O perfume da rainha: fragrância usada por Catarina de Médici ainda é comercializada na Europa!

Por: Renato Drummond Tapioca Neto

Catarina de Médici foi uma das personalidades mais controversas da história da França, estando associada a um dos maiores massacres da Europa: a fatídica noite de São Bartolomeu, quando milhares de protestantes foram assassinados nas ruas de Paris, na madrugada de 24 de agosto de 1572. Embora os historiadores de hoje refutem a participação da rainha naquele e em outros eventos sangrentos, é correto afirmar que Catarina deixou um legado duradouro na forma de se fazer política no país. Sua influência, por outro lado, também se faz sentir nas artes e na cultura francesa. A soberana tinha forte inclinação para arquitetura, paisagismo, pintura e música, sendo patrona de diversos artistas do período. Basta darmos uma breve olhada para o belíssimo Palácio do Louvre (atualmente, um museu) ou para o encantador Château de Chenonceau, para termos uma ideia do seu bom gosto. Ainda hoje, por exemplo, seu perfume preferido, o “Acqua della Regina”, com receita adaptada do século XIII, é comercializado em Florença, sua terra natal.

Os perfumes na Baixa Idade Média eram utilizados com fins medicinais, para despistar os odores provocados pelas doenças.

Poucos devem saber, mas Catarina de Médici foi uma das responsáveis por popularizar o uso do perfume na França e em outras partes da Europa, no século XVI. Até então, as fragrâncias com cheiros mais fortes eram utilizadas por todo o território italiano com fins medicinais, para despistar os odores causados pelas doenças, como a peste bubônica. Chamada na época de “peste negra”, ela causava a necrose de partes do corpo. Sendo uma enfermidade altamente contagiosa, acreditava-se que respirar o mesmo ar que uma pessoa contaminada era o suficiente para contrair a infecção. Por isso, alguns monges dominicanos desenvolveram um perfume feito à base de álcool, que demorava mais tempo no corpo e assim afastava o cheiro nauseabundo da doença. As mulheres, por sua vez, costumavam usar pomos perfumados atados ao cinto de seus vestidos por meio de correntes decoradas com pérolas, elevando o objeto regularmente ao nariz para despistar qualquer odor do ambiente. Aos poucos, os perfumes foram se transformando em um artigo de luxo, usado principalmente por famílias nobres e por membros da burguesia rica, como era o caso dos Médici.

Catarina de Médici usava o perfume “Acqua della Regina”, quando se casou com o príncipe Henri, duque de Orléans (futuro Henrique II), em 1533.

Nascida em 1519, Catarina de Médici tinha apenas 14 anos quando foi enviada para a França, para se casar com o príncipe Henri, duque de Orléans (futuro rei Henrique II). Na ocasião, ela usava um perfume com notas básicas de almíscar e de patchouli, que contrastavam com as notas de coração e de cabeça (uma variedade de essências extraídas de ervas, alecrim, cítricos, neroli, cravo e lavanda). Conhecido na época como “Acqua della Regina” (Água da rainha), a fragrância era produzida numa farmácia florentina do século XIII, sediada na Igreja de Santa Maria Novella, em Florença. Segundo informação no site oficial da Igreja:

Quando, em 1533, uma muito jovem Catarina de Médici deixou Florença para se casar com o futuro rei da França, entre os pajens, guardas e damas de sua comitiva, ela também pediu um perfumista. Seu nome era Renato Bianco, e em Paris ele se tornou René le Florentin: e assim, a partir da antiga sabedoria dos criadores de essências de Florença, a nobre arte do perfume se espalhou por todo o mundo. “Acqua di Santa Maria Novella”, ou “Acqua della Regina” (a “Água da Rainha”), a fragrância mais antiga da Officina Profumo-Farmaceutica di Santa Maria Novella, é uma homenagem ao presente de amor que Caterina trouxe para a França.

Catarina, por sua vez, encomendou o perfume a Renato Bianco e continuaria utilizando-o ao longo de toda a sua vida, encomendando-o diretamente com seus fabricantes. A soberana aplicava a substância à base de álcool tanto em sua pele, quanto nas suas vestes e, principalmente, nas suas luvas. Logo, o hábito de se usar luvas perfumadas se tornou moda em outras cortes da Europa, como na Inglaterra da primeira Era Elisabetana. A esposa do rei gostava de oferecer luvas perfumadas como presente aos seus mais chegados e também para outras rainhas do continente.

A Igreja de Santa Maria Novella, em Florença.

Contudo, os perfumes também contribuíram para alimentar a lenda obscura que cerca Catarina até os dias de hoje. Por ser uma Médici, foi dito que a monarca dominava a arte dos venenos e, assim, dava cabo da vida dos seus desafetos. Foi o que teria acontecido com Jeanne d’Albret, rainha de Navarra, após receber um suposto par de luvas perfumadas de Catarina, cuja essência continha substâncias tóxicas. Tais informações, é claro, carecem de maior comprovação. O fato é que a xenofobia e a misoginia fizeram da soberana o bode expiatório perfeito para todas as mazelas que atingiam a população francesa da segunda metade do século XVI. Ela era acusada pelos huguenotes como assassina e, ao mesmo tempo, vista com desconfiança pelos católicos, devido à sua política de conciliação religiosa. Antes de falecer, em princípios de 1589, Catarina de Médici continuava sendo uma figura bastante respeitada e igualmente temida em toda a França, não apenas pela população, como também por seus filhos. Três dos quais chegaram a reinar, quando a coroa passou definitivamente para as mãos de Henrique de Navarra, futuro Henrique IV.

Embalagem atual do perfume “Acqua di Santa Maria Novella”, antigo “Acqua della Regina”, usado no século XVI por Catarina de Médici.

Atualmente, o perfume da rainha ainda é comercializado pela mesma farmácia florentina do século XIII, mantendo-se a receita original com algumas adaptações. Rebatizado de “Acqua di Santa Maria Novella” (em referência à Igreja onde foi desenvolvido), a fragrância possui um cheiro bastante agradável, seduzindo homens e mulheres que passeiam pelas ruas de Florença. No site oficial da farmácia da Igreja, pode-se ler:

A Officina Profumo-Farmaceutica di Santa Maria Novella tem suas raízes na Florença de 1221. Naquele ano, frades dominicanos fundaram o convento de Santa Maria Novella e começaram a cultivar – entre outras coisas – um jardim. A partir desse mesmo jardim, muitos séculos de experiência em farmacopeia e preparações naturais começaram a se desenvolver. E nos anos posteriores, essa experiência se expandiria para incluir os mundos dos cosméticos, fragrâncias e produtos de bem-estar.

Tendo crescido neste celeiro cultural, Catarina de Médici levou consigo para a França seu gosto refinado para as artes e assumiu o mecenato de algumas das mentes mais criativas do período. Ao contrário da imagem da megera envenenadora, assassina de protestantes, tão difundida por escritores como Alexandre Dumas no século XIX, ela foi uma das figuras mais importantes da história francesa, tendo deixado um valioso arcabouço artístico para as gerações seguintes. Basta seguir o rastro almiscarado do “Acqua della Regina”, para descobrir uma imagem totalmente diferente daquela que enganou nosso olfato por tanto tempo, ludibriado pelos odores do preconceito!

Fonte:

Grunge – Acesso em 9 de Julho de 2024.

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