mesmo a envolveu numa série de armações e intrigas, acabando por ser acusada de conspirar a morte do rei para se casar com o assassino dele. Os escoceses perderam o total respeito por sua rainha e a suplantaram por seu filho de um ano de idade: Jaime VI da Escócia (1566-1625) e, posteriormente, I da Inglaterra.

Da esquerda para a direita: Mary I Stuart da Escócia, Maria I da Inglaterra, Isabel I de Castela e Elizabeth I da Inglaterra.
A escolha do consorte real deveria ser uma decisão tomada não de acordo com os interesses pessoais, mas seguindo as necessidades do reino. Uma soberana por direito próprio encontrava-se numa difícil encruzilhada ao escolher um pretendente, pois, de acordo com a mentalidade cristã, a esposa estava subordinada aos desejos de seu marido. Por isso, muitos súditos não suportavam a ideia de ter como rei um nobre estrangeiro, o qual, por sua vez, estaria alheio às necessidades políticas da população. Entretanto, nem sempre essa escolha se dava de forma desastrosa, como provou a união de Isabel I de Castela (1451-1504) de Fernando II de Aragão (1452- 1516). Para subir ao poder, Isabel teve que lutar contra a suposta filha de seu meio-irmão Henrique IV (1454-1474). Enquanto Juana tinha o apoio de Portugal, Isabel estava em posição muito mais complicada, uma vez que as elites de Castela estavam todas divididas. Mas com a ajuda do reino vizinho de Aragão ela conseguiu o apoio dos nobres e conquistou a coroa para si.
Isabel e Fernando formaram uma das duplas militares mais famosas da história. Não só financiaram as viagens de Cristovão Colombo para as índias, como também unificaram todo o território espanhol, expulsando os mouros da região de Granada. Isabel assumiu com competência suas obrigações como soberana e esposa, dando ao seu marido uma prole de cinco filhos saudáveis, entre eles a futura Joana I de Castela (1479-1555). A terceira filha dos reis católicos, enquanto princesa, foi dada em casamento ao arquiduque Felipe de Habsburgo (1478-1506), filho do imperador Maximiliano. Com a morte da mãe em 1504, ela foi proclamada rainha de Castela e seu marido rei consorte. Sabe-se que Joana era uma mulher muito ciumenta e alguns de seus opositores utilizaram esse fato para classificá-la como louca. Quando Felipe morreu, Joana foi declarada incapacitada para governar e levada para o castelo de Tordesilhas. A coroa passou para seu filho varão, príncipe Carlos, futuro Imperador Carlos V (1500-1558), então uma criança. A regência do reino, por sua vez, ficou ao encargo do rei Fernando II de Aragão, avô no menino.
A figura de Joana, assim como a de D. Maria I de Portugal (1734-1816), que se diz também ter enlouquecido após a morte do marido, foi muito estereotipada pela historiografia tradicional. Atualmente, vem-se observando maior interesse por parte dos pesquisadores em desconstruir a alcunha de insanidade com que muitos as classificaram. Entretanto, podemos recolher ainda exemplos de algumas rainhas que permaneceram solteiras e cujas medidas políticas se tornaram muito mais notórias que os feitos de outros reis. A que possivelmente melhor representa essa afirmativa é Elizabeth I da Inglaterra (1533-1603), conhecida por títulos enaltecedores como “Glorianna” e soberana de uma era dourada. Enquanto ainda era uma jovem, Elizabeth teve péssimos exemplos de casamentos em sua vida, como os de seu próprio pai, que se divorciou de duas esposas e mandou decapitar outras duas, entre elas Ana Bolena (1501?-1536), a mãe da própria rainha. Logo depois, viu sua irmã Maria I (citada um pouco mais acima) sucumbir diante dos caprichos de seu marido, da mesma forma como observou sua prima Mary Stuart tomar decisões precipitadas por causa de casamentos malfadados.
De acordo com a crendice popular, foi devido à visualização de tantos matrimônios que terminaram em tragédia, que Elizabeth decidiu não tomar esposo. Todavia, decisões políticas também moldavam as pretensões da rainha: em fato, ela não queria dividir seu poder com um homem. Foi muito bem educada quando criança e passou por diversas provações durante a juventude. Dessa forma, as experiências na juventude, junto a uma mente erudita, moldaram o caráter da rainha, dotando-a de força e destreza frente aos impasses que o destino lhe pôs no caminho (ex: a revolta liderada pelo duque de Norfolk em 1572 e a armada espanhola, em 1588). Patrona das artes e da cultura se credita a Elizabeth a introdução do renascimento na Inglaterra, que produziu nomes ilustres como o de William Shakespeare. Seu reinado durou por aproximadamente 45 anos e ficou conhecido como a idade de ouro da monarquia Inglesa, que foi despojada de seu poder absolutista com a revolução gloriosa de 1688-89. Nesse ano ascendia ao poder outra rainha: Maria II Stuart (1662-1694) e seu consorte, o rei Guilherme de Orange (1650-1702), os quais, infortunadamente, morreram sem descendentes ao trono, sendo sucedidos por Ana I (1665-1714), responsável por unir o reino da Grã-Bretanha.

Da esquerda para a direita: Maria Teresa (a Grande) da Áustria, Catarina II da Rússia, Vitória I do Reino Unido e Elizabeth II do Reino Unido.
Um aspecto bastante curioso do reinado de Ana foi que, diferentemente de suas antecessoras, seu marido, Jorge da Dinamarca, não recebeu a coroa matrimonial, ficando apenas conhecido como príncipe consorte. A posição de um monarca Inglês a partir do século XVIII era totalmente diferente dos demais países absolutistas, pois o rei ou rainha não mais exercia funções de chefe de governo, mas só de chefe de estado. Nesse mesmo século a Europa ainda viu surgir duas outras grandes soberanas: as Imperatrizes Maria Tereza da Áustria (1717-1780) e Catarina II da Rússia (1729-1796). Esta última, ao lado de um grupo de monarcas, tornou-se popularmente famosa por introduzir em seu reino práticas ideológicas advindas do iluminismo e por isso ficou conhecida como déspota esclarecida (assim como o marquês de Pombal, secretário de Estado do reino de Portugal).
Seria quase um pecado não mencionar aqui a glamorosa rainha Vitória do Reino Unido (1819-1901), uma das mais populares soberanas de todos os tempos. Quando ficou evidente de que era a única descendente ao trono, a jovem princesa tornou-se praticamente prisioneira em sua própria casa, sem contato com as demais adversidades do mundo. Quando subiu ao trono, em 1837, era uma jovem despreparada e facilmente influenciável. Mas, ao contrário de Maria I ou Mary Stuart, soube muito bem escolher o seu consorte. O príncipe Albert de Saxe-Coburgo-Gota (1819-1862), apesar de não receber a coroa de rei, atuou ativamente ao lado de Vitória e com ela teve nove filhos. Foi sob o seu reinado que a Inglaterra deu marcha ao imperialismo na Índia e em partes da África. Sua época foi fortemente marcada pelo romantismo, tanto na literatura quanto nas demais formas de arte. A chamada “Era Vitoriana” lançou tendências que, por sua vez, se alastraram para as demais partes do globo, chegando ao Brasil, que na época tinha como imperatriz consorte Tereza Cristina de Nápoles.
Hoje o maior exemplo de que dispomos de soberana por direito próprio é Elizabeth II da Inglaterra (nascida em 1926), que já completou 62 anos de governo. Do século XV ao XIX muita coisa mudou: com as chamadas revoluções liberais desmitificou-se a teoria do direito divino dos reis, que colocava o soberano como um escolhido por Deus para governar. Restam-nos poucos exemplos de regimes monárquicos atualmente, sendo os mais representativos os da Inglaterra e Espanha. Entretanto, não só a instituição mudou como também o papel que cada um desempenha nela (um exemplo disso foi um discurso feito pela rainha Elizabeth II, em 2011, afirmando que pretendia anular a preferência masculina à coroa inglesa, transferindo-a para o primeiro filho do casal de herdeiros, independente de seu sexo). Em anos de decadência da monarquia o comportamento dos reis se tornou alvo da mídia e dos círculos de fofoca. Qualquer escândalo pode fragilizar todo o sistema, como aconteceu com a morte da princesa Diana (1997), figura quase que ilustrativa de um passado glorioso. Resta ao monarca exercer seu ofício com o máximo de cautela e dignidade, para, assim, conquistar o respeito da população.
Referências Bibliográficas:
CHASTENET, Jacques. A Vida de Elizabeth I de Inglaterra. Tradução de José Saramago. 2ª edição. São Paulo: Círculo do Livro, 1976
DUNN, Jane. Elizabeth e Mary: primas, rivais, rainhas. Tradução de Alda Porto. – Rio de Janeiro: Rocco, 2004.
FRASER, Antonia. As Seis Mulheres de Henrique VIII. Tradução de Luiz Carlos Do Nascimento E Silva. 2ª edição. Rio de Janeiro: BestBolso, 2010
LOADES, David. As Rainhas Tudor – o poder no feminino em Inglaterra (séculos XV – XVII). Tradução de Paulo Mendes. – Portugal: Caleidoscópio, 2010.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. As barbas do imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. – 2ª edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
Uma pequena correção (me desculpe a chatice): Elizabeth II completou 60 anos de reinado em 2012. Ela ascendeu ao trono em fevereiro de 1952, quando o George VI faleceu. Esse ano comemora-se o aniversário da coroação dela. É comum que se ache que a data de coroação marque o início do reinado, mas quando um rei inglês morre, seu herdeiro ascende ao trono imediatamente.
Até bem pouco tempo, a Europa contava com três rainhas soberanas: Elizabeth II do Reino Unido, Margrethe II (ou Margarida II) da Dinamarca e Beatrix dos Países Baixos (ou Holanda) [que abdicou esse ano a favor de Willem-Alexander, seu filho mais velho e primeiro rei do país em quase um século]. Três senhoras admiráveis com histórias de vida e reinado fascinantes e distintas.
Também é bacana destacar os diferentes perfis de soberanas. Um exemplo de perfil diferente do comum, que é herdar o trono, é o caso de Catarina II da Rússia, conhecida como Catarina, a Grande. Ela ascendeu ao trono após um golpe que depôs seu marido, o czar Pedro III. Tem uma biografia muito bom dela recém-lançada aqui no Brasil chamada “Catarina, a grande: retrato de uma mulher”, de Robert Massie. É um livro bem completo que conta com documentos e diários da própria Catarina.
Outra rainha soberana com uma história interessante [e um tanto parecida história de Elizabeth I] é a de Cristina da Suécia, que abdicou o trono do país majoritariamente protestante para tornar-se católica. Tinha um comportamento masculino e, ao nascer, foi confundida com um menino. Também há um livro em português sobre Cristina.
Na Escandinávia, também há uma outra rainha interessante e pouco conhecida: Margrethe I (ou Margarida I). Sob seu reinado, Dinamarca, Noruega e Suécia eram governadas pela primeira vez por um único soberano, nesse caso, soberana. Essa união ficou conhecida como União de Kalmar.
(Eu me empolgo ao falar de rainhas reinantes, me desculpem o falatório)
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Olá, Jéssica.
Muito Obrigado por me apontar o “erro”. Na verdade, comecei a contar o reinado de Elizabeth II a partir do ano da coroação dela, em 1953. Mas tudo bem! Cometer deslizes como esse é natural da condição humana. Fico muito feliz com seu entusiasmo em falar das Rainhas Reinantes, eu também as adoro, mas elas são muitas, de modo que não caberiam em um único post, até porque esse daqui já ficou bastante extenso em minha opinião. Futuramente pretendo dedicar um texto a cada uma delas, citando com mais minúcias as circunstâncias pelas quais elas ascenderam ao trono, como a própria Cristina da Suécia e a Catarina II da Rússia. No mais, fico grato pelo seu complemento e sinta-se livre para manifestar sua opinião quando quiser. Abraço!
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O artigo é interessante, mas faço uma sugestão, adotem um padrão para citar os nomes dos personagens. Ou traduzem todos, ou não traduzem nenhum. É estranho e confuso.
A respeito de Maria I de Portugal, é uma rainha interessante. O marido nunca teve interesse em imiscuir-se em assuntos do governo. Fez um governo próprio de conciliação nacional numa época de grande divisão marcada pela queda de Pombal, era queridíssima pelo povo e pelo filho Dom João VI, que a visitava diariamente e apreciava sua companhia mesmo nos mais terríveis tempos, realmente teve um declínio mental acentuado, infelizmente. Maria, de jure, foi a primeira rainha do Brasil, elevado a Reino no último ano de seu reinado, 1815.
Já Catarina, a grande não governou em direito próprio, usurpou o trono do marido e depois do filho, essa sim é um caso muito particular e fascinante.
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Oi, Lucas. Obrigado pela sugestão. Não traduzimos todos os nomes para evitar possíveis confusões. Assim, optamos por chamar Maria I da Inglaterra, em sua variante portuguesa, e Mary Stuart, no inglês.
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