Por: Renato Drummond Tapioca Neto
Ao longo dos séculos, o código de vestimenta das mulheres na realeza deveria traduzir para a população o poder e o brilho da Coroa. Tecidos como seda, cetim, veludo; cores como carmim e púrpura; peles de marta e de arminho serviam também como um parâmetro divisor entre os diferentes estamentos da sociedade no antigo regime. Quanto mais cara e opulenta era a manufatura do tecido, melhor a mensagem era transmitida. Contudo, a partir do século XVIII observamos mulheres como Maria Antonieta e a imperatriz Joséphine conduzindo uma verdadeira revolução no guarda-roupas real, antes que o processo revolucionário na França colocasse um fim ao poder absoluto dos monarcas. Nesse contexto, a moda permaneceu como uma poderosa ferramenta de expressão para tais mulheres, numa época em que sua participação na esfera política não era vista com bons olhos. Associadas a estilistas do calibre de Charles Worth, Christian Dior, Norman Hartnell, Helen Rose, Catherine Walker e Jenny Packham, mulheres como Eugénia de Montijo, a princesa Margaret, a rainha Elizabeth II, Grace de Mônaco, a princesa Diana e Kate Middleton (respectivamente) transgrediram padrões de comportamento, lançaram tendências e conseguiram instituir um novo código de vestimenta para a realeza. Vejamos então alguns momentos importantes dessa trajetória!
Elisabeth “Sissi” da Áustria

Acervo do Sisi Museum, Viena.
O vestido de casamento da imperatriz Elisabeth da Áustria, usado em abril de 1853, consiste em verdadeira matéria de curiosidade para os estudiosos de sua vida trágica. Nesse caso, não existem imagens contemporâneas do modelo. Então, só podemos imaginar como ele seria com base nas ilustrações póstumas e nas partes sobreviventes do tecido. Seguindo o costume da época, Sissi o doou para a Igreja após a cerimônia. O bordado de prata com guirlandas de flores foi recortado para a confecção de um manto sacerdotal. A peça pode ser vista atualmente no Sisi Museum, em Viena. Há também a cauda de seda branca, bordada em ouro. Concebida como uma parte independente do vestido de noiva, ela foi guardada pela filha da imperatriz, Maria Valéria, e em 1989 foi vendida por seus descendentes para o Kunsthistorisches Museum. Contudo, um retrato da imperatriz de 1857, pintado por Joseph Neugebauer, foi redescoberto recentemente e acabou por transmitir a aparência do vestido que o acompanhava, o que permitiu reconstruir todo o conjunto – incluindo pequenas manchas. “O retrato foi criado três anos após o casamento e foi feito por Joseph Neugebauer, que não era um pintor da corte”, diz a diretora de Wagenburg, Monica Kurzel-Runtscheiner. Pode-se descartar que a imperatriz foi sua modelo.” Sua conclusão: ” Não posso dizer hoje: ‘É o vestido de noiva’ nem ‘Não é o vestido de noiva’”. Com base na tela, o vestido de Sissi foi reconstruído, utilizando a cauda original que ela usou em 1853, quando se tornou imperatriz da Áustria.
Imperatriz Maria Feodorovna da Rússia

Vestido em veludo carmesim, bordado a fios de ouro, que teria pertencido à czarina Maria Feodorovna.
Vestido de veludo carmesim, bordado a fios de ouro, que pertenceu à imperatriz Maria Feodorovna. Para a foto, a peça foi disposta sobre as escadarias do Palácio de Inverno, de frente para um traje que foi usado pelo czar Alexandre III. Dá até pra imaginar o casal imperial, indo de encontro um ao outro. Atualmente, a peça faz parte do acervo do Museu Hermitage, na Rússia, justamente com outros vestidos do magnífico vestuário da imperatriz.
Grã-dquesa Xenia Alexandrovna

Traje de gala da grã-duquesa Xenia Alexandrovna;
Vestido tradicional da corte russa, que pertenceu à grã-duquesa Xenia Alexandrovna (1875-1960), filha da czarina Maria Feodorovna com o czar Alexandre III. A peça foi confeccionada em veludo azul, com um intricado padrão de flores e folhas bordados com fios metálicos e uma longa cauda. Na corte dos Romanov, as damas de companhia de uma soberana ou princesa costumavam usar vestidos com design semelhante, embora mais modestos em comparação ao da foto em destaque. Atualmente, a maioria das roupas da família imperial que sobreviveriam à Revolução Russa se encontra em exposição no Museu Hermitage, antigo Palácio de Inverno.
Princesa Margaret do Reino Unido

O vestido Dior da princesa Margaret
O belíssimo vestido encomendado à Dior, que a princesa Margaret usou quando posou para as lentes do fotógrafo real, Cecil Beaton, por ocasião de seu aniversário de 21 anos, em 1951. Também conhecido como “vestido da Cinderela”, a irmã da rainha Elizabeth II considerava este um de seus vestidos favoritos de todos e, felizmente, a peça sobreviveu intacta e é mantida no Museu de Londres. O vestido é composto por sete camadas de tule sobre seda marfim e apresenta um glamoroso design, com mangas ajustáveis em diferentes níveis de cada um dos ombros. A silhueta bem definida, de 18 polegadas, era atada por um cinto. Para completar o toque de Midas, bordados em padrões florais com fios dourados, ráfia e lantejoula fosca feita de polpa de madeira e palha. Margaret voltaria a usar o vestido em 21 de novembro daquele ano, em um evento no Hôtel Perrinet de Jars, em Paris, para uma interpretação orquestral de “God Save the King”, em homenagem ao seu pai. Sabendo que todos os olhos estariam voltados para si, a princesa surgiu na grande escadaria do hotel deslumbrante em seu traje Dior. A revista Paris Match a descreveu como “a princesinha branca com seu diadema e olhos de corça”.
Enquanto isso, no Reino Encantado da Disney…

A atriz Lily James, usando o magnífico vestido de noiva de Cinderella, criado para a Live Action da Disney, lançada em 2015.
O vestido de casamento de Cinderella foi inspirado na moda francesa da década de 1860, especialmente nas peças costuradas pelas Casa Worth, usadas pelas imperatrizes Eugénia de Montijo e Sissi. Misturando realidade com elementos típicos dos contos de fadas, tais como cristais e bordados de flores e borboletas sobre o tule que cobre o tecido na cor marfim, a peça desenhada por Sandy Powell demorou milhares de horas para ficar pronta. Curiosamente, Norman Hartnell, estilista da Coroa Britânica nas primeiras décadas do reinado de Elizabeth II, também incluía elementos dos contos de fadas nos vestidos que ele desenhava para a rainha e a princesa Margaret, emprestando assim à moda da Coroa um pouco da magia dos contos. Diz Powell que os trajes da realeza dos anos 1950 também serviram de inspiração para o vestido de casamento de Cinderella. Podemos perceber, por exemplo, uma clara referência ao vestido de noiva de Grace Kelly e ao da princesa Margaret, ambos com corpete ajustado ao corpo e mangas de tule até o pulso. “Criar o vestido de noiva foi um desafio. Em vez de tentar fazer algo ainda melhor do que o vestido de baile, tive que fazer algo completamente diferente”, disse a estilista para a Vanity Fair. “Eu queria que todo o efeito fosse efêmero e fino, então optamos por um corpete de formato extremamente alinhado com uma cauda longa”.
Rainha Elizabeth II e sua parceria com Norman Hartnell

Norman Hartnell foi responsável pelo estilo da rainha Elizabeth II, nas primeiras décadas do seu reinado.
Vestido usado pela rainha Elizabeth II em 31 de outubro de 1960, durante a première de “Man in Moon”. O traje foi desenhado por Norman Hartnell, estilista da Coroa (o mesmo designer por trás do vestido de casamento e da coroação da soberana). Ele apresenta um padrão de contas de cristal bordadas sobre o tecido. Na ocasião, Elizabeth combinou a peça com a belíssima tiara Queen Mary’s Girls e com o colar da rainha Alexandra. Apresentado pela primeira vez à rainha-mãe, Hartnell foi responsável por muito do estilo das mulheres da realeza britânica, entre as décadas de 1950 e 1960. Do vestido de casamento da princesa, passando pelo traje da coroação da soberana, o estilista imprimiu sua marca através da moda da Casa Real. Até hoje, suas criações (que misturam os símbolos da monarquia aos elementos do universo dos contos de fadas), são referência para aqueles que o seguiram nessa função.
Grace de Mônaco e o glamour de Hollywood

Grace Kelly em seu casamento civil com o príncipe Rainier III de Mônaco. Ao lado, o croqui feito por Helen Rose do vestido para a ocasião.
Em 18 de abril de 1956, acontecia o casamento civil de Grace Kelly com o príncipe Rainier III de Mônaco, numa cerimônia privada no Palácio Real. Para a ocasião, Grace usou um traje desenhado pela estilista da MGM, Helen Rose, a mesma mente criadora por trás de um dos vestidos de noiva mais famosos da história, que a atriz americana usaria no dia seguinte, para a cerimônia religiosa. Diferentemente do casamento que ocorreu no dia 19, marcado pelo assédio da imprensa e pelo desconforto do casal diante de tantas câmeras, o primeiro casamento de Grace e Rainier foi muito mais tranquilo. Os familiares da noiva se lembravam que ela estava com um semblante maravilhoso, sem as olheiras que foram capturadas pelas filmagens da MGM no dia seguinte, causadas por uma noite de sono mal dormida. Para a cerimônia civil, Grace usou um traje em duas peças, costurado em tafetá rosa e completamente forrado com seda francesa Alençon. A saia foi desenhada em formato de sino e, para combinar, Helen acrescentou um corpete justo com uma jaqueta de gola redonda, bordada com brocados de seda. Completavam o elegante look nupcial um capelo estilo Julieta e luvas de pelica.
Diana, Princesa de Gales

O “vestido Elvis da Princesa Diana”
O famoso vestido “Elvis”, costurado com pequenas pérolas artificiais ao longo do tecido, incluindo um bolero de gola alta semelhante às jaquetas usadas pelo rei do rock em shows. Desenhado pela estilista Catherine Walker, o vestido foi encomendado pela princesa Diana, que o usou pela primeira vez em 1989 para uma visita oficial a Hong Kong e depois no Britsh Fashion Awards em outubro do mesmo ano. Ela também usou a peça em diversos retratos oficiais, em conjunto com a belíssima Lover’s Knot Tiara para combinar. Com efeito, uma das razões que fizeram a princesa Diana se tornar um fenômeno global de mídia foi a combinação de beleza, juventude e carisma. As pessoas podiam sentir a sua empatia e vontade de ser agradável. Muitas mulheres queriam saber como ela usava o cabelo para então copiar o seu penteado, ou quais roupas ela estaria vestindo nas suas múltiplas aparições públicas. Isso fez da princesa de Gales um ícone da moda. Ao longo de sua trajetória na realeza, Diana manteve contato com vários estilistas de grifes famosas e quase tudo o que ela usava virava tendência. Atualmente, o vestido Elvis se encontra em exposição no V&A Museum.
Rainha Silvia da Suécia e Victoria, a Princesa Herdeira

O vestido Nina Ricci da rainha Silvia, usado depois por sua filha Victoria, a Princesa Herdeira da Suécia.
Victoria, a princesa herdeira da Suécia, usando em 2018 o mesmo traje que sua mãe, a rainha Silvia, vestira 25 anos antes para a edição de 1995 do Prêmio Nobel. A futura soberana chegou ao evento acompanhada pelo marido, o príncipe Daniel. A cerimônia do Nobel de 2018 ocorreu em Estocolmo. Victoria chamou a atenção com o elegante vestido Nina Ricci, nas cores rosa, dourado e prateado, e um enorme laço nas costas. Ultimamente, a moda sustentável tem sido uma pauta cada vez mais debatida nos meios de comunicação e as famílias reais europeias estão aderindo à causa. Em vez de adquirirem trajes novos para cada evento de gala em que comparecem, princesas como Victoria e Kate Middleton estão sendo vistas cada vez mais repetindo roupas. Ao escolher o vestido de sua mãe, a princesa herdeira prestou uma bela homenagem à rainha Silvia, que possui ancestralidade brasileira por via materna. Na edição do Prêmio Nobel de 1995, a esposa do rei Carl XVI Gustaf da Suécia combinou o vestido com a bela Tiara da rainha Sofia, também conhecida como “Tiara das Nove Pontas”. Já a Tiara usada pela princesa Victoria em 2018, também pode ser considerada uma forma de tributo à rainha Silvia, uma vez que ela usara a mesma peça — que apresenta um design em cinco voltas, com um pingente de diamante pendendo de cada um de seus arcos — em sua primeira aparição pública como noiva do rei Carl, antes do casamento real. Na cerimônia do Prêmio Nobel de 2018, a princesa herdeira se sentou logo atrás de seus pais. Carl XVI Gustaf entregou prêmios de física, química, fisiologia, medicina e ciências econômicas. Também estivan presentes o príncipe Carl Philip e a princesa Sofia , que ocuparam seus lugares na primeira fileira da plateia.
Kate Middleton, Princesa de Gales e o brilho dos paetês

Catherine “Kate” Middleton, então duquesa de Cambridge, chegando na premiere no novo filme da franquia James Bond, “No Time To Die”.
Se hoje em dia é difícil imaginar a família real britânica sem Kate Middleton, mais difícil ainda é pensar como a instituição conseguiu sobreviver tanto tempo, após a morte da princesa Diana, sem ela. A nova princesa de Gales, com seus ancestrais provenientes da classe trabalhadora nas minas durante a Revolução Industrial, trouxe uma bela lufada de ar fresco para o Palácio. Além disso, Kate mobiliza toda a indústria da moda no Reino Unido. Tal como sua falecida sogra nos anos 1980 e 1990, tudo o que Kate usa vira tendência. Graças à sua parceria com a grife Alexander McQueen e com a estilista Jane Packham, ela se tornou um verdadeiro ícone fashion. Em sua primeira aparição oficial como esposa do herdeiro do trono, em 9 de junho de 2011, durante um jantar beneficente (dado em homenagem ao 10° aniversário do ARK Gala, em Perk’s Fields, a esposa do príncipe William apareceu deslumbrante em um vestido inteiramente decorado com paetês, desenhado por Packham. Contudo, foi durante a estreia do filme da franquia James Bond, “No Time To Die”, em 2021, que a princesa fez muita gente perder o fôlego. Como uma deusa dourada, ela surgiu deslumbrante no evento, usando um belíssimo vestido de strass assinado por Jenny Packham, que combinava perfeitamente com os brincos, também usados por ela durante a turnê do casal de Gales pelo Paquistão.
Referências Bibliográficas:
BROWN, Tina. Os arquivos do Palácio: por dentro da Casa de Windsor: a verdade e a voragem. Tradução de Denise Bottmann e Berilo Vargas. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.
ECO, Umberto (Org.) História da Beleza. Tradução de Eliana Aguiar. 3ª edição. Rio de Janeiro: Record, 2013.
HAMANN, Brigitte. The reluctant empress: a biography of empress Elisabeth of Austria. 4ª ed. New York: Ullstein, 1997.
JONES, Caroline. Kate Middleton: estilo e elegância do maior ícone da realeza. Tradução de Lúcia Beatriz Primo. São Paulo: Prata Editora, 2013.
KELLEY, Kitty. Os Windsor: radiografia da família real britânica. Tradução de Lina Marques et. al. Sintra, Portugal: Editorial Inquérito, 1997.
MARR, Andrew. A real Elizabeth: uma visão inteligente e intimista de uma monarca em pleno século 21. Tradução de Elisa Duarte Teixeira. São Paulo: Editora Europa, 2012.
MEYER-STABLEY, Bertrand. Isabel II: a família real no palácio de Buckingham. Tradução de Pedro Bernardo e Ruy Oliveira. Lisboa, Portugal: Edições 70, 2002.
WEBER, Caroline. Rainha da moda: como Maria Antonieta se vestiu para a Revolução. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. – Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
WILLIAMS, Kate. Josefina: desejo, ambição, Napoleão. Tradução de Luís Santos. São Paulo: LeYa, 2014.
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