Por dentro do guarda-roupas real: como as princesas usaram a moda ao longo dos séculos! – Parte I

Por: Renato Drummond Tapioca Neto

Ao longo dos séculos, o código de vestimenta das mulheres na realeza deveria traduzir para a população o poder e o brilho da Coroa. Tecidos como seda, cetim, veludo; cores como carmim e púrpura; peles de marta e de arminho serviam também como um parâmetro divisor entre os diferentes estamentos da sociedade no antigo regime. Quanto mais cara e opulenta era a manufatura do tecido, melhor a mensagem era transmitida. Contudo, a partir do século XVIII observamos mulheres como Maria Antonieta e a imperatriz Joséphine conduzindo uma verdadeira revolução no guarda-roupas real, antes que o processo revolucionário na França colocasse um fim ao poder absoluto dos monarcas. Nesse contexto, a moda permaneceu como uma poderosa ferramenta de expressão para tais mulheres, numa época em que sua participação na esfera política não era vista com bons olhos. Associadas a estilistas do calibre de Charles Worth, Christian Dior, Norman Hartnell, Helen Rose, Catherine Walker e Jenny Packham, mulheres como Eugénia de Montijo, a princesa Margaret, a rainha Elizabeth II, Grace de Mônaco, a princesa Diana e Kate Middleton (respectivamente) transgrediram padrões de comportamento, lançaram tendências e conseguiram instituir um novo código de vestimenta para a realeza. Vejamos então alguns momentos importantes dessa trajetória!

Eleonora de Toledo e a moda na Renascença Italiana

Possível vestido de Eleonora de Toledo.

Vestido de veludo carmesim, que possivelmente pertenceu a Eleonora de Toledo, esposa do grão-duque da Toscana Cosme I de Médici, ou a uma de suas damas de companhia. Atualmente, a peça se encontra exposta no Palazzo Reale, em Pisa e, durante anos, foi usado numa estátua da Virgem Maria, doada para um mosteiro. A peça é enfeitada com fios metálicos, em um padrão intrincado. Ao contrário do vestido usado por Eleonora de Toledo em seu funeral, este se encontra bem preservado e, na medida do possível, foi restaurado sem comprometer sua forma original. Alguns especialistas argumentam que ele pertenceu à própria Eleonora na década de 1560, dada à similaridade entre a referida peça e outros trajes usados pela duquesa (especialmente com o vestido de cetim branco com que ela foi enterrada), ou a alguma de suas damas de companhia, já que o traje não foi listado entre os outros contidos no Medici Guardaroba. Mas qualquer que seja a resposta, é inegável que o estilo da esposa de Cosme I de Médici influenciou na confecção da peça, o que demonstra o extremo bom gosto de Eleonora de Toledo e sua influência na moda feminina italiana de meados no século XVI.

A moda feminina na corte do rei Felipe II da Espanha

Acervo do Metropolitan Museum of Art

Conjunto extremamente bem preservado, que pertenceu à corte espanhola no final do século XVI. Ele é composto por uma saia, um corpete com caimento profundo e largo e uma jaqueta de mangas longas, com abertura frontal até a altura do cotovelo, que permitem uma visão de parte das mangas internas ligadas ao corpete. O estilo era muito apreciado durante o reinado de Felipe II e de seu sucessor, Felipe III. Parte da singularidade da peça não se deve apenas à sua extraordinária sobrevivência, mas também ao uso da seda em tons sóbrios, que ressaltavam a riqueza dos belos bordados em fios dourados, com padrões intricados, por toda a extensão do tecido. A única exceção talvez seja a aplicação de uma série de faixas bordadas na frente da saia e na orla do corpete. Se pararmos para analisar a saia, por exemplo, veremos que ela é tão densamente trabalhada com bordados, que quase é impossível diagnosticar a cor do tecido de base. Já a seda azul do corpete, fica apenas meramente notável. O casaco sobreposto a ele, embora pareça mais simples, é inteiramente bordado com fios de ouro. Com base na análise da indumentária, supõe-se que a dama que usava este traje era certamente oriunda de uma rica família. Atualmente, o conjunto faz parte do acervo do MET.

Rainha Elizabeth I da Inglaterra

Corpete que pertencera à rainha Elizabeth I da Inglaterra.

Elizabeth I faleceu no dia 24 de março de 1603, meses antes de completar 70 anos. Para o seu funeral, foi confeccionada uma efígie de madeira, vestida provavelmente com roupas que pertenceram à própria soberana. Segundo as testemunhas do evento, a boneca da rainha era tão realista, que parecia que estava viva. Apenas a estrutura de madeira do objeto sobreviveu, juntamente com o corpete que ela usava. Preservado hoje na abadia de Westminster, acredita-se que a peça tenha sido usada por Elizabeth nos últimos anos de sua vida, embora outros pesquisadores argumentem que a roupa tenha sido feita especificamente para o seu cortejo fúnebre. Qualquer que seja a resposta, ela denota a silhueta delgada da soberana, que em quase 45 anos de governo nunca se casou. Após sua morte, a Coroa passou para as mãos de James VI da Escócia, que a partir de então se tornou James I da Inglaterra.

Maria Antonieta, rainha da França

Vestido que teria pertencido a Maria Antonieta, feito no ateliê de Rose Bertin.

Provável vestido de Maria Antonieta, que sobreviveu à Revolução Francesa. Consta que teria sido feito por Rose Bertin, modista da rainha. Hoje, se encontra exposto no Royal Ontario Museum, no Canadá. O design da peça representa o auge da arte dos bordadores profissionais do século XVIII. Ele combina padrões florais com penas de pavão e faisão, fitas e laços de cetim em azul claro, rosa e marfim. Além disso, é decorado com lantejoulas, contas de vidro, tiras metálicas plissadas e dois tipos de fios metálicos, feitos de bobina de metal enrolada sobre um núcleo de seda. Segundo Madame Le Brunn, principal retratista da rainha, Maria Antonieta era uma mulher alta, bem formada de corpo e um pouco robusta. Na França do século XVIII, a altura média de um francês das províncias era de 1,50m, enquanto aqueles que viviam nos centros urbanos geralmente chegavam a 1,65m. Considerando que Maria Antonieta podia parecer maior com o recurso dos saltos e de perucas, então é possível especular que ela tivesse entre 1,60m e 1,65m. O suposto vestido da rainha não indica que ele teria pertencido a uma mulher mais alta. No século XIX, a peça passou por algumas alterações, especialmente na saia, para deixá-la mais adaptada ao estilo que se usava na década de 1850, com uma armação de crinolina lhe dando esse aspecto arredondado. Durante o tempo de Maria Antonieta, porém, é provável que as ancas ficassem sobre uma armação com lateral mais larga, conforme podemos ver nos retratos pintados da rainha consorte da França.

A leveza da Moda Império

Acervo do MAD, Paris.

Maria Antonieta havia sido muito censurada em seu tempo de vida ao introduzir a musselina no código de vestimenta da realeza, na década de 1780. Com um vestido simples atado à cintura apenas por uma fita de cetim, ela recebeu árduas críticas por não se paramentar de acordo com a sua posição. O tecido logo ganharia adesão na corte inglesa através de Georgiana, duquesa de Devonshire. Quase uma década depois da morte da rainha da França, vestidos de musselina branca, presos à altura do busto e com mangas curtas, se tornaram tendência entre a sobrevivente aristocracia francesa, graças ao uso contínuo do tecido feito por Joséphine, imperatriz dos Franceses. Esse vestido de casamento francês, por exemplo, é datado de 1810. A peça, confeccionada em musselina branca bordada, segue a tendência da chamada moda império.

Acervo do Victoria and Albert Museum, em Londres.

Com o passar das décadas, a moda império foi se aperfeiçoando, graças à introdução de novos tecidos, estampas e corte. Porém, a extravagância que marcara a forma de se vestir no antigo regime absolutista ficara definitivamente para trás. A burguesia em ascensão, com sua falsa moralidade, classificou o exagerado como vulgar e passou a valorizar o simples. Esse vestido em tecido castanho de algodão, datado de 1835-1840, é um exemplo disso. A peça, estampada com padrões florais, atualmente se encontra em exposição no Victoria and Albert Museum, em Londres.

Princesa Charlotte de Gales

Acervo da Royal Collection Trust

Vestido de seda azul costurado no estilo russo, muito em voga na década de 1810, com o qual a princesa Charlotte de Gales foi retratada em tela baseada no trabalho de George Dawe, pintada originalmente em 1817. A única filha do rei George IV do Reino Unido usa no seio esquerdo a Ordem de Santa Catarina, presenteada pela a mãe do czar Alexandre I. O vestido é confeccionado em seda francesa bordada, e franjas de fios de ouro na bainha. No mesmo ano em que Charlotte posou para esse retrato, ela faleceu em decorrência de um rompimento uterino, provocado pelo parto de um filho natimorto, em 6 de novembro. Sua morte provocou uma crise de sucessão no trono britânico que só foi solucionada dois anos depois, com o nascimento de sua prima, a futura rainha Vitória.

Charles Worth, o pai da alta-costura

No século XVIII, começaram a surgir as primeira revistas de moda, que circulavam entre a nobreza e a realeza europeia, que ganharam maior difusão no período seguinte. Em tais periódicos, o estilo de mulheres elegantes como Maria Antonieta da França e Georgiana, duquesa de Devonshire, era amplamente consumido. Mas, apenas 100 anos depois esse costume se tornaria mais arraigado, atingindo também a classe média e alguns extratos mais baixos da sociedade. Uma mulher bem vestida era sinônimo da riqueza e da prosperidade de seu marido. Quanto mais joias e tecidos caros ela usasse, melhor estava representado o status econômico do cônjuge. Eugénia de Montijo merece o crédito como uma das primeiras influenciadoras da história, não apenas por ditar tendências, mas principalmente por estar intimamente associada à grife fundada por Charles Frederick Worth, considerado o pai da alta costura. Nascido na Inglaterra, ele foi o primeiro estilista a criar na França coleções de primavera-verão, outono-inverno. Além disso, ele utilizava sua própria esposa, Marie Vernet, como manequim para sua criações, criando assim a primeira modelo de prova de que temos conhecimento. Logo, ele atraiu uma clientela muito sofisticada, que incluía a imperatriz dos franceses.

Vestido feito pela Casa Worth, possivelmente para a imperatriz Eugénia de Montigo.

Vestido feito na década de 1860 pela Casa Worth, uma das maiores grifes do século XIX. Confeccionada em tafetá marfim sob camadas de tule, a peça segue a moda vigente no Segundo Império francês, com a crinolina dando volume às sais e o corpete ajustado à cintura. As mangas são em estilo balão e oferecem um generoso vislumbre do decote ombro a ombro. Possivelmente, o traje pertenceu a Eugénia de Montijo, esposa de Napoleão III. Alguns sites, porém, classificam-no como um vestido de noiva. Sabe-se, por outro lado, que a terceira imperatriz dos Franceses era uma cliente fiel da marca fundada pelo inglês Charles Frederick Worth, considerado o pai da alta costura. A Casa Worth tinha entre suas freguesas mais ilustres, além de Eugénia, a imperatriz Elisabeth “Sissi” da Áustria e Alexandra da Dinamarca, princesa de Gales.

Moda parisiense da década de 1880.

Vestido para passeio, costurado em seda com contas de vidro, feito na França em 1885 pela Casa Worth. O traje em destaque se encontra em exposição no Matropolitan Museum of Art.

Acervo do Metropolitan Museum of Art.

Vestido de baile desenhado entre os anos de 1898-1900 pela Casa Worth, uma das maiores grifes do século XIX. A peça apresenta um padrão de arabescos no tecido que reflete a influência do movimento Art Nouveau. A impressionante justaposição gráfica do veludo preto sobre um fundo de cetim marfim cria a ilusão de trabalho em ferro, com gavinhas curvas enfatizando o formato da moda da vestimenta. O traje em destaque se encontra em exposição no Matropolitan Museum of Art.

Acervo do RISD Museum.

Vestido de baile francês do ano de 1912, confeccionado pela famosa grife Casa Worth. A peça é composta por metal, contas de cristal, miçangas, strass; padrão de trama suplementar, cetim, tule e bordados. Atualmente o vestido se encontra em exposição no RISD Museum.

Referências Bibliográficas:

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JONES, Caroline. Kate Middleton: estilo e elegância do maior ícone da realeza. Tradução de Lúcia Beatriz Primo. São Paulo: Prata Editora, 2013.

KELLEY, Kitty. Os Windsor: radiografia da família real britânica. Tradução de Lina Marques et. al. Sintra, Portugal: Editorial Inquérito, 1997.

MARR, Andrew. A real Elizabeth: uma visão inteligente e intimista de uma monarca em pleno século 21. Tradução de Elisa Duarte Teixeira. São Paulo: Editora Europa, 2012.

MEYER-STABLEY, Bertrand. Isabel II: a família real no palácio de Buckingham. Tradução de Pedro Bernardo e Ruy Oliveira. Lisboa, Portugal: Edições 70, 2002.

WEBER, Caroline. Rainha da moda: como Maria Antonieta se vestiu para a Revolução. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. – Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

WILLIAMS, Kate. Josefina: desejo, ambição, Napoleão. Tradução de Luís Santos. São Paulo: LeYa, 2014.

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