Por: Renato Drummond Tapioca Neto
Em 1533, a filha de Lorenzo II de Médici, antigo governante de Florença e duque de Urbino, viajava para a França, onde seu destino como duquesa de Orléans a aguardava. Aos 14 anos, a jovem Catarina levava consigo mais do que joias, vestidos e móveis. Tendo crescido em um dos estados mais sofisticados da Europa naquele período, ela trazia uma verdadeira bagagem cultural, cujos modos e costumes seriam implementados em seu país de adoção. Hostilizada pela nobreza por suas raízes burguesas, Catarina teve a sorte de cair nas boas graças de seu sogro, o rei Francisco I, que adorava o conhecimento prematuro da nora e passava horas conversando com ela. Em 1536, com a morte do delfim, a florentina e seu marido, Henri, se tornaram herdeiros do trono de São Luís. A partir de então, a futura rainha começou a popularizar alguns costumes na corte, como o uso de talheres, roupas íntimas, perfumes, sem mencionar na saborosa culinária italiana, que acabou parando nas mesas de jantares daqueles que tanto a criticaram no início.

Quando os olhos do mundo se voltam para a França, em decorrência dos Jogos Olímpicos de Paris, vamos relembrar um pouco das contribuições de Catarina de Médici para a cultura local!
Dessa forma, a xenofobia contribuiu bastante para que a imagem de Catarina de Médici fosse deturpada por seus inimigos. Ela já foi acusada de lançar mão de meios sórdidos para se livrar de seus oponentes, com o uso de venenos, e de ser a mandante de um dos maiores massacres da história, quando mais de cinco mil protestantes huguenotes foram assassinados nas ruas de Paris, na madrugada de 24 de agosto de 1572. Essa imagem da rainha como mulher vil, encoberta por seus mantos negros de viúva, acabou por obliterar quase completamente a figura de uma grande mecenas, amante das artes, com gosto apurado para arquitetura, paisagismo, boa comida e de hábitos refinados. Embora suas raízes florentinas tenham sido objeto de escárnio por seus principais detratores, Catarina de Médici foi promovendo aos poucos uma italianização dos costumes franceses, cujas práticas perduram até os dias de hoje. Seja na cozinha, na arte da tapeçaria ou nos belos jardins que mandou construir, ela esteve na vanguarda das mudanças que atingiram a Europa na segunda metade do século XVI. Quando os olhos do mundo se voltam para a França, em decorrência dos Jogos Olímpicos de Paris, vamos relembrar um pouco das contribuições de Catarina de Médici para a cultura local!
OBJETOS

Catarina de Médici introduziu o hábito de se comer com garfo na corte francesa.
Assim que chegou na França, em 1533, Catarina de Médici estranhou o costume de se comer com as mãos por parte da nobreza. Em um país que tinha a reputação de ser um dos mais refinados do continente, tal prática, para a nova duquesa de Orléans, era não só bárbara como também anti-higiênica. Assim, ela teria introduzido o uso do garfo para levar alimentos como a carne até a boca, sem precisar tocar diretamente neles. Outro costume que ela adotou foi o uso de roupas de baixo, além da tradicional chemise (espécie de camisola). A duquesa adorava tecidos ricamente bordados, fabricados com materiais finos, não só para cobrir sua mesa, como também para costurar suas roupas e seus lenços de uso pessoal, que ela usava no nariz. Essas práticas eram comuns entre a burguesia rica de Florença, notadamente entre a família Médici, e logo foram adotadas na França. Hoje em dia, é muito difícil de se imaginar tomar a refeição em uma mesa que não esteja apropriadamente forrada e sem o uso de talheres. Quem dirá o uso de roupas de baixo!
PERFUME

Embalagem atual do perfume “Acqua di Santa Maria Novella”, antigo “Acqua della Regina”, usado no século XVI por Catarina de Médici.
A perfumaria francesa tem fama de ser uma das melhores do mundo. Basta lembrarmos do famoso Chanel n° 5 ou de outras fragrâncias desenvolvidas por marcas como Christian Dior. Mas não foi sempre assim. Na verdade, o hábito de usar perfumes mais fortes para disfarçar os odores locais e do corpo foi popularizado por Catarina de Médici. Assim como com a moda, os perfumes eram usados em Florença como um fator de distinção entres os extratos sociais. Desde seus tempos como delfina, ela usava um perfume ainda hoje fabricado em sua terra natal, o Acqua della Regina. Uma vez rainha, em 1547, ela empregou seu conterrâneo, Renato Bianco, mais conhecido como René le Florentin, como seu perfumista oficial. Ele trazia da região da comuna francesa de Grasse algumas das melhores essências, para a fabricação das fragrâncias usadas por Catarina. Mais tarde, o nome de René também estaria ligado à composição dos famosos venenos, que a soberana supostamente usava para se livrar se seus adversários, como Jeanne d’Albret, rainha de Navarra e mãe do futuro rei Henrique IV.
CULINÁRIA

A soupe à l’oignon, ou sopa de cebolas, possui sua receita derivada de um dos pratos favoritos de Catarina de Médici!
Muitas vezes, é atribuído a Catarina de Médici a criação da cozinha francesa, por ter lançado as bases da arte culinária, que se tornaria tão popular nos séculos vindouros. Dizem que foi a esposa do rei Henrique II que delimitou as diferenças entre alimentos salgados e doces, apontando qual o momento mais adequado para se servir os dois tipos de pratos. Além disso, poucos sabem que a famosa soupe à l’oignon, ou sopa de cebola (símbolo da culinária francesa), tem sua receita derivada da Cipollata, uma comida tradicional toscana, que Catarina popularizou junto aos seus súditos. Mesmo os deliciosos crepes, cujas origens são erroneamente atribuídas à França, vieram de outra receita toscana, o Crespelle con besciamella. Já o conhecido Macaron, batizado pelo escritor Rabelais, era um biscoito veneziano que Catarina particularmente adorava, tendo sido apresentado a ela no banquete de seu casamento, em 1533. O futuro rei Henrique II também amava esse doce! Por fim, mas não menos importante, temos as omeletes, que se originaram do chamado Egg Fish e eram muito apreciadas na mesa da rainha.
ARQUITETURA

O belíssimo Château de Chenonceau, antiga residência renascentista de Catarina de Médici.
Catarina de Médici projetou reformas em muitos palácios reais, como o Louvre (atual museu) e seus belíssimos jardins. Ela também foi responsável pela modernização do Palácio das Tulherias, antiga sede da monarquia francesa antes da construção de Versalhes. Infelizmente, o Palácio pegou fogo durante a guerra franco-prussiana, em 1870, e o que restou dele foi demolido. Contudo, o nome de Catarina está mais intimamente associado ao belíssimo Château de Chenonceau. Antiga propriedade da Coroa e utilizado como residência real, Chenonceau é um lugar excepcional, não só por causa do seu design deslumbrante (abrangendo o rio Cher) e pela riqueza de suas decorações, como também por sua biografia, já que foi uma residência amada, administrada e protegida por algumas das mulheres mais extraordinárias da França, que marcaram a história do país. Também conhecido como Château des Dames, o prédio foi construído em 1513 por Katherine Briçonnet e sucessivamente embelezado por Diane de Poitiers e depois por Catarina de Médici. Os aposentos da rainha até hoje se encontram preservados no castelos.
Fonte:
DONI, Sofia. Catherine de Medici at the French court: our Queen’s greatest innovations. 2021 – Acesso em 30 de julho de 2024.
Bibliografia de apoio:
FRIEDA, Leonie. Catarina de Médici: poder, estratégia, traições e conflitos – a rainha que mudou a França. Tradução de Luis Reyes Gil. São Paulo: Planeta do Brasil, 2019.
GOLDSTONE, Nancy. The Rival Queens. Nova Iorque: Back Bay Books, 2015.
SOLNON, Jean-François. Catarina de Médicis (1519-1580). Tradução de Inês Castro. Lisboa: Bertrand, 2004.


