A Depravada Corte do Rei Francisco – Parte II

Por: Renato Drummond Tapioca Neto

Parte II – As delícias da corte

Francisco I, por Joos Van Cleve

A capital francesa sempre foi mais atrativa aos estrangeiros, desejosos por obter a sensação de liberdade daquela atmosfera, do que para aqueles que viriam a compor o posteriormente denominado terceiro estado. As crises de fome se faziam periódicas, e não obstante, ainda eram travadas nos campos guerras de configuração feudal; já nas cidades, os habitantes lutavam para prosperar no comércio. Por outro lado, a vida na corte oferecia um profundo contraste com a dos demais habitantes. Após a ascensão de Francisco I ao trono, não só a arte e a moda italianas foram incorporadas aos padrões de França, mas também os costumes, repletos de malícia, com falas e expressões que induziam o indivíduo a interpretá-las em duplo sentido. As damas buscavam ousar na maneira de arrumar-se, usando vestidos que avantajavam seu colo, muitos deles, a depender da posição social da moça, repletos de jóias; a parte da frente dos cabelos ficava exposta por um capelo em forma de meia-lua, que dava a estas um ar de maior de feminilidade; os olhares sempre inquisitivos, para passar a impressão de que queriam ver através do próximo.

Com atitudes coquetes e sedutoras, as nobres francesas eram um elemento ímpar na Europa de meados do século XVI. Poucas eram as que na corte do primeiro Francisco, optavam por uma conduta mais recatada, a exemplo da própria rainha Cláudia. Relatos de cronistas, quando mencionavam a soberana, denotavam como as aias se destacavam acima de sua senhora, que, por sua vez, não era dada a vaidades. À diferença dela, o rei primava pela aparência estética de sua persona, e nada em seu comportamento lembrava a simplicidade de sua esposa. Segundo Carolly Erikson, que ao traçar um perfil do ambiente da corte francesa no decênio 1510-20 (período em que Ana Bolena, segunda esposa de Henrique VIII, servia como dama de Cláudia de Valois), Francisco tinha um profundo apetite sexual.

Anne de Pisseleu, Duquesa de Etampes

À época, um cortesão diria que o rei francês vivia “vestido de mulheres”. Não apenas teria diversas amantes, como também assumiu o cargo de árbitro da vida sexual na corte. Para ele todo homem deveria ter sua concubina, algumas delas designadas pelo próprio monarca. Aquele que não seguisse seu exemplo, em suas palavras, “era um perfeito idiota”. Ao escrever sobre o reinado de Francisco, Brantôme (um observador da corte), em seu livro Vida das Mulheres Galantes, discorre que o rei mostrava-se “sempre ansioso por acercar-se das aventuras amorosas de suas damas e cavalheiros”. O sexo, na corte francesa, tinha fortes tonalidades de “selvageria”, como diriam os contemporâneos, ou até mesmo aspectos de guerra, pois quando os homens seduziam as mulheres, o faziam como quem se estava sitiando uma cidade. Jogos de amor também eram constantes: os encontros que duravam toda a noite, eram chamados de “a grande batalha” (sob esse aspecto, Brantôme ainda denota em sua obra que as “damas incansáveis, cheias de prazer, mantinham seus adversários no campo de batalha até o amanhecer”).

As amantes não apenas tinham a função de transmitir prazer a seus companheiros, mas também exerciam forte influência ao lado dos mesmos. Por muitos anos, o cargo de Maîtresse en Titre (amante oficial) do rei seria mantido, sendo inclusive de grande vantagem para os demais membros da corte que, interessados em subir na escala social, pediam-lhes auxílio. Apenas três mulheres, dentre os vários casos extra-conjulgais do rei, receberiam posições elevadas na corte e eram reconhecidas como tal. Eram elas: Françoise de Foix, condessa Châteaubriant; Anne de Pisseleu, duquesa de Etampes; e a Belle Féronnière, que era esposa do advogado Jean Féron (caso a amante do rei fosse casada, era comum o marido de esta receber diversas honrarias – outras, como Maria Bolena, que também viria a ser concubina do rei da Inglaterra, não foram tão bem recompensadas).

Quando não se tratava de adultério com o rei por parte das esposas de homens notórios, mas sim com subalternos, a realidade não era tão atrativa para aquelas que violavam a fidelidade conjulgal. Em alguns casos, poderia resultar em morte, a menos que o monarca interviesse na questão. A respeito disso, Carolly Erikson denota:

Se seus maridos tinham outras favoritas, elas [as esposas], por sua parte, tinham amantes, porém, como anota Brantôme, ‘neste caso, corriam grandes perigos e arriscavam sua sorte mais que qualquer soldado ou marinheiro frente aos perigos da batalha ou do mar (ERIKSON, Carolly, 1986, pag. 32).

Retrato equestre de Francisco I, por François Clouet (1540)

Um exemplo do que acaba de ser exposto, e também da coragem das mulheres francesas, consiste no que teria dito uma cortesã ao seu marido, quando surpreendida por este na cama com outro homem: “Sei que vou morrer então me mate, sem vacilar”. Em outros exemplos, o esposo simplesmente fechava os olhos diante de tal situação, e desse modo, os membros daquele pecaminoso reino seguiam sua vida nada comum para os padrões de outras nações. Se comparada às cortes carolas de Portugal e Espanha, França estava longe de receber redenção no mundo cristão.

Referências Bibliográficas:

DUNN, Jane. A Educação dos Príncipes. In: Elizabeth e Mary: primas, rivais, rainhas. Tradução de Alda Porto – Rio de Janeiro: Rocco, 2004. Pags. 103 – 140.

DWYER, Frank. Alianças e Traições. In: Os Grandes Líderes: Henrique VIII. Tradução de Edi G. de Oliveira – São Paulo: Nova Cultural, 1988. Pags. 27 – 39.

ERIKSON, Carolly. La Hermosa Libertad de Francia. In: Ana Bolena: Un Amor Decapitado. Tradução de León Mirlas – Buenos Aires, Argentina: Atlántida, 1986. Pags. 21 – 34.

1.1 Sites:

INTERNET. Os Dois Retratos de Francisco I de França. – Acesso em 28 de março de 2012.

INTERNET. Francis I (1494 – 1547). – Acesso em 28 de março de 2012.

Um comentário sobre “A Depravada Corte do Rei Francisco – Parte II

  1. Nossa, muito interessante. Não sabia que a França era um país tão distante dos valores cristãos naquela época.
    Você poderia fazer um quadro completo, comparando cada país, neste quesito historórico. Do mais conservador, ao mais liberal.

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