Mademoiselle Boullan: Uma história de amor e ódio na corte dos Tudor – Parte III.II

Parte III.II – Ana e Maria: realidade e ficção.

Por: Renato Drummond Tapioca Neto

A relação entre Ana e Maria Bolena foi tema do best-seller da escritora Philippa Gregory, The Other Boleyn Girl (2001). Adaptado tanto para a televisão (2003), quanto para o cinema (2008), o enredo da obra em questão traz uma série de fatos que nem sempre conferem com os registros históricos. O público brasileiro, provavelmente, já deve ter tido contato com a narrativa do romance através do filme “A Outra” (2008), que trás muitas estrelas hollywoodianas em um cenário muito bem contextualizado, com banquetes em grandes salões de palácios, e figurinos bem ilustrativos. Entretanto, a presente trama foi também responsável por uma análise diferenciada de seus personagens, ao mostrar Maria como a boa filha e sua irmã como a vilã. Contudo, a realidade nem sempre era tão glamourizada quanto os filmes e os romances querem nos fazer acreditar. Os registros nos mostram outra versão deste caso, não tanto animadora ou cheia de paixões e intrigas como nos mostra Gregory, mas mesmo assim fascinante. Nesse contexto, o que se afigura é a condição de submissão das mulheres pelo que se denominava inferioridade do sexo feminino.

Provável retrato de Maria Bolena, por artista desconhecido.

De acordo com o que vimos anteriormente, Maria provavelmente era a mais velha de seus irmãos Ana e George, tendo nascido por volta de 1499, também em Blickling Hall. Alison Weir (2011, p. 17), em sua mais recente biografia sobre Maria Bolena (2011), sugere que a filha mais velha de Thomas Bolena e Elizabeth Howard nascera em 1498 ou 1499 e que seu nome deriva da Virgem Maria. Nesse caso, ela estipula a data de seu nascimento nas proximidades da festa da Anunciação (25 de Março), quando muitas garotas eram batizadas em homenagem à mãe de cristo. Assim como acontece com a Bolena mais nova, muito do que se sabe hoje a respeito da segunda amante de Henrique VIII baseia-se em especulações. Poucos são os pesquisadores que se interessam em destrinchar a vida desta mulher, que representou um caso de coragem na Inglaterra no século XVI. Segundo as opiniões de contemporâneos do período, Maria apresentava todas as características valorizadas em uma dama: tinha cabelos e peles claros, assim como um tom de tez muito apreciado, ou nas palavras de Carrolly Erikson, “era sensual e precocemente atraente”. Todavia, o fato de seu pai não a ter enviado para a corte de Margaret da Áustria, assim como fez com Ana, pode significar que este depositava mais esperanças no sucesso da filha mais nova, do que na mais velha (FRASER, 2010, p. 163).

Porém, logo a oportunidade de Maria chegaria: em 1514, ela foi escalada como dama de companhia da Mary Tudor. Eric Ives (2010, p. 29) sugere que quando a princesa retornou à Inglaterra, é provável que a Bolena mais velha tenha ido junto com ela, mas não sua irmã menor, que permaneceu no serviço da nova rainha. Contudo, Maria regressou com a reputação maculada pelos escândalos pertinentes àquela corte. Erikson, ao discorrer sobre esse fato, diz que:

Francisco I se referia a ela com os termos ‘uma potranca’ ou ‘essa égua inglesa’, que ele e muitos outros haviam desfrutado, cavalgando-a durante sua permanência em França. E duas décadas depois de sua partida para a Inglaterra, a chamavam ainda de uma ‘grande prostituta, mais infame que qualquer outra (ERIKSON, 1986, p. 34).

Ana Bolena, por artista desconhecido.

Todavia, Maria haveria tipo pouco tempo para construir tão negativo conceito em França. Se os boatos forem verossímeis, podemos então supor que ela não voltou com Mary Tudor para Inglaterra, mas permaneceu na corte francesa a serviço da nova rainha até 1519, um ano antes de se casar.

O noivo da moça era um mercador nobre de baixa extração, William Carey. A escolha do pretendente de linhagem simples, por sua vez, poderia simbolizar a pouca expectativa que Sir Thomas nutria pela filha mais velha, enquanto que para a mais nova havia projetado um união com um conde irlandês. Porém, o Senhor e a Senhora Carey haveriam tido pouco tempo para desfrutar da lua-de-mel, pois mais tarde naquele ano Henrique VIII resolvera toma-la por amante. Como consequência, a família Bolena recebeu novos títulos e propriedades, além de obter maior influência na corte. Mas o relacionamento entre eles não duraria sequer um ano, terminando em 1521, antes de mademoiselle Boullan voltar para casa. Dessa forma, há que se desfazer a opção de que o romance entre Ana e Henry Percy poderia fragilizar o caso que o rei mantinha com Maria, pois quando isso aconteceu, os dois já estavam separados. Em 1524, ela deu à luz sua primeira filha com o esposo, batizada de Catarina. Dois anos depois, veio um menino, chamado Henrique. Alison Weir (2011, p. 151) sugere que o nome da primeira filha de Maria Bolena foi escolhido em homenagem à rainha Catarina de Aragão. Para a historiadora, é possível que o relacionamento do rei com a filha mais velha de Thomas Bolena se estendera até a época da primeira gravidez dela, fazendo do rei um possível pai da criança.  Posteriormente se levantaria a suspeita de que as duas crianças fossem bastardos reais, embora o rei nunca os tenha reconhecido como seus.

William Carey, por artista desconhecido.

Em 1528, William Carey morreu de uma epidemia que dizimou boa parte da população da época; conhecida como a febre do suor, o enfermo passava horas a fio agonizando e transpirando em cima do leito. Poucos foram os contagiados que conseguiram sobreviver (entre eles a própria Ana). Recluída no campo desde que se tornara viúva, Maria só retornou à corte (algures em 1533) quando sua irmã estava no auge de sua carreira política. Mas, poucos anos depois cairia no desagrado da família por contrair bodas secretas com William Stafford, um mero serviçal (WILKINSON, 2010, p. 151). Com uma reputação de meretriz, a Bolena mais velha teve sorte de encontrar alguém que a aceitasse e desse um nome para seus filhos. Passaria por muitos anos difíceis ao lado do novo cônjuge, mas preferia “mendigar o pão ao lado dele, a ser a maior rainha ungida da cristandade”, como disse em carta ao secretário Cromwell (WILKINSON, 2010, p. 150). Sua decisão contrária aos anseios dos parentes demonstra grande fibra e coragem, duas características não muito encontradas nas mulheres do período.

Referências Bibliográficas:

ERIKSON, Carolly. Ana Bolena: Un Amor Decapitado. Tradução de León Mirlas – Buenos Aires: Atlántida, 1986.

FRASER, Antonia.  As Seis Mulheres de Henrique VIII. Tradução de Luiz Carlos Do Nascimento E Silva. 2ª edição. Rio de Janeiro: BestBolso, 2010.

IVES, Eric W. The life and death of Anne Boleyn: ‘the most happy’. – United Kingdom: Blackwell Publishing, 2010.

WEIR, Alison. Mary Boleyn: the mistress of kings. – New York: Ballantine Books, 2011.

WILKINSON, Josephine. Mary Boleyn: the true story of Henry VIII’s favourite mistress. – Gloucestershire: Amberley Publishing, 2010.

 

 

Um comentário sobre “Mademoiselle Boullan: Uma história de amor e ódio na corte dos Tudor – Parte III.II

  1. Eu sempre a achei interessante,o engraçado que mulheres que todos se interessam como: Anne Boleyn e Anne Neville não me interessam nenhum pouco, já as mulheres como Maria Bolena e Isabel Neville que se tem poucas informações sobre elas são as que mais me intrigam. Acredito que ela foi uma mulher injustiçada, que assim como Isabel dava pouco valor aos jogos políticos e dava mais valor ao amor e a família.

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