Princesa Margaret, o capítulo final: entenda o porquê de ela ter sido cremada e não embalsamada!

Por: Renato Drummond Tapioca Neto

No dia 9 de fevereiro de 2002, falecia em Londres, no Hospital King Edward VII, a princesa Margaret Rose, irmã da rainha Elizabeth II. Em anos recentes, a vida conturbada da filha mais jovem do rei George VI se tornou objeto de fascínio e especulação junto ao grande público, em grande medida devido ao seriado da Netflix, “The Crown”. Os amores frustrados da princesa com o capitão Peter Townsend; seu relacionamento tóxico com o marido, o fotógrafo Antony “Tony” Armstrong-Jones; e a dificuldade para se adaptar à vida como coadjuvante da rainha despertou a empatia de muitos espectadores. Novos livros e biografias sobre a desventurada princesa foram escritas e páginas em redes sociais foram fundadas, especialmente para divulgação de fatos de sua vida, acompanhados de suas belíssimas fotos das décadas de 1950 e 1960, quando Margaret era reconhecida como uma das maiores beldades do mundo, ao lado de nomes como Elizabeth Taylor, Audrey Hepburn e Grace Kelly. Porém, uma curiosidade que chamou a atenção de algumas pessoas consiste na razão que teria levado a irmã da soberana a ser cremada e não embalsamada e posta para descansar dentro de um caixão, assim como os demais membros de sua família.

Fotografia da princesa Margaret Rose, tirada por Cecil Beaton em 1951 por ocasião do seu aniversário de 21 anos. Ao lado, uma imagem da irmã da rainha Elizabeth II, capturada por Tim Graham em uma de suas últimas aparições públicas, em maio de 2001.

Em séculos passados, reis e rainhas, príncipes e princesas da Casa Reinante geralmente escolhiam a Abadia de Westminster como local de repouso final. Naquele espaço ocorrem as cerimônias de coroação, casamentos reais e é onde se encontram sepultados alguns dos maiores intelectuais do passado, como Sir. Isaac Newton. Porém, a rainha Vitória interrompeu essa tradição ao criar um magnífico Mausoléu para si no terreno de Frogmore, uma antiga região pantanosa que foi drenada e depois transformada em um belíssimo jardim. Nas cercanias do monumento tumular da soberana, existe um cemitério próprio para seus descendentes com o príncipe Albert. Ali estão sepultados, por exemplo, o rei Edward VIII e sua esposa, a famosa Wallis Simpson, duquesa de Windsor. Outro lugar geralmente usado como túmulo real é a vala embaixo da capela de São Jorge, no Castelo de Windsor. Neste local, estão os reis Edward VII e George V, acompanhados de suas esposas, as rainhas Alexandra e Mary, respectivamente. Também se encontram ali, em outra vala, o rei Henrique VIII e sua adorada terceira esposa, a rainha Jane, assim como o rei decapitado durante a Revolução Inglesa, Charles I.

A “vala real”, como ficou melhor conhecida, acabou servindo de sepulcro para uma infinidade de membros da realeza e de nobres descendentes, a exemplo da princesa Charlotte de Gales. O local subterrâneo, porém, não é aberto à visitação. Numa cripta particular, embaixo do pavimento da capela, também estão os remanescentes do rei George VI e da rainha-mãe, Elizabeth Bowes-Lyon. No ano passado, os caixões da rainha Elizabeth II e do príncipe Philip também foram colocados para descansar na cripta do velho rei, onde jazem as cinzas de sua filha, a princesa Margaret. As últimas aparições públicas da princesa foram em agosto de 2001, por ocasião do aniversário de 101 anos da rainha-mãe, e em dezembro, quando sua tia, a princesa Alice, duquesa de Gloucester, completou 100 anos. No final daquele ano, porém, as perspectivas de sobrevivência da irmã da rainha Elizabeth II eram bem poucas. Após sofrer uma série de derrames, que paralisaram metade do seu corpo e a desfiguraram quase por completo, ela sofreu um ataque cardíaco e faleceu aos 71 anos. Em pouco lembrava a deusa da graça e da beleza que fora na juventude.

Lápide da princesa Margaret na capela do rei George VI, com os dizeres: “Em grata lembrança”, Sua Alteza Real, A Princesa Margaret, Condessa de Snowdon, nascida em 21 de agosto de 1930, falecida em 9 de fevereiro de 2002″.

Muitos poderiam interpretar a decisão da princesa em ser cremada como um último resquício de sua vaidade mundana, para que a posteridade se lembrasse dela como a jovem deslumbrante e a mulher elegante que foi, e não como uma senhora de aspecto inchado, presa a uma cadeira de rodas e que se recusava a posar para novas fotografias que ela acabou se tornando. Em seus últimos meses, Margaret já estava preparando os arranjos para seu próprio funeral. Sem qualquer expectativa de sobreviver por mais tempo, ela detalhou meticulosamente cada um de seus últimos desejos em uma série de cartas de despedidas, direcionadas aos membros de sua equipe e do Palácio. Os papeis diziam por escrito como a notícia de sua morte deveria ser dada à imprensa, como ela gostaria de ser velada, sobre como deveria ser realizado o cortejo fúnebre e, mais importante, qual seria o destino de seu corpo após o cerimonial. Em seguida, ela enviou os envelopes lacrados com suas disposições finais para os colaboradores da rainha, com a instrução de que não fossem abertos até o dia de sua morte. Seu fim, contudo, estava mais próximo do que ela pudesse imaginar.

Em sua última década de vida, Margaret fora internada várias vezes em decorrência de diversos derrames. O hábito de fumar constantemente, herdado de seu pai, também comprometeu seu sistema respiratório. Para além disso, um acidente ocorrido quando ela colocou por engano seu pé numa banheira de água fervente comprometeu sua habilidade de locomoção. A partir de então, ela era sempre vista com um dos tornozelos enfaixados, apoiando-se em uma bengala. No ano de 2000, a princesa sofreu mais um derrame, que deixou metade de seu corpo paralisado, fazendo com que ela necessitasse de uma cadeira de rodas. Margaret, antes tão vaidosa, havia se tornado a sombra da mulher que um dia fora. Em 8 de fevereiro de 2002, ela sofreu novo derrame, que afetou seriamente seu sistema cardiovascular. No dia seguinte, a princesa expirou pela última vez, às 6h30 da manhã. O biógrafo Andrew Marr resumiu da seguinte maneira a sua história:

Muitas vezes alvo de piadas mordazes e abusos sem consideração, a vida da princesa Margaret é um exemplo da dificuldade de se lidar com a pressão da realeza sem que se tenha uma forma ética de trabalho e muito autocontrole. Ela foi maltratada nos momentos mais importantes e se esforçou para encontrar uma maneira de ser feliz. Quando considerados seus muitos problemas, as palavras da irmã da rainha sobre a importância do dever e do casamento, proferidas há muito tempo, soam enternecedoras. A rainha tem sido um modelo de dever e determinação, mas também tem tido sorte em seu casamento e na segurança de seu papel (MARR, 2012, p. 22).

O funeral da princesa Margaret ocorreu no dia 15 de fevereiro de 2002. A data era bastante simbólica, uma vez que naquele mesmo dia, 50 anos antes, ocorria o funeral de seu pai. A morte da filha mais jovem fora um duro golpe para a rainha-mãe, que estava prestes a completar 102 anos. Muito debilitada e doente, ela também não tinha expectativas de viver muito além da filha que acabava de perder. Mesmo assim, ela compareceu ao seu funeral, contrariando as recomendações médicas e da família. O caixão com os despojos da princesa Margaret deixou o palácio de Kensington, onde ela vivia desde que se casou com Tony em 1960 em direção ao palácio de St. James. Uma imagem da rainha Elizabeth II chorando na saída da cerimônia, acompanhada de seus sobrinhos, Lady Sarah Chatto e David Armstrong-Jones (atual conde de Snowdon), foi capturada pelas câmeras dos fotógrafos.

O pavimento superior da capela do rei George VI, onde se encontram sepultados o rei, a rainha-mãe, a princesa Margaret, a rainha Elizabeth II e o príncipe Philip.

Quatro anos mais nova, Margaret fora a única companhia da rainha por mais de uma década. Enquanto a Europa enfrentava a Segunda Guerra, as duas irmãs permaneceram juntas no Castelo de Windsor, onde passavam o tempo organizando peças teatrais e jogos. Após a morte do rei George VI, a rainha Elizabeth II, sua mãe e sua irmã permaneceram ainda mais unidas, formando um verdadeiro triunvirato. O maior medo da monarca era que as duas partissem antes de si, deixando-a sozinha. Algo que, infelizmente, acabou acontecendo em 2002. Após a realização de um serviço fúnebre privado na capela de São Jorge, apenas na presença de sua família, o corpo de Margaret foi levado ao crematório, segundo o desejo da própria falecida. Com isso, ela se tornou o primeiro membro da família real a ser cremado em 60 anos! Antes disso, Margaret havia cogitado a possibilidade de ser sepultada no cemitério da realeza em Frogmore. Divorciada desde o ano de 1977 (o primeiro “divórcio real” desde Henrique VIII e Ana de Cleves em 1540, como os jornais da época noticiaram), a princesa que não pôde se casar com o homem que amava teria um desfecho tão solitário quanto seus últimos anos de vida, não fosse uma decisão inesperada de sua parte.

Recusando-se a ser sepultada em Frogmore, ela preferiu ser cremada. Segundo sua ex-dama de companhia, Lady Glenconner, que estava ciente das últimas vontades da irmã da rainha, Margaret achou os jardins ao redor do Mausoléu da rainha Vitória “muito sombrios”. Foi nesse contexto que ela ditou as instruções para seu funeral: após um serviço religioso, o caixão deveria ser encaminhado para um crematório em Slough (localizado a três milhas e meia da Capela). De acordo com sua última vontade, nenhum membro da família real deveria estar presente quando sua carne e ossos se transformariam em pó. Apenas o pessoal de sua equipe particular e o Lorde Chamberlain, representando a rainha Elizabeth II, serviram como testemunhas. Na época, o serviço custou um total de 280 libras! Em seguida, as cinzas foram depositadas dentro de uma urna e colocadas na vala sob a lápide da Capela privada do rei George VI. Sete semanas depois, a rainha-mãe se juntou ao marido e à filha no mesmo espaço, para tristeza de Elizabeth II, que naquele ano completou seu Jubileu de Ouro (50 anos de reinado). Assim, a família original de quatro membros (“nós quatro”, como gostava de dizer o rei), que antes se resumia apenas a uma pessoa, “Lilibet”, agora descansa unida.

Simulação de como os caixões da família real estão arrumados no subsolo da vala real. As cinzas da princesa Margaret se encontram sobre um estrado, próximo dos ataúdes de seus pais, irmã e cunhado.

Com efeito, a capela de São Jorge, no Castelo de Windsor, costuma ser um lugar muito valorizado por membros da realeza, não apenas para velórios, como também para casamentos e batizados, devido ao seu caráter mais privado. Quando da morte da rainha Elizabeth II, em 8 de setembro de 2022, os caixões na cripta do antigo rei George VI foram reorganizados, para receber o ataúde do príncipe Philip, sepultado na vala real desde 2021, juntamente com o da falecida soberana. O caixão do duque de Edimburgo permanecera até então isolado sobre um estrado, esperando pelo dia em que sua esposa se juntaria ao dele. Numa imagem em simulação, divulgada em 2022, temos uma noção de como os quatro caixões e as cinzas da princesa estão arrumadas dentro do ambiente. Uma nova lápide fora preparada, com a grã-cruz da Ordem da Jarreteira no centro, destacando os nomes do rei George VI, da rainha-mãe, de Elizabeth II e de Philip. Mas, em um canto da parede da Capela, próxima ao altar, existe uma placa memorial, lembrando aos visitantes locais de que embaixo daquele chão, “em grata lembrança”, também se encontram as cinzas de “Sua Alteza Real, A Princesa Margaret, Condessa de Snowdon, nascida em 21 de agosto de 1930, falecida em 9 de fevereiro de 2002”.

Referências Bibliográficas:

BROWN, Tina. Diana: crônicas íntimas. Tradução de Iva Sofia Gonçalves e Maria Inês Duque Estrada. Rio de Janeiro: Ediouro, 2007.

HOBSBAWM, Eric J. A era dos extremos: o breve século XX. 2ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

KELLEY, Kitty. Os Windsor: radiografia da família real britânica. Tradução de Lina Marques et. al. Sintra, Portugal: Editorial Inquérito, 1997.

MARR, Andrew. A real Elizabeth: uma visão inteligente e intimista de uma monarca em pleno século 21. Tradução de Elisa Duarte Teixeira. São Paulo: Editora Europa, 2012.

MEYER-STABLEY, Bertrand. Isabel II: a família real no palácio de Buckingham. Tradução de Pedro Bernardo e Ruy Oliveira. Lisboa, Portugal: Edições 70, 2002.

MORTON, Andrew: Diana – sua verdadeira história em suas próprias palavras. Tradução de A. B. Pinheiros de Lemos e Lourdes Sette. 2ª ed. Rio de Janeiro: Best Seller, 2013.

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