CHASTENET, Jacques. A Vida de Elizabeth I de Inglaterra. Tradução de José Saramago. 2ª edição. São Paulo: Círculo do Livro, 1976
Quando Elizabeth II subiu ao trono, a Inglaterra maravilhou-se por ter mais uma vez na chefia do estado, uma rainha. Era um período em que as mulheres estavam a unir-se pela aquisição de direitos igualitários, e acabando por influenciar diversos campos do saber humano, entre eles, o da História. Como num exercício de reflexão sobre a influência feminina através dos séculos, começou-se a resgatar interessantes figuras de heroínas trágicas, como Joana D’Arc e Ana Bolena, e de soberanas notórias, a exemplo de Maria Antonieta. A era vitoriana legara àquela ilha nórdica, e às outras partes do globo, uma de suas fases de maior esplendor, tanto artístico, quanto intelectual. Contudo, uma solteira em especial, de cabelos ruivos e vestes icônicas, chamou mais a atenção dos pesquisadores, principalmente por apresentar uma característica em comum com a filha de George sexto: o nome. Elizabeth I foi uma das maiores governantes que o mundo já conheceu. Sua extrema fibra e coragem, num universo ideologicamente machista, a colocaram no hall dos grandes nomes do movimento feminista, na medida em que provou que gênero não era parâmetro para medir competência.

Jacques Chastenet
Muitas biografias sobre a primeira Isabel (tradução de seu nome para o português) completam as estantes de diversos estudiosos da dinastia Tudor. Contudo, no Brasil, a mais notória delas foi publicada em sua segunda edição no ano de 1976, tendo como autor Jacques Chastenet, historiador de escola francesa e autor de vários livros sobre o regime monárquico e republicano na Europa. Tendo sido um notório jornalista e diplomata, sua produção inclui alguns clássicos como “Le Siècle de Victoria” e “Winston Churchill”. Em 29 de novembro de 1956 foi eleito para a “Académie Française”, falecendo 22 anos depois, a sete de fevereiro de 1978. Sua escrita objetiva e bem delineada é dotada de um forte aspecto imagético, que, por sua vez, já pode ser percebido no prólogo de “A vida de Elizabeth I de Inglaterra”, no qual consta uma descrição detalhada do processo cerimonial de coroação daquela jovem com idade de 25 anos, que subia ao trono do pai, quase cinco séculos atrás. A interpretação que o autor faz dos acontecimentos ali descritos tenta manter certo grau de imparcialidade. Porém, como se verá mais adiante, houve momentos em que seu romantismo falou mais alto, fazendo com que os personagens da obra em questão se afigurassem de forma irresistível.
Ao ilustríssimo José Saramago, coube à tradução deste excelente compêndio biográfico, cuja narrativa se inicia no ano de 1533 oferecendo um panorama político do reino de Inglaterra durante o período da reforma anglicana, quando um rei de consciência perturbada rompeu com o papado romano para se casar com uma dama de olhos penetrantes e cabelos escuros. Ana Bolena deu à luz uma menina feita à imagem do pai com um sabor de desilusão política: a vinda de um garoto seria de extrema importância para a sucessão. Sem conseguir dar herdeiro homem ao trono, a tragédia de mademoiselle boullan era iminente. À orfandade precoce da princesa Elizabeth, bem como sua adolescência perturbada, dedica-se o primeiro capítulo do livro, intitulado de “uma juventude temerosa”. Muitos foram os perigos que aquela dama passaria até conseguir a coroa, incluindo prisões e supostas participações em conspirações contra a irmã, Maria I.
Sendo assim, percebe-se como Chastenet utiliza da infância da rainha Bess, sua educação e transtornos, para exaltar os imensos caráter e determinação que demonstraria anos mais tarde. Até então, percebemos no discurso do autor uma sensação de expectativa quanto aos feitos que aquela jovem faria, para melhorar um país abalado por conflitos internos, referentes à reforma. Desse modo, o casamento com um príncipe estrangeiro seria a melhor opção para a inexperiente monarca. Mas Elizabeth presenciou casos desastrosos de uniões matrimoniais que não deram certo, das quais a mais recente era a de sua irmã com Felipe de Espanha. Como medida de protesto, tomara uma decisão de não desposar ninguém, exceto o reino de Inglaterra. Atitude controversa, porém reveladora do que o autor denominou de “adivinhar institivamente as reações dos súditos”, que não queriam outra nação interferindo nos negócios locais. Entretanto, a rainha não estava sozinha em sua empreitada, tendo como conselheiros como Sir William Cecil, e Lorde Robert Dudley, a quem estaria ligada por uma relação de amor cortês (embora alguns afirmassem que fossem amantes no sentido pleno da palavra).

Elizabeth I, atribuído a Federico Zuccaro
A ajuda de ambos seria de extrema importância para o posicionamento de Elizabeth I com relação à Mary Stuart, cuja história é abordada com enfoque no capítulo três, “As duas Primas”. O tratamento que o autor atribui à rainha dos escoceses demonstra certo pessimismo e desesperança, ao passo em que ressalta sua predileção pela soberana inglesa. Enquanto ele diz que Mary era uma mulher impulsiva, que aos 26 anos estava com a vida terminada, ressalta as qualidades de Elizabeth ao descrevê-la como “prudente, discreta, astuta, capaz de esperar, afeiçoada à paz, poupando o sangue dos seus súditos…” (CHASTENET, 1976, pag. 6). Nessa ultima característica observamos um possível descuido por parte de Jacques, uma vez que a rainha não hesitava em punir aqueles que desafiavam sua autoridade. O maior exemplo disso é os 700 súditos que mandou executar no ano de 1572. Não obstante, ele traz á tona uma dúvida acerca da paternidade do filho de Mary, o futuro Jaime sexto da Escócia. Segundo o próprio, é possível que o precioso herdeiro da casa de Stuart tenha morrido em tenra idade e sido substituído por outro bebê, enquanto a mãe estava fora. Essa, por sua vez, é uma das maiores polêmicas do livro.
Aliado a uma narrativa que em muitas vezes lembra um romance histórico, faz-se notável uma abordagem extremamente factual dos acontecimentos. Chastenet preocupa-se em demasia com datas (que neste caso não são desnecessárias, por esta se tratar de uma obra de biográfica), causas e consequências. Imbuído de um método tradicional, o autor prossegue com as peculiares passagens da vida da rainha, e o seu desespero quanto à pressão que sofria por não aceitar se casar ou nomear um sucessor. Consciente dos vários levantes que ambicionaram derrubar Maria I do governo, e pô-la em seu lugar, a soberana optou por fazer da sucessão um mistério. Ciente de que a prima era sua herdeira por direito de sangue, aceitou acolhê-la quando esta fugira de um grupo de lordes rebeldes da Escócia, mantendo-a, assim, debaixo de sua vigilância. Depois disso, não houve qualquer tentativa de assassinato contra a “rainha virgem” (nome pelo qual era popularmente conhecida devido ao estado de solteira) que não envolvesse a ci-devant rainha da Escócia. Finalmente, Elizabeth se viu na mesma situação que tanto perturbara os membros anteriores da casa dos Tudor. Porém, recusando as petições dos conselheiros de livrar-se da parenta, ela respondia a todos com sua habitual indecisão.
Essa faceta da filha de Henrique VIII se arrastaria através dos capítulos do livro, até que a necessidade de uma atitude mostrou-se inevitável: foram encontradas cartas com assinatura da rainha dos escoceses que acusavam sua participação num complô contra a vida da prima. Se assinasse a execução de Mary, a Espanha se lançaria em campanha militar contra a Inglaterra, mas se a deixasse viva, o país embarcaria em muitos conflitos internos. Tomando uma decisão e fazendo o que achava certo, Elizabeth escolhe a primeira opção e enfrenta ao lado dos súditos a invasão de uma potência católica. Chastenet demonstra como a rainha tinha extremo conhecimento do poder de sua imagem e usou dele em um influente discurso feito às tropas, onde disse que “podia ser uma mulher de corpo frágil, mas tinha o coração e o estômago de um rei”. Esse ponto foi crucial para que ela transcendesse de mulher temente, à poderosa monarca que se afigura nos retratos da mesma. Foi quando se tornou verdadeiramente “a nova Débora”, que levou o povo eleito à vitória. De fato, após a queda da invencível aramada de Felipe II, comparações como essas se tornaram irresistíveis a muitos historiadores, incluindo o autor do livro.

A vida de Elizabeth I de Inglaterra – Jacques Chastenet
Vencida a batalha, Inglaterra seria um importante centro renascentista e encontraria a paz e a prosperidade. Findado os grandes conflitos políticos, Jacques Chastenet dedica os capítulos onze e doze de sua obra à organização da sociedade do período, incluindo seus costumes e crenças, e ao teatro e às letras. O leitor observa, então, um importante panorama dos principais escritores do período, dos quais, o mais notório é William Shakespeare. É interessante notar como o autor se fixa nessa parte do enredo com grande disposição e riqueza de detalhes, pois, afinal, foi durante o período elisabetano que a Europa é presentada com o maior dramaturgo de todos os tempos. Contudo, levanta dúvidas acerca da autoria das peças e poemas desenvolvidos por esse ícone, mas não destrincha muito essa probabilidade, ao contrário do que fizera em relação a muitas passagens da vida de Mary Stuart. Ao encerrar esse ciclo, Chastenet passa a discorrer sobre as grandes universidades do reino, entre elas Oxford e Cambridge, que ainda são referência internacional no meio acadêmico.
Elizabeth foi uma grande patrona do ensino e das artes. Sua participação nesse quesito é já muito conhecida, assim como seu posterior envolvimento com o conde de Essex, o último de seus cortesãos especialmente favorecidos. A relação entre eles serviu de tema para os dois últimos capítulos de uma obra com 287 páginas de extensa narrativa factual e documental. Chastenet não foge à recíproca dos demais biógrafos da rainha Bess, e passa linhas e linhas a fio, dissertando acerca da vida amorosa e política daquela impressionante mulher. Sua conclusão é particularmente interessante, ao estabelecer uma última comparação entre o objeto de sua pesquisa e a trágica senhora dos escoceses, descrevendo-as como a mulher do passado e a do futuro, respectivamente; com Mary sendo objeto da “terna indulgência da História, e Elizabeth, do seu respeito”. Que é uma mulher de futuro está claro pra muitos, pois suas medidas até hoje moldam aquele reino de Inglaterra, herdado há mais de 400 anos depois por outra Isabel, a segunda com esse nome, que ascendia ao trono em 1953, quando da primeira impressão deste livro.
Renato Drummond Tapioca Neto
Graduando em História – UESC